CRÍTICA: Warcraft, de Duncan Jones

Uma trapalhada ambiciosa — como tudo na vida.

João Silva Santos
Jump Cuts
4 min readJun 15, 2016

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Muitos são os filmes que te deixam satisfeito quando sais do cinema: é quase como lavar o carro, entras, sais, está feito, muito bem. Ainda mais são aqueles que te dão um chuto nos tomates de tão horríveis que são: o carro sai da lavagem e ainda vês nódoas por todo o lado, porque é que gastaste dinheiro sequer? Mas poucos são aqueles que te deixam num limbo confuso entre o desapontado e o ansioso — por mais, e por mais e por mais.

Warcraft é um desses filmes.

Em Warcraft, o reino pacífico de Azeroth é invadido por orcs, que fogem do seu planeta moribundo devido a uma magia negra, a Fel. Um portal liga os dois mundos, forçando o exército de humanos a deparar-se com a destruição da sua terra, e o exército de orcs com a extinção da sua raça. Recai nos ombros de dois heróis de ambas as fações o destino do seu planeta, da sua raça, e da sua família.

Durotan, o herói do lado dos orcs, é protagonizado por Toby Kebbell (afamado por outros papéis de motion capture como em Planeta dos Macacos: A Revolta (2014)), numa interpretação que puxa todos os nossos cordelinhos emocionais com primor. Já Anduin Lothar (Travis Fimmel, o Ragnar Lothbrok de Vikings) precisava de mais tempo do que lhe é dado para desenvolver uma relação emocional com a audiência, que acaba por ser inexistente.

Durotan é uma criação CGI sem par. As novas tecnologias de captura de expressões faciais permitem a Kebbell transmitir uma nuance nunca antes vista no grande ecrã — nem os filmes da Pixar conseguem representar com as suas personagens animadas a profundidade emocional de Durotan. No entanto — e apesar de ser um dos protagonistas — , o tempo que passamos com este orc sabe a pouco, explorado com uma intimidade impressionável para uma raça alienígena que estamos acostumados a ver como nada mais que um vilão sem personalidade. Durotan é sem dúvida a highlight do filme, e o pináculo técnico e narrativo de Warcraft.

Lothar, por outro lado, prova-se o típico herói deste tipo de histórias de fantasia: graçola para aqui e para acolá, manobras de coolness extrema durante os combates, e um charme com as meninas de cair para o lado. Fimmel faz o melhor com o que lhe é dado, e domina o ecrã nos momentos de maior tragédia, mas há algo na escrita que cai em falso. Sente-se que havia mais história para aquela personagem que se ficou pela sala de montagem, pelo que o arco narrativo de Lothar prova-se incompleto e genérico para a audiência, que é melhor servida com a exploração intrincada de Durotan e da sua família de orcs.

De facto, as duas horas de duração de Warcraft parecem extremamente truncadas: saltamos de localização para localização, de personagem para personagem, com cortes pouco convincentes, alterações musicais amadoras e com um malabarismo narrativo pouco comum a Duncan Jones. Em Moon (2009), o realizador britânico havia demonstrado uma habilidade inata em gerir o tom meio cómico/meio dramático do seu enredo, e em O Código Base (2011) dominou completamente o ritmo da narrativa, movendo todas as peças do filme a uma velocidade desenfreada que deixava a audiência constantemente boquiaberta e nunca desatenta.

Infelizmente, Warcraft parece ter sido trucidado neste sentido: há momentos em que o filme parece estar realizado para ser uma curta-metragem de quarenta e cinco minutos só sobre os orcs, outros em que quase alcança a genialidade de um épico de três horas sobre duas raças em conflito. Portanto é pena a sua presente duração — torna o enredo rápido de mais para imergir o espetador completamente no filme (nunca estamos o tempo suficiente numa localização para absorver todos os detalhes que Jones espalhou pelas diferentes cenas), mas comprido demais para não se tornar aborrecido sempre que estamos com a fação humana.

No fim, é complicado reconciliar estes dois lados de Warcraft: o épico original que em partes nos é prometido, e a trapalhada ambiciosa que acaba por ser. Por um lado, tem demasiadas personagens, demasiado diálogo expositivo, e algumas interpretações simplesmente abomináveis, como o King Llane de Dominc Cooper. Por outro, a ambição de Jones suga-nos com a sua soundtrack assombrosa, os seus efeitos especiais literalmente de outro mundo (com uma inclinação para a magia positivamente bizarra que raramente se vê no cinema), e com o seu respeito pelo mundo e pelas personagens que poucas adaptações se dignam a ter.

Warcarft está longe de ser um bom filme. Mesmo assim, deixa-nos a salivar por mais, e por mais, e por mais. A ver.

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