CRÍTICA: À Procura de Dory, de Andrew Stanton

João Silva Santos
Jump Cuts
Published in
4 min readJun 28, 2016

Hollywood tem um grande problema de sequelas. A não ser que tenha “Marvel” no nome, o mais provável é falhar redondamente no box office, o investimento esfregado na lama pelas audiências que já estão fartas de ir ao cinema para ver uma cópia de uma cópia de uma cópia.

Ora, À Procura de Dory é uma cópia de uma cópia. Em tempos remotos, a Pixar era um paraíso de vozes originais e filmes de animação nunca antes vistos, uma catapulta altamente inventiva de cinema que entretanto se tem perdido na regurgitação pantanosa de sequelas atrás de sequelas. Há uns meses deu-nos Divertida-Mente(2015) e A Viagem de Arlo (2015), quase como desculpa adiantada pelos próximos anos, inundados por encores (Toy Story 4, Os Incríveis 2, Carros 4), à laia de banda que teima em voltar ao palco mesmo depois do público abandonar o recinto.

Estes filmes até podem vir a ser obras-primas em seu próprio direito, bem vistas as coisas, as duas sequelas de Toy Story são excelentes filmes independentemente da sua associação ao original. Apesar disso, continua a deixar um trago amargo o facto de estarmos a perder potenciais clássicos instantâneos como Monstros e Companhia (2001), ou WALL-E (2008) só porque o colossal estúdio de animação prefere jogar pelo seguro. Como audiências devíamos votar contra isso da única maneira que conseguimos — com a carteira. Mas não o fazemos.

Felizmente para nós, À Procura de Dory é um deleite.

Grande parte do charme desta sequela vem da possibilidade de voltarmos a partilhar novas aventuras com Dory, Nemo e Marlin. No entanto, ao contrário do que muitas das sequelas deste ano têm feito, À Procura de Dory esforça-se por introduzir novas personagens memoráveis, como Hank o “septópode” ou Destiny a tubarão-baleia.

Estes novos peixinhos pintam as orlas da narrativa com a aparência de originalidade, apesar do enredo ser basicamente uma cópia chapada do filme original. Porém, graças ao diálogo intenso e humano que os argumentistas da Pixar teimam em nunca descurar, À Procura de Dory sucede largamente em reintroduzir-nos a este mundo e a estas personagens sem nos aborrecer ou dar a impressão que está a repetir muito do que já foi dito.

Isto porque a viagem de Dory, apesar de tudo, é diferente em termos emocionais da aventura de Marlin e Nemo no filme anterior, pois centra-se em temas mais adultos como a saudade e a memória, conceitos que jogam com a nossa própria nostalgia pela primeira entrada neste agora franchise subaquático. É uma jogada inteligente por parte da Pixar, que desde cedo mostra não se orgulhar de À Procura da Dory como se orgulhou, por exemplo, de Up — Altamente! (2009).

Ao contrário de Up, À Procura de Dory não possui nenhuma sequência tão intrinsecamente cinemática como a sequência inicial do romance entre Carl e Ellie, ficando-se por cortes constantes a flashbacks preguiçosos (mas incrivelmente adoráveis), e montagens paralelas sem a pujança narrativa que outros filmes da Pixar já haviam demonstrado.

No entanto, À Procura de Dory consegue ultrapassar este síndrome de sequilitis ao focar-se na viagem emocional da sua protagonista e nas repercussões reais de certos estigmas que associamos a pessoas com problemas mentais. Porque Dory é uma verdadeira heroína (ainda mais do que Marlin ou Nemo na obra original): apesar de ser ajudada por uma miríade de animais marinhos, é ela sozinha que acaba por encontrar os seus pais (spoiler) e superar os seus defeitos, com a sua incrível força de vontade. Tirando uma ou outra linha de diálogo menos bem conseguida, a Pixar não nos enfia esta moral pela goela adentro, preferindo construir a personagem de Dory como uma verdadeira pessoa — ou peixe — que escolhe viver tão bem quanto o resto do mundo apesar dos seus problemas. É inspirador e, francamente, de derreter o coração.

Talvez por isso tenha saído do cinema feliz com o filme, sorriso de orelha a orelha como não esperava ter. Sim, À Procura de Dory sofre dos mesmos problemas que a restante enxurrada de sequelas de 2016, e não esperem que a Pixar volte a impressionar com uma terceira aventura neste franchise. Mas ao contrário desses vómitos mal disfarçados, Dory esforça-se por nos dar algo novo e emocionante, com o seu humor caracteristicamente familiar e com as suas personagens esquisitas e fora do comum.

Afinal de contas, basta nadar, basta nadar, basta nadar…

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