CURTAS 2015 IN REVIEW: Maria do Mar

João Silva Santos
Jump Cuts
Published in
3 min readJul 28, 2015
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Maria do Mar, a mais recente curta-metragem de João Rosas (cujo trailer podem ver aqui), foi a vencedora da Competição Nacional do Curtas Vila do Conde. Quando a vi, na altura encolhi os ombros: sim, ri-me durante aquela leve meia hora, mas o que é que trouxe para casa? Um meio sorriso, não convencido dos aplausos que o haviam originado?

Sabia, no entanto, que a honestidade de Rosas, o realizador e argumentista, me tinha deslumbrado. O festival de Vila do Conde pode ser uma experiência energizante, mas num panorama nacional repleto das mais impenetráveis curtas metragens, Maria do Mar foi uma bem-vinda lufada de ar fresco.

O filme é uma comédia adolescente que coloca um grupo de amigos (resgatados da curta anterior do realizador, Entrecampos (2012)) numa casa rural em Sintra para um encontro de Verão. Nicolau, um rapaz de 14 anos, é a personagem principal, e é através dos olhos dele que a narrativa se desenrola. Os convidados são todos mais velhos e na sua maioria masculinos: a atenção coletiva destas bestas sexuais repousa na recatada Maria do Mar, que prefere ler um livro à companhia agravante dos homens.

Rosas trabalha os seus atores como um amigo de longa data: nota-se um à vontade ímpar nas suas performances que nenhuma das outras curtas do festival conseguiu replicar. Esta humanidade presente nas personagens vem dos diálogos fluídos, que são atirados prosaicamente como a mais corriqueira das conversas. Não há a teatralidade que por vezes associamos a este tipo de produções, é tudo muito casual e até grosseiro; disparates verbais do dia-a-dia que conferem uma personalidade muito própria aos jovens.

Esta espontaneidade é complementada pelos enquadramentos certeiros do realizador, na sua maioria estáticos, pacientes, perfeitamente orquestrados e coreografados. Esperam que as personagens se coloquem no quadro de modo a criar uma cacofonia visual e sonora propícia às gags que tanto causaram furor na sala 1 do Teatro Municipal de Vila do Conde.

Mas por entre todas as composições e piadas non-sequitur, foi o diálogo que Maria do Mar estabelece com o espetador que, horas depois de ter encolhido os ombros em indiferença, me tirou o sono. É verdade que filmes como O Guardador, do incansável Rodrigo Areias, ou Sobre El Cielo, do ex-vencedor Jorge Quintela, têm algo bem definido para dizer, subtextos aliados às imagens e sons que são produzidos para a audiência.

Infelizmente também são primos da escola opaca que um tal de Jean Luc-Godard tem vindo a perpetuar, donos de uma certa travessura intelectual que pretende provocar o espetador, mais do que o envolver na história que está a ser contada. Maria do Mar é o seu oposto: João Rosas não tem meias palavras para o que quer dizer, e o seu ideal de brincadeira recai na interação preciosa das personagens, que desenvolvem um núcleo emocional semelhante ao de uma noite com amigos em volta de uma acolhedora lareira.

Primeiro pensei que esta simplicidade retirasse mérito à curta-metragem vencedora, mas de que outra forma é que uma situação tão voyeurista como a de um rapaz a espiar o corpo desnudo de uma mulher feita se poderia transformar em algo tão inocente e transitório, simbólico de um olhar ingenuamente efémero?

Maria do Mar não é leve: é envolvente. É divertido, mas não é por isso que deixa de contar uma história sensível sobre o período carefree que é o da juventude. Tem personagens memoráveis, boas piadas, e um coração enorme. Invejo os sortudos que o vão poder (re)ver no festival de Locarno, daqui a nada aí à porta.

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