Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots

lucasq
Juiz Cachorro
Published in
7 min readMay 9, 2016

Minha mente adora fazer clique. Digo, quando estou numa situação cotidiana e preciso comentar alguma coisa com alguém, só que tem um problema: eu esqueci. Aí você vai falar pra mim que tem uma térmica com cafezinho quente cheia na cozinha e por alguma razão eu vou lembrar que acabei de jogar Metal Gear Solid 4 pela primeira vez. É mais ou menos assim que funciona o clique — não que agora importe de ONDE veio ele. Esses dias me veio um clique sobre todas as vezes em que joguei Metal Gear Solid 4. Teve aquela que a gente comprou charuto! Pra combinar com o final. E uma vez eu dormi vendo a luta contra a Crying Wolf. Clique.

Ah.

Eu gosto muito de pensar que MGS3 foi uma carta de amor. Com “me perdoa” no final, mas com amor. Eles brigaram, o casal. Depois da briga teve essa cartinha zombando os erros (dica: não foi um erro) do passado e tudo isso aí que a gente às vezes quer ouvir. Um deles ficou muito bravo com o ato do outro, que queria mostrar que nem sempre queremos o que queremos. Ninguém gosta que se jogue algo assim na cara. A carta estava errada. A briga nem deveria existir — mas aconteceu. Ainda valeu a pena, e ficou tudo bem no final. Temos dois atos de Amor e é mais ou menos assim que eu imagino que o Kojima se relacionou com MGS, pode até ter sido diferente mas eu gosto do clique que aconteceu quando eu lembrei daquela vez que matei aula pra levar uma cartinha de amor com um desenho japonês no fundo. Ops, não era essa que eu queria contar.

Um dia surgiu MGS4: eu não sei qual era a promessa e nem qual a história por trás pra chegar fazendo alguma metáfora com cartinhas de amor, também nunca fui atrás. Eu sei o que eu sei sobre MGS4. Desde aquele fim de semana que eu fui na locadora (!!!) pra tirar uns dois, três dias e jogar o Metal Gear Definitivo — era assim que eu imaginava e depois dessa da locadora eu continuei imaginando assim. Já tive algumas experiências com esse aqui e todas foram, bem, intensas de seu modo. Eu acho que gosto de MGS4. Na época, eu amei. Foi deslumbrante a experiência e eu realmente cheguei a bradar depois de algum tempinho quieto com a série: “METAL GEAR É A MELHOR COISA QUE TEM”. Clique.

MGS4 funciona por pura associação — toda hora ele quer que você tenha cliques mentais com coisas que aconteceram em Outros Tempos e vai fazer o possível pra esfregar na sua cara. Logo numa das primeiras cenas, se você estiver prestando atenção, haverá no canto superior da tela um botãozinho “x” pra apertar, assim, no meio da cena. É um tipo de flashback. Quando você aperta aparecerão imagens do momento citado ou personagem do jogo no passado. A partir daí, não importa o quão tortuoso seja o momento, você vai querer prestar atenção.

Lembra da Meryl? Não? Tudo bem, eu lembro pra você, só que você tem de lembrar de clicar na nossa memória.

Ela é nossa, certo? Nós conhecemos ela, passamos por esses momentos juntos, lembra? Que frustante ter de jogar isso na sua cara. Foi tão importante pra mim. Pra nós.

A primeira coisa que você faz depois de descobrir isso é bem clara : tratar como obrigação. Quem vai querer perder a imagem do controle de Playstation 1 que aparece numa certa parte? Ou Aquela Cena que acontece no MGS3? Clique. Clique. Clique.

Um de seus temas é A Bela e a Fera, já que o jogo adora esse contraste — enfrentar um chefe que com toda a certeza é A Fera, porém, descobrir que na verdade esse mesmo chefe já foi A Bela e agora você, que está velho, cansado e feio, é a Fera que vai destruir aquele pedacinho de beleza. Mas tudo bem, ela queria esse fim, eu tenho certeza. Depois de ouvir a mesma história só que com palavras diferentes (cinco vezes!), eu tenho muita certeza. Todas as cinco Belas e Feras Ao Mesmo Tempo são associações. Clique. Clique. Clique. Clique. Clique.

