cesar, o meu stone favorito.

Juliana Damasceno
judamasceno
3 min readOct 12, 2014

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- juju, estou com medo. acho que o cesar pode se machucar com essa tesoura de jardineiro nas mãos.

minha avó julia, sempre muito espirituosa, me recebeu assim na casa dela, dia desses. não sabia se ria ou chorava ao ver o estado em que o cesar apareceu para ajustar uma pequena árvore que era apenas um galho quase morto que meu pai trouxe pra casa, quando ainda trabalhava na fumacenta avenida paulista.

ele achou a flor bonita e presenteou a minha avó, quando derrubaram a pobrezinha. para eternizar o gesto, ela plantou a bichinha no quintal da frente de casa. pra não crescer muito e incomodar os vizinhos, ela manda podar vez em quando. por vezes redondinha, por vezes quadradinha. e chama o cesar pra ajudar.

naquele dia quente, eu estava com uma camiseta preta que tinha o nome de todos os stones bem grande, estampado em branco. ainda brinquei com ela quando entramos, dizendo que o cesar não estava em condições de identificar o que estava escrito — caso contrário, já teria me abordado de cara para cantar alguma canção de sua banda preferida pra mim, como sempre fez, aliás, desde que eu sou criança.

inclusive minhas primeiras memórias do cesar são bem infantis. eu brincava na frente de casa com um bando de crianças e, quando ele passava, os moleques zoavam muito. ele estava invariavelmente bêbado, cambaleante, e eu era uma das poucas pessoas que lhe davam um pouquinho de atenção. cumprimentava, pedia pra ele cantar alguma música. e ele sempre, sempre escolhia alguma boa dos stones. enquanto todo mundo ria dele, anos mais tarde, eu já refletia sobre o que estava por trás daquela eterna carraspana. e fui tirar a dúvida com o meu pai, que o adorava.

ele me explicou que ninguém sabia ao certo os motivos que deixaram o cesar daquele jeito. sempre embriagado, cigarro amassado no canto da boca. mas que ele lhe contou, certa vez, que tinha emprego num banco, era o típico cidadão respeitado que ganhava seus 4 mil cruzeiros por mês. até que se apaixonou. e se deu mal.

abandonado, caiu na vida. e nunca mais se levantou. aliás, nunca mais teve condições de se erguer. vi o cesar caído pelas ruas do bairro um cem número de vezes. e tinha pena, embora eu saiba que este é o pior dos sentimentos que se pode ter por alguém.

flash backs à parte, naquele dia na minha avó, ele bem que tentou cortar a mini-árvore. toda torta, claro. chamou a dona julia algumas vezes para que “checasse o serviço”. pediu água gelada. reclamou do calor.

chegou minha hora, fui me despedir dele. mas aí, como num insight de sanidade, ele fixou os olhos na minha camiseta.

- são os stones mesmo?

- são.

- que linda sua blusa, juju. sabe que ontem, eu estava vendo MTV e passou um clipe deles de madrugada. eu aumentei muito, nem liguei pra vizinhança. quando acabou, saquei meu disco deles de 67 e botei no último volume. que se dane todo mundo. acendi um cigarro e…

… eis que ele saca uma vassoura velha que estava usando pra limpar as folhas e cantou “it’s only rock and roll” inteirinha pra mim. minha avó julia chorou. eu também. e o aplaudimos.

foi ótimo o pocket show, cesar. meu stone favorito. (02/12/2012)

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Juliana Damasceno
judamasceno

jornalista. psicóloga em processo de downloading. baixista em eterna formação.