Mighty No. 9

Roberto Rezende
Juiz Cachorro
Published in
7 min readJun 24, 2016

Quando os princípios de Mega Man foram concebidos, o controle para o qual ele foi projetado era uma limitação a ser considerada. Com seis possíveis fases iniciais e um controle com dois botões, havia um desafio para se criar o SUPER FIGHTING ROBOT de forma intuitiva para quaisquer possibilidades de introdução ao jogo. A solução, agora óbvia, foi dar a cada um dos botões do NES uma função própria e distinta: um deles faria o papel de mover o personagem e o outro seria o botão para atacar. Jump and shoot. A sinergia destas duas ações com os direcionais tornavam Mega Man um personagem capaz de alta mobilidade e poder de ataque e, ao longo das séries clássica, X, Zero e ZX, este princípio marca bem o que é um “personagem Mega Man”.

Top Spin

Ao longo dos lançamentos da franquia, o processo evolutivo do personagem consistia exatamente em evoluir pontualmente o “jump” ou o “shoot” para dar mais graus de liberdade a interação do personagem. O tiro carregado, Rush e a rasteira, introduzidos na série clássica, são exemplos disso, mas talvez o mais conhecido seja o dash, introduzido em Mega Man X como upgrade, que embora ganhe um botão especial para si, pode ser aplicado com os mesmos botões de um controle de NES, ao apertar-se duas vezes para frente. Todavia, desde pelo menos Mega Man 3, existem tentativas de misturar o “jump” e o “shoot” em uma única ação, a exemplo das armas adquiridas ao vencermos Top Man em Mega Man 3 e Charge Man em Mega Man 5, que geram upgrades no pulo e na rasteira, respectivamente.

Ryuenjin

Em Mega Man X4, este princípio é levado a um novo nível com a introdução de Zero como um personagem jogável. Embora possua óbvias diferenças em relação a X, Zero segue os mesmos princípios de jump and shoot que tornam um jogo Mega Man o que ele é, apenas com uma variação de poder e alcance. O Zero de Mega Man X4 também é uma evolução mais orgânica de personagem, haja vista que ele possui upgrades nas formas com as quais ele é capaz de executar o “jump” e o “shoot”. O pulo->dash, obtido por X com o upgrade da perna, por exemplo, é a técnica Hienkyaku, adquirida por Zero ao vencer Jet Stingray. Entretanto, a vontade de misturar “jump” e “shoot” está presente nas técnicas de Zero também, com o Ryuenjin de Magmard Dragoon, Kuuenzan de Split Mushroom, Shippuuga de Slash Beastleo e Hyouretsuzan de Frost Kibatodos.

Em Mega Man X6, relevante citar, um conceito de punição por não buscar a orb do inimigo foi introduzida, de forma a forçar o jogador a se aproximar do alvo após derrotá-lo. Por seu caráter mais punitivo do que recompensador, acabava por tirar o ritmo do jogo das mãos do jogador.

Saindo um pouco de Mega Man e entrando em Onimusha, outro jogo da Capcom com participação direta do Inafune, um dos princípios que o regem é a absorção da energia dos inimigos como forma de dar mais poder ao personagem principal. Onimusha, conforme comentado por Inafune em entrevistas, serve de grande inspiração para Mighty No. 9 por conta deste princípio, talvez de forma tão forte quanto Mega Man.

Isso tudo é bem importante para entender porque Mighty No. 9 não é um Mega Man e, ao contrário do esperado por boa parte do público, nunca se propôs a ser. Ele é o resultado de uma busca já existente ao longo de décadas de evolução dentro da franquia de se unificar as ações de “jump” e “shoot” — mobilidade e ataque — em uma coisa só, e isso faz toda diferença para a forma com a qual o jogo propõe-se a ser jogado. O dash, mais do que um grau de mobilidade, é nossa principal ferramenta de ataque e mobilidade, sendo o pulo uma ferramenta auxiliar de alcance e o tiro uma ferramenta para tornar o ataque do dash efetivo. O ritmo do jogo se dá em como usamos melhor essas duas ferramentas como auxiliares para o melhor dash, e em como usar bem o dash torna mobilidade e tiro mais efetivos para que possamos usar melhor tal dash, entrando em um ciclo de eficiência enquanto se joga, resumido pelo próprio jogo em um sistema de score. Quanto mais fundo entramos nesse ciclo, maior a nossa nota e, mais que isso, mais fluida é a forma com a qual sentimos o esquema. Isso explica, por exemplo, a decisão pouco entendida de tornar o dash infinito, algo que poderia ser um tanto apelão sem uma construção correta de level design.