Essa concretização dos Cliques (meus cliques) é uma coisa bem comum no jogo. Transformar o abstrato, sensitivo em algo físico e tangível. Muita gente ponderou sobre o que aconteceria depois de MGS2 — falhando em abstrair o que é substancial e pegando só a parte material do jogo, o “canon”. Sem entrar nos méritos do que isso quantifica, uma hora aconteceu. O material (que não era, necessariamente, algo pra ser material) de MGS2 virou material. Agora faz parte da lore mesmo, pode procurar nos milhares de dados sobre os personagens e suas histórias que tem na internet, o que não falta é informação, seja ela irrelevante ou não. Então o jogo acaba sendo, em alguns níveis, um compilado de representações tangíveis do que era apenas temático em Metal Gear. Em algum momento, alguém em algum lugar pensou em dar o tiro pra apagar esse Meme da face da terra. Afinal ele é físico, não é imaginação e muito menos texto. Ele é o que é — aquela presença ali que se martiriza até o final por causa do Resultado Das Coisas. E isso talvez seja o que melhor resuma o jogo: um anseio por terminar tudo de uma vez, o último suspiro antes do fim e um grito de frustração.

Dá pra tirar algo de honesto daí, eu juro.

Entre os atos do jogo — após uma espera com o Snake fumando cigarrinho, ainda me lembro do Marlboro Blue Ice que eu fumei entre uma dessas sessões, uma vez — toca uma música curiosamente, talvez cuidadosamente nomeada de Love Theme. Eu gosto disso, porque ela é incompreensível (isso se você não sabe falar em hebraico) e na minha abstração do jogo ela nunca representou Amor. Eu gostava dela porque me fazia imaginar sempre alguém olhando para o Sol e então sentindo o clarão nos olhos. Isso podia ou não ter alguma coisa a ver com os capítulos todos se chamando “___ Sun”. Eu prefiro pensar que é porque o primeiro cenário do jogo já dá uma sensação de calor. Ela funciona melhor como tema do Amor, mesmo. Me faz lembrar das cartas de amor que a série Metal Gear Solid é, e também me fez lembrar de quando o jogo consegue ser honesto com o que ele quer passar — em momentos onde a expressão de Amor, seja ele paterno, materno ou até de relacionamento amoroso ficam bem claras. São todas bem intensas e pessoais, ao invés de parecer mais um clique para eu apertar x. Uma delas nem tem o clique, você sabe que vai vir assim que os dois velhinhos se levantam pra lutar, também por Amor. Amor por um fim, seja ele qual for. Pode até ser associativo — mas é por convivência com o que veio antes, não com alguém chegando em sua frente e mostrando todos os caminhos — por isso é belo. Você consegue um ato de extremo respeito só com um charuto sendo aceso (e quem sabe isso te deixe com vontade de também experimentar charuto). Clique.

Quando ele não é intenso e direto ao ponto, ele só parece frustado mesmo — não me estranha em ouvir o discurso de seguir a frente com a vida, agora acabou. Talvez nunca tenha sido necessário terminar, seria melhor deixar em aberto o que aconteceu, mas terminou de outro modo. É fácil sentir esses momentos “falta de vontade” — toda vez que acontece um briefing, as fases dos capítulos 3, 4 e 5 serem tão destoantes em qualidade das 1, 2 — as duas primeiras são o campo perfeito pra tudo o que o jogo oferece de novo, interagir com conflito, a octocamo — que permite que você mude sua camuflagem de acordo com o ambiente que você entra em contato: encoste por um tempo numa parede e sua camuflagem vai virar O Próprio Ambiente. É tudo muito intenso e orquestrado para funcionar assim. As outras três no entanto são o exato oposto disso, eu tenho dificuldade em crer que sequer são do mesmo jogo. O ato 4, por exemplo, tenta usar o Clique a seu favor, sendo uma versão megalomaníaca da associação e esquece de fazer o que era melhor nos dois primeiros: usar as situações que o ambiente pode causar a favor de tudo o que o jogo oferece — em questão de experimentação com mecânica, de cada momento ser um parque pra você usar tudo o que está disponível ali e, quem sabe, passar despercebido. Chega a ser contraditório existir projeções tão destoantes no mesmo jogo. Uma bela, a outra a fera. Clique.

Apesar de tudo, eu disse que amei MGS4. Porém eu também olhei ele em retrospecto, várias e várias vezes, e devo ter odiado em algumas dessas vezes. Hoje eu gosto dele, até. Me vejo sentado apreciando cada um daqueles momentos que me fizeram ter o melhor dos Cliques (não o de apertar botão [só alguns]) e conseguindo ter algum respeito pela obra — afinal ela também é uma carta de amor, só não uma carta que aconteceu Durante O Amor ou Depois Da Briga, e sim uma pra acabar tudo. Afinal, Snake, viva sua vida, esqueça tudo isso, aproveite o que você tem sobrando. Já acabou.

Clique.

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