FRIGHT FRIDAY #2

D | E

Patrícia Lírio
Jump Cuts
4 min readJun 10, 2016

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Existe uma certa tendência em menosprezar aqueles filmes de terror que não são propriamente assustadores. Esta não é uma atitude recente, oriunda dos anos ’90 quando este cinema deixou de ser um nicho para adolescentes, porque os que tinham crescido nos anos ’80 já eram adultos, e continuavam ainda a ver filmes de terror.

Por consequência, esse público acabou por não se dar bem com as extensas séries de filmes como Scream (1996) ou Sei o Que Fizeste no Verão Passado (1997), e criou-se a ideia de que tudo era, por norma, uma desilusão. Perdeu-se a ideia de que um filme de terror precisa de ser aterrorizante em vez de assustador, e a falta de inovação nos enredos e nas fórmulas também acabou por contribuir significativamente para este fenómeno. É daí que nascem os clichés que todos conhecemos.

Os dois filmes de que falo para primeira metade deste mês são, definitivamente, bons exemplos disto: enquanto que um foi considerado o filme da década na sua altura e menosprezado pelas gerações seguintes por não ser assustador, o outro foi detestado pela sua geração e adorado pelas mais antigas. Os quase vinte e cinco anos que os separam colocam em evidência este assunto em particular: o que se espera de um filme destes hoje, e o que se esperava na adolescência dos nossos pais.

DESCENT, THE (2005)

Vender um filme como A Descida às pessoas que não o conhecem é uma tarefa complicada. Apesar disso, o enredo é bastante simples: um ano depois da morte do seu marido e da sua filha, as amigas de Sarah decidem tirar umas férias-terapia a explorar cavernas e grutas desconhecidas, mas acabam por ficar encurraladas; e claro, não estão sozinhas lá em baixo.

Um antigo professor meu repetia muitas vezes o ditado popular God is in the details, e isso é mais do que evidente neste caso, onde todo o enquadramento conta e até o mais ínfimo som agudo em terceiro plano arrepia a espinha; sem falar no seu rigor técnico e artístico de topo, claro. Quem não gostar de ver filmes com extrema atenção, não precisa de perder o seu tempo, mas para quem se delicia com os momentos mais preciosos, vejam-no.

A Descida acaba por nos ser familiar, até porque, como tantos outros, é também na sua recta final que os momentos mais marcantes acontecem e o filme sobe ao seu patamar mais elevado. A novidade é o elenco constituído apenas por personagens femininas, e a dinâmica disfuncional de um grupo íntimo de mulheres, com personalidades contrastantes; uma realidade tão próxima da nossa.

Para além da inteligência com que é executado, tem terror para todos os gostos: os jump scares são frescos, a atmosfera é sufocante, o gore é evidente, e o fim é um come-cacos. Sim, é um filme de monstros, mas se pensarem que as exceções confirmam as regras, vão perceber que A Descida é uma das melhores exceções ao vosso proveito.

No entanto, se sofrerem de claustrofobia, ansiedade e ataques de pânico, talvez não seja assim tão boa ideia quanto isso.

EVIL DEAD (1981)

É injusto para os outros filmes de que já falei e para os que irei falar no futuro, porque a parcialidade em relação a Evil Dead é mais do que evidente (basta olhar para o banner desta mesma rubrica).

Esta é uma entrada gigantesca no terror dos anos ‘80 pelo seu imenso arrojo técnico, como o Exorcista (1973) foi nos anos ‘70 pela sua inovação e popularidade. Evil Dead deu início a uma viagem substancial através da técnica num filme de género, e à priorização de uma boa realização em detrimento das grandes produções, indistinguíveis umas das outras. Sam Raimi consegue, com poucos meios, criar um ícone não só de uma geração, como de um género tão vasto quanto este. Fala-se de Halloween (1978) e de Sexta-feira 13 (1980), mas foi este o criador do cânone cabin in the woods.

Só que Evil Dead não foi feito para assustar. Percebemos que existe um intuito ligeiramente cómico no primeiro filme, confirmado em pleno pela sua sequela, e muita gente não compreende isso. O terror de Evil Dead, apesar de não ser assustador, vale pelo enredo traumático, pelo sobrenatural exagerado e, sobretudo, pelo gore impecável. Acho que é com esse mindset que Evil Dead devia fazer parte da vossa filmoteca mental. Não dizemos que um drama não presta só por não nos fazer chorar, então porque é que isso tem que acontecer neste tipo de cinema?

Existem, de facto, momentos assustadores e sequências brutais, mas a verdade é que a habituação ao novo cinema todo 1080p cheio de bons efeitos criou, por outro lado, uma desabituação ao rústico e ao DIY. É sempre injusto para ambas as partes quando se aconselha um filme com mais de vinte anos, porque existe a grande possibilidade de não corresponder às expectativas de ninguém por essa mesma razão.

Evil Dead é um mundo e uma cultura, e a sua legião de fãs e devotos poderá comprová-lo. Entretanto, qual seria para vocês uma melhor opção de fim-de-semana?

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