Inside Out e a mente humana

João Silva Santos
Jump Cuts
Published in
4 min readJun 29, 2015

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Até parece fácil. Isto é, a forma como a Pixar consegue criar mundos num par de minutos, como consegue estabelecer as personagens através de arquétipos mas sem os devolver ao cliché simplista, ou ainda como empurra a narrativa para os limites mais pesados da psicologia humana sem alienar o seu principal público: as crianças.

Porque efetivamente Inside Out é mais do que uma longa-metragem de animação infantil, mais que um aglomerado de pixeis a derrear por uma mentalidade amadurecida saída de um qualquer filme do Estúdio Ghibli. A Pixar sempre tem feito o que a crítica chama de filmes para adultos mascarados de filmes para criança, e por mais quebra-corações que a sequência inicial de Up! Altamente (2009) seja, ou por todo o moralismo ambiental de WALL-E (2008), nenhum é mais maduro que Inside Out.

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O filme passa-se, na sua maioria, dentro da cabeça de Riley, a nossa protagonista. Inside Out dá corpo e voz às suas emoções, representadas em Joy (Alegria), Sadness (Tristeza), Disgust (Repulsa), Fear (Medo) e Anger (Raiva). A forma como estas cinco facetas da personalidade de Riley interagem entre si é o que motiva a narrativa, em particular a dinâmica por oposição de Joy e Sadness.

É que Joy, desde o nascimento de Riley até ao momento em que a encontramos com 11 anos, sempre foi a emoção predominante. Ela mostra-nos prateleiras e prateleiras repletas de memórias coloridas de um dourado agradável, simbólico da felicidade que representam para Riley. Até agora, a sua vida tem-se marcado por este enérgico sentimento de tal forma que se sente obrigada a senti-lo em todas as situações, controlando as lágrimas e forçando-se a sorrir na pior das situações. Afinal de contas, se nos podemos sentir felizes, porque não o fazer?

Mas então Riley muda para outra cidade, perde os seus amigos, a sua equipa de hóquei e a sua grande e arrumada casa. Devia-se sentir triste, aborrecida, mas Joy controla de tal modo o seu espetro emocional que evita a todo o custo a formação de memórias coloridas por outras emoções, principalmente por aquelas azuis, oriundas da Sadness.

É aqui que Inside Out mostra as suas verdadeiras cores, e onde o filme perde qualquer pretexto de ser para os mais novos. Dentro da mente de Riley inicia-se uma luta contra o tempo quando esta entra em colapso nervoso, e nós como espetadores vamos observando as peripécias de Sadness e Joy com uma nota nostálgica de reconhecimento de certas situações pelas quais já passámos, e das próprias emoções que aí nos invadiram. Tal identificação é impossível para os mais novos porque, como Riley, ainda não passaram por momentos suficientes para os definir como pessoas, ou sequer para serem coloridos por uma nostalgia intrusiva.

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O que Inside Out nos pretende dizer a nós graúdos, é que não nos podemos pressionar a sentir o que quer que seja: o nosso corpo funciona através de um conjunto de variáveis biológicas que ainda nos são largamente desconhecidas, e afrontá-las é puro egocentrismo que resulta no agravamento do nosso estado de espírito.

Com efeito, ao passo que Joy é a emoção reinante em Riley, quando temos um vislumbre da mente do seu pai reparamos que é Anger a dominar os seus pensamentos, e Sadness na cabeça da sua mãe. Apesar do final esperançoso, este breve clarão de outras consciências torna o filme desolador, pois mostra-nos que, mais cedo ou mais tarde, todos sucumbimos a um traço psicológico que submerge o equilíbrio mental.

É esta noção que Inside Out pretende combater, e é um ideal tão complexo, tão intrinsecamente adulto, que não me permite ver o filme como direccionado para o público infantil. Aliás, devo dizer que já vi filmes da Pixar com mais cor, e com um design artístico mais robusto que o de Inside Out: há momentos algo desinspirados a nível da criação de cenários, outrora tão vibrantes e completamente empanturrados de objetos. A própria trilha sonora parece ter sido pensada em último lugar, funcionando de forma competente nos momentos de maior emoção mas que é, de outro modo, subordinada ao peso sufocante da narrativa.

Na verdade, Inside Out é o filme menos interessante, de um ponto de vista técnico, que a Pixar já lançou (com a excepção de uma curta sequência a meio de o filme, extremamente abstrata e nonsense, mas de pura originalidade). No entanto, é também aquele que traz de volta a energia narrativa tão característica de um Toy Story (1995), ou a temática arrebatadora de um Monstros e Companhia (2001).

Não se enganem: Inside Out é denso, comovente, duro. Tem pormenores visuais complicados de desempacotar com uma única visualização, e um final atipicamente ambíguo no que toca ao futuro das personagens. Mas deixem as crianças ver e sentir o filme; expliquem-lhes o que não perceberem e lembrem-se de que também é preciso chorar para desacelerar o ritmo estonteante desta vida oprimente.

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