Crítica: Joy, um deprimente esforço de JLaw

Ana Rita Costa
Jump Cuts
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5 min readJan 23, 2016

A primeira coisa a destacar acerca de Joy, deixem-me dizer-vos: não é assim tão mau. O que não quer dizer que seja bom. Mas, antes de divagar acerca da classificação “não é assim tão mau”, há algo que devem saber acerca da humilde entusiasta da 7ª arte prestes a divagar. Sou uma resistente certificada a qualquer coisa vinda do imaginário de David O. Russell. Resistente de tal forma que faço questão de ver todos os filmes que o homem se lembra de partilhar com o mundo só para ter a certeza de que são sobrevalorizados.

Joy não vai ser o filme da vossa vida. Na verdade, vê-lo no cinema ou no sofá numa qualquer noite de Domingo terá pouco de diferente. Não é um portento da arte de produzir biopics, ou semibiopics (o que acharem mais adequado) e não é a epítome da arte de impingir o american dream a uma geração desesperada. É só mais um.

No entanto, a ideia por detrás do argumento é boa. Um ícone das televendas (e das esfregonas) americanas. Isso é uma tema irreverente o suficiente para garantir a Joy uma ou duas braçadas antes dum anunciado afogamento no pântano de glorificações de CEO’s de Silicon Valley em que vivemos.

Há pinceladas de um bom equilíbrio na narrativa central. Joy Mangano não é uma dona de cada miserável que tropeçou numa mina de ouro e virou instantaneamente modelo do sonho americano. A mina está lá, mas durante a maior parte do filme é mais do tipo antipessoal, e é essa luta que alimenta o que quer que tenha sobrado de bom em mais uma investida do duo Russell/ Lawrence (a não ser que já conheçam a história de vida de Mangano ou estejam habituados a finais felizes e, nesses casos, a culpa é vossa por se “autospoilarem”). Essa é a vitória parcial da malta de Joy. Conseguir orientar a viagem da personagem principal duma forma menos linear do que aquela a que estamos habituados. E a tentativa em tentar concretizar algo de diferente é sempre de louvar, mas, neste caso, fica só a valer pela intenção. No fundo, esse é o pecado capital da filmografia do menino bonito de Jennifer Lawrence. Todos (generalizemos) gostamos da ideia de um filme do David O. Russell, só não gostamos do filme propriamente dito.

É a execução que deixa a desejar. O argumento entranha-se tanto em si mesmo que perde toda a força; acaba irritante e desnecessário. Não chega a história de Joy. São os complexos da mãe, a excentricidade do ex-marido, a inocência da filha, os sonhos da avó, os desvios da meia-irmã, os desequilíbrios do pai e da namorada do pai e da ex-mulher do pai… Depois há o canalizador e o Bradley Cooper e um musical e…e… Numa espiral sem fim, que até podia parecer uma tática original de contar qualquer coisa, mas apenas se anula em si mesma.

O que vale é que o filme ainda tem os seus momentos. Há sequências OK, pensem na linha de montagem das esfregonas e em todo o processo das televendas ou naquele pormenor da neve na montra no final, que nos engodam a pensar que isto ainda tem salvação e quase compensam aquela dose inicial de feminismo completamente despropositada.

Elenco. Sim, eu sei que estão à espera de alguma coisa sobre atores. É a altura ideal do ano para falar disso. Em primeiro lugar, o que é que aconteceu à carreira do Robert DeNiro? Será que está condenado a ser personagem secundária de O. Russell (OK, já me calei) ou a emprestar o nome a comédias de encher programação?

Não sei até que ponto a inclusão de Bradley Cooper neste trio maravilha já não atingiu o estatuto de piada. Forçar mais uma personagem seria um feito extraordinário. Aquela lição sobre televendas em monólogo foi de levar a audiência às lágrimas e, com certeza, não haveria nada melhor com que a enquadrar do que a cara de Cooper. Podia jurar que esse excerto demorou pelo menos um terço do filme.

Jennifer Lawrence, a menina dos olhos dos americanos. Comentários ofensivos a jornalistas à parte, ela bem que tenta salvar isto. Mais um esforço de louvar, que fica a valer sobretudo pela intenção.

Deixem que vos diga que também não acho a Jennifer Lawrence um génio nunca antes visto da representação, nem acho que ela esteja no pico da sua carreira ou de qualquer outra carreira aos 25 anos e, não, também não acho que ela tenha merecido aquele Oscar. Este é o meu segundo e último aparte, prometo.

Dito/escrito, isto, admito que também não gosto de ficar a dever nada a ninguém e não tenho problemas em olhar com bons olhos toda e qualquer prova de talento que a Jennifer Lawrence se digne a partilhar com o planeta. Nesse sentido, sim, JLaw faz um trabalho sólido. Digno de Globos de Ouro? Isso fica sobretudo nas mãos da competição. Se não há papéis melhores, porque não? Lawrence consegue com uma alguma mestria puxar o público para Joy Mangano. O revezamento entre sonhos e fracassos deixam-nos a torcer por ela o filme todo e, em última instância, é, provavelmente, a única coisa que nos prende à tela tempo suficiente para não passar pelas brasas.

Mérito de argumentistas e equipa em parte, certamente, mas, sobretudo, mérito da atriz. Não que ela se assemelhe assim tanto a Joy Mangano e traga todos os maneirismos na ponta da língua. A vantagem de Jennifer Lawrence está na forma como se despe de artifícios artísticos dispensáveis e chega humildemente ao público. É por perceber esse mesmo público que é capaz de desenhar uma reação, um passo ou um sorriso que encaixariam até em coisa nenhuma. E, nesse sentido, talvez a atriz que conta uma e outra vez o quanto deve ao seu realizador o tenha ultrapassado. Talvez, Jennifer Lawrence se tenha tornado demasiado boa para os filmes de David O. Russell. Ou, talvez seja só delírio meu.

Só os próximos filmes o podem ditar.

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Ana Rita Costa
Jump Cuts

Full time Storyteller and Dream Maker, part time Genius. Also, extremely Modest.