Level design, diga-se, um dos mais coesos já feitos em um jogo do Inafune até então. Trabalhando fortemente os fatores risco/recompensa, os inimigos são posicionados de modo a aproveitar melhor a absorção do Xel que garante mais ataque, defesa e velocidade para tornar obstáculos mais fáceis de passar e inimigos. A fase da Mighty No. 3, Dyna, tem um trecho que isso fica bem claro. Nós podemos passar pelo primeiro macaco sem derrotá-lo, mas isso impede a premiação com o boost de ataque, tornando a eliminação dos dois inimigos seguintes mais lenta. Estes inimigos também podem ser pulados, mas o Xel que eles fornecem — que nos recompensa eventualmente com um “tanque de energia” — não seria absorvido. Logo depois, uma nova seção com disposição de Xel semelhante aparece, mas com um espaço menor para escapar sem atacar e, portanto, mais punitivo para o jogador. Esta construção é o level design de Mighty No. 9, um jogo feito para ser jogado em um ritmo acelerado e que envolve riscos e prêmios de forma mais moderna e aceitável para o público atual que um Mega Man clássico, por exemplo.

A listagem das fases dos oito chefes trazem em si novidades que só poderiam ser melhor aproveitadas com as mecânicas de Beck. A fase do Aviator, o Mighty No. 6, é a primeira fase de progressão estritamente vertical desde provavelmente Elec Man em Mega Man 1, algo que foi tentado diversas vezes e nem em Mega Man X (com Boomer Kuwanger) foi atingido. Este tipo de interação foi possível apenas graças ao dash de Beck e a forma com a qual ele interage com o vento. Você pode dizer que bastava fazer a mesma interação com o dash de X, mas a limitação de um dash por pulo deveria ser quebrada, o que quebraria todo o resto do jogo.

Exemplo de trecho no qual correr para manter o Xel pode ser recompensador em Military Base.

A fase de Countershade, o Mighty No. 8, em especial, contém algo pouco visto em jogos de plataforma 2D. A sua progressão não consiste em ir do ponto A até o ponto B, mas em perseguir o chefe pelas salas da fase até causar dano suficiente para ir para a luta final. Menos original que isso, mas criando outra variação na forma de jogo, é a fase da Prisão, na qual controlamos Call, e o design da fase passa a subverter toda a ideia de ir para cima dos inimigos por uma ideia de fugir deles por falta de capacidade de derrotá-los, devido a ausência de dash. Este e diversos outros exemplos (a exceção da horrorosa fase 7, uma das piores fases de plataforma que já tive a oportunidade de jogar) me fazem perguntar o que de tão ruim foi visto no level design de Mighty No. 9, já que, em geral, limitaram-se a apenas usar o termo.

Talvez tenha sido por causa da estética horrorosa do jogo todo. E com estética, não me refiro apenas a ser feio, mas de não servir ao design do jogo mesmo. Tudo parece ter sido feito com o objetivo de agradar crianças, que nunca foram o público alvo do Kickstarter, e as batalhas importantes tornam-se anticlimáticas por conta disso. Por várias vezes é difícil ver se o inimigo está no fundo do cenário ou na sua frente e é normal a câmera não servir ao propósito, a exemplo de trechos onde fica impossível saber se podemos cair ou não sem saber se haverá espinhos porque a tela está com o zoom muito aproximado. Boa parte dos problemas da fase de Brandish, o Mighty No. 7, derivam do excesso de “saltos de fé” que somos obrigados a dar por total falta de informação concreta.

No fim, Mighty No. 9 é um jogo que se torna bem apreciável se você for capaz de abrir as concessões estéticas necessárias, o que apenas por ser necessário é um demérito grande. Apesar de ele não ser um Mega Man, seu ritmo macro de introdução — oito chefes com armas — fases finais — último chefe irritante que exige repetição em massa vai lembrar muito a franquia, embora mesmo aqui hajam diferenças, como a ajuda dos chefes dentro das fases após você derrotá-los, algo menos orgânico do que o que foi feito Mega Man X. Mas, convenhamos, poucas coisas neste mundo podem ser comparadas a Mega Man X.

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