meu sonho olímpico.

Juliana Damasceno
judamasceno
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2 min readAug 1, 2016

vovô comprou a casa dele, a minha casa, a nossa educação, tudo que a gente tem, também com o dinheiro mirrado do futebol. esporte pra nós nunca foi só uma diversão, um passatempo. era futuro. comida na mesa. roupa pra vestir. era missão.

meu pai jogou. eu joguei. minha irmã mais nova também. não conseguimos viver do esporte, infelizmente, cada um com seus motivos. mas acompanhar, incentivar, vibrar acabou se transformando no nosso esporte, conforme fomos envelhecendo.

meu pai partiu. deixou vovô, pai em dobro, pra me incentivar na caminhada (frustrada) de meio de rede em alguns clubes. ganhei bolsa de estudos por meter porrada. pensava "sério mesmo que eu 'ganho' pra isso"? foi um período tão feliz que nem me importei de defender o Palmeiras, por exemplo. e até meu avô, corintiano doente, vibrava quando eu tava em quadra. sempre via ele todo emocionado lá da arquibancada, dizendo pros outros "minha neta é craque".

meu avô tinha suas paixões particulares. não perdia Corinthians de jeito nenhum — e xingava muito. acordava de madrugada "pra ver o Senna". gostava de basquete, mas amava “a Hortência”: corria lá em casa pra me chamar quando a Minercal tava em quadra pra gente ver juntos, a hora que fosse.

meses depois da sua morte, em 2010, entrevistei a rainha. e a agradeci, ao final, dizendo que meu avô a amava muito. choramos juntas. não fui profissional, eu sei, mas dane-se. ele deve ter rido de mim na hora, é o que me importa.

sentir a chegada dos jogos olímpicos aqui, tão perto, ter a oportunidade de ver isso, tem me emocionado demais. hoje, comecei finalmente a chorar, pensando no quanto sou privilegiada, mas também no quanto queria meu pai e meu avô, ao meu lado, no sofá, comendo amendoim e cornetando até os esportes que não manjamos.

meu avô certamente diria que "faltava uma Hortência em quadra". meu pai rebateria educadamente, com aquela voz grossona, "pai, ela agora é comentarista, já aposentou, temos que nos atualizar". e o velho, sempre ciente da palavra final, mandaria um "jamais haverá outra". eu e meu pai no entreolharíamos, riríamos em silêncio e baixaríamos a cabeça em sinal de respeito ao mais velho damasceno.

os três gargalhariam bem alto (herança familiar). pularíamos abraçados com nossos pernões de um metro e poucos no momento das medalhas. e nos despediríamos sorrindo, esperando mais quatro anos pra chorarmos juntos outra vez. eles de volta pro canto deles. eu no meu, a vida real.

bons jogos pra todo mundo :)

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Juliana Damasceno
judamasceno

jornalista. psicóloga em processo de downloading. baixista em eterna formação.