A Primavera em 5 Filmes

Patrícia Lírio
Jump Cuts
Published in
6 min readMay 11, 2016

A chegada da primavera representa muitas coisas.

Por exemplo, sabe-se que os animais ficam loucos, que as flores desabrocham para serem fecundadas, que as abelhas vão voando de flor em flor à procura do pólen ideal, e que o amor anda no ar. Mas ou se adora, ou se detesta. Há quem se sinta inspirado pelas flores a desabrochar, a vinda das andorinhas, o coito entre animais de todas as espécies e as cores bonitas, e depois há quem gaste mais em lenços de papel do que em comida e espirre mais do que respire. Não quero entrar em psicanálise, mas acho que é por causa desta minha relação problemática com a primavera que esta minha lista em sua “homenagem” é tão discrepante e penosa.

Sem qualquer tipo de ordem especial, falo sobre alguns filmes que considero representarem a primavera, quer seja de uma forma pessimista ou especial, e que acho que todos deviam ver e rever.

1. KIDS (1995)

Diz-se que a adolescência é a primavera da vida, mas este filme não podia estar mais afastado do cânone primaveril de felicidade e perseverança. No entanto, o que caracteriza o início da primavera não são rosas nem passarinhos, mas sim o nascimento de algo novo, a evolução e a imaturidade, e ao mesmo tempo o seu contrário.

Nesse aspecto, Larry Clark acerta em cheio e traz-nos um conto de fadas sem fadas, um poço sem fundo onde nos sentimos desesperados em vez de apaixonados, e onde somos inúteis. Seguimos um grupo inconsciente de adolescentes através da sua própria primavera da vida, por entre as suas conquistas sexuais e as suas aventuras com a droga e a bebida, e principalmente a sua posição imatura e inconsciente sobre o mundo e os seus significados.

Kids obriga-nos a acordar para uma realidade crua, onde os miúdos cometem erros mas não os enfrentam e estão mais do que prontos para repeti-los no dia seguinte; conta-nos como podemos ser vazios de objectivos, de consciência e de esperança, sem nos iludir com esperanças ou finais felizes. Tal como a vida.

2. O LABIRINTO DO FAUNO (2006)

Num registo mais detalhado e cheio de fantasia, eis uma ode à maturidade. Enquanto Kids nos mostrava uma rua sem saída, Labirinto do Fauno mostra-nos que existe um caminho (mais ou menos) seguro e uma maturidade próspera ao fundo do túnel, típica de finais de primavera. Vindo da mente fantasiosa de Guillermo del Toro, ver este filme é como que assistir a uma flor desabrochar da sua própria ingenuidade.

A nossa protagonista, Ofelia, vive num mundo cinzento onde não tem poder e onde é completamente incompreendida. As tarefas que precisa completar por ordem do Fauno são testes de determinação e concentração, que por um lado servem para testar a sua imaginação, e por outro para desenvolver a sua maturidade (isto também acontece, por exemplo, em A Viagem de Chihiro (2001)). Mesmo nos momentos mais duros e assustadores, são a sua vontade e a sua fantasia que a ajudam a alcançar os seus objectivos. Isto é esperança.

Existem poucos filmes como este, que consigam retratar o fado e o destino de um rebento desta forma, ao mesmo tempo que nos dão a conhecer uma história com tal significado e empatia. Labirinto do Fauno transporta-nos para a nossa própria infância, para as alegrias e tragédias dessa época da nossa vida.

3. I’M A CYBORG BUT THAT’S OK (2006)

Primavera é sinal de amor, para muitos. É um momento em que o sol começa a aparecer, os cheiros são mais convidativos e as feromonas que se passeiam pelo ar são responsáveis por todos os nascimentos do primeiro trimestre do ano seguinte. Com esta minha referência em mente, encontro neste filme de Park Chan-wook um ambiente perfeito que representa de forma impecável todas as aventuras e desventuras de um amor puro e limpo de primavera.

O contexto manicómico que rodeia as nossas personagens ajuda-nos a entender um lado mais senil do próprio amor e de tudo aquilo que se consegue fazer para ajudar aqueles que amamos. Para os mais sonhadores, a vinda da primavera significa apaixonarmo-nos por coisas novas ou pelas mesmas de sempre, mas existe sempre a esperança de que o nosso futuro nos vai sorrir. Neste caso, o sorriso é maior do que mil arranha-céus.

A conexão com esta estação do ano, em I’m a Cyborg But That’s Ok, não é apenas simbólica, já que a primavera sente-se e quase que se cheira no decorrer de todo o filme, por isso é ver e apaixonar-se pelo próprio amor.

4. SPRING BREAKERS (2012)

Muitos dizem que Kids e Spring Breakers são filmes irmãos, um dos 90s e outro dos 2010s. A ligação é mais do que evidente e até bastante previsível, não tivesse sido Harmony Korine o argumentista de ambos. Mais do que sobre amadurecimento, este filme fala sobre responsabilidade. Erro atrás de erro, as protagonistas vão vivenciando todas as experiências que desejam, à velocidade que bem entendem, da forma que mais lhes convém sem consequências nem tomadas de responsabilidade.

Estas adolescentes são retratadas de uma forma completamente distinta do que os de Kids: estas têm personalidade (embora vazia), e são diferentes não só entre si mas no próprio mundo que as rodeia. Isso, claro está, tem consequências directas durante o seu percurso pelo desabrochar e é isso que nos prende. Nem sempre uma flor desabrocha para um mundo justo e belo, por isso por que havia isso de acontecer com estas miúdas?

Num dos filmes mais controversos da filmografia de Korine, maioritariamente pelo seu elenco, Spring Breakers é uma espécie de videoclipe com sentimento, onde as carcaças que se mexem e dizem frases podiam ser qualquer um de nós, o espectador sonhador e ansioso por aquilo que a vida tem para lhe oferecer.

5. BLUE SPRING (2001)

O epítome da primavera, a sinopse perfeita do espírito adolescente trágico em oitenta e poucos minutos. Diz-se que é nesta época que se fazem as limpezas gerais para nos preparamos para as aventuras do verão; em Blue Spring essa limpeza é quase literal, e o verão neste caso é a idade adulta. Num dos filmes japoneses com as personagens mais cool a que assisti, conta-se uma história de poder e submissão, onde assistimos à selecção natural das coisas e à lei do mais forte.

Numa escola secundária atípica, onde os professores são pendurados das janelas e onde o único adulto responsável parece ser um professor anão que planta algumas coisas, existe um grupo de adolescentes particular mas bastante familiar, onde quase todos os cânones estão representados mas se co-relacionam de forma espontânea. As diferenças de prioridades e a apatia adolescente acabam por se meter no caminho desta aparente grande história de amizade, e o grupo outrora intocável começa a desmoronar-se, em parte devido a um pequeno jogo de poder no telhado da escola.

Como cenário, temos as cerejeiras em flor e jovens com sonhos e aspirações, mas no fundo temos somente uma profetização do degredo da idade adulta. Se devido às humilhações que envolvem fezes ou à sombra constante das limosinas Yakuza que patrulham as redondezas à procura de novos recrutas, o que é certo é que para estes jovens não sobram boas esperanças, por isso mais vale aproveitar a primavera antes que ela nos desapareça das mãos.

Assim termino, com um dos meus filmes de eleição de sempre, mas e para vocês? Que outros filmes primaveris deviam ter feito parte desta lista?

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