Crítica: John From e o coração de uma menina

João Silva Santos
Jump Cuts
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3 min readApr 12, 2016

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“Não há nada mais importante que o coração de uma menina”, disse à audiência o realizador João Nicolau antes da sessão de cinema começar, na sala do Passos Manuel. E realmente não há. Pelo menos em John From.

Em John From, seguimos Rita (Júlia Palha, espero que continues pela 7ª arte), uma rapariga com 15 anos que se apaixona pelo seu novo vizinho, mais velho que ela. Enquanto isso, o seu pacato verão em Telheiras torna-se mais e mais surreal.

Filmes coming-of-age são sempre muito complicados: muitas vezes são tão particulares à visão de quem os escreve/realiza que a audiência se sente alienada por essa intimidade; outra vezes são abrangentes demais para significarem o que quer que seja, a quem quer que seja. Perceber a faixa etária destes filmes é outro desafio: a história é para mim, adulto cada vez mais distante das minhas experiências adolescentes, ou para ti, jovem cheio de emoções à procura de algo com que se relacionar?

Por exemplo, o Montanha (2015) do João Salaviza é um filme que, apesar de sólido, provoca uma distância intransponível entre filme e audiência. Em retrospetiva, acho que a ausência de diálogo e os planos arrastados são mais um símbolo da soberba emocional do enredo (auto-imposta pelo próprio realizador) do que uma escolha propositadamente artística. Certamente há quem se relacione a nível emocional com o filme, mas é um exemplo daquela veia de cinema coming-of-age demasiado íntima, demasiado particular a uma só pessoa para fazer sentido de uma forma mais generalizada.

É cinema como desabafo, nada mais.

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John From, por outro lado, emprega a mesma ausência de diálogos e o mesmo número de planos arrastados para nos oferecer algo completamente diferente. Enquanto uma festa adolescente em Montanha se passa com flashes de luz, cabeças a abanar e olhos fechados, uma festa em John From decorre por entre gargalhadas, encontros de casa de banho, candeeiros dançantes e comilanços à bruta.

Há uma energia jovial nesta última que percorre todo o filme, como se João Nicolau, já quarentão, estivesse a beber das suas memórias mais recônditas para nos contar algo verdadeiramente genuíno. Destacam-se vários pormenores narrativos que não encontramos em extravasamentos de Hollywood: Ipods como oráculos divinos; alcunhas que as personagens principais partilham, mas que são incompreensíveis para o resto do mundo; elevadores como pombos correio… Tudo isto torna o filme mais verdadeiro a nós mesmos, como audiência, e possibilita uma honestidade emocional que Montanha (e muitos outros, mais conceituados, e mais vistos filmes coming-of-age) simplesmente não consegue alcançar.

E ainda bem que o faz, porque a última parte de John From é surrealismo puro. Há quem compare a mistura de “documentário” com ficção de John From ao cinema de Miguel Gomes, mas para mim essa comparação não faz sentido. Nicolau é outra besta completamente diferente: ele cria um mundo idiossincrático e adolescente, baseado na nossa própria realidade, e depois disso destrói-o de cima abaixo em trips pop de surrealismo pesado. Palavras não fazem jus a toda a maluquice da segunda metade de John From, portanto fico-me por aqui.

Nicolau consegue transformar um enredo muito banal, em que praticamente nada acontece, numa fábula encantadora de maturidade adolescente. O filme respira aquela preguiça (ou liberdade) característica do Verão Português sem se tornar saudosista, ou masturbatória. As cores evocativas, o nevoeiro acidental, a banda sonora esquizofrénica; John From é uma simples maravilha que, infelizmente, muito pouca gente teve o prazer de ver.

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