CRÍTICA: Lights Out — Terror na Escuridão

O “monster movie” que até poderão querer ver.

Patrícia Lírio
Jump Cuts
5 min readJul 31, 2016

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Ter algum receio do escuro é uma condição que une muitos de nós e que, de alguma forma, nos torna humanos. Ainda assim, quando David e Lotta filmaram a curta-metragem Lights Out (2013) no seu simples apartamento, não tinham noção das repercussões que o seu pequeno filme iria ter na internet.

Nesse segmento de dois minutos, uma figura assustadora aproxima-se cada vez mais de uma mulher, avançando com o desligar das luzes e através de um corredor. Agora em tamanho grande, Lights Out (2016) chega às salas de cinema com o intuito de assustar e marcar os seus espectadores sem precedentes.

Vamos por partes.

Se há coisa que James Wan sabe fazer é produzir filmes. Está mais do que comprovado que os seus trabalhos de realização ficam muito acima da média do terror de Hollywood, mas o que ele faz mesmo muito bem é gastar dinheiro com outras histórias originais que de outra forma ficariam uma porcaria. Desta vez, decidiu proporcionar a David F. Sandberg a oportunidade de trabalhar na sua primeira longa-metragem, com o conceito que ele próprio criou. E esta fórmula tinha quase tudo para dar certo, não fosse mesmo esse o intuito, o de dar à luz algo bastante diferente do que já estamos habituados.

É verdade que gosto de cinema de terror, mas quase nunca as minhas intuições estão erradas, e isto não é de mim, é mesmo um dom que se cria nas pessoas com o passar dos anos e das experiências cinematográficas. No entanto, acho todo o conceito de Lights Out tão imprevisível que chega ao ridículo. Digo imprevisível porque 1) tem como base uma história bastante original e tão simples que nos faz pensar “por que raio não me lembrei disto antes??”, 2) está extremamente bem executado e parece fresco, 3) a banda sonora é incrível, mas 4) ainda assim consegue não chegar , ultrapassando toda a espécie de expectativas.

Sabem quando vêm um filme que tem tudo para dar certo mas “meh”?

No filme, Rebecca (Teresa Palmer), é uma rapariga que, para manter o seu irmão mais novo em segurança, precisa de enfrentar os seus maiores medos de infância; ao mesmo tempo, conhecemos Sophie (Maria Bello), a mãe com distúrbios mentais que de alguma forma parece falar sozinha nos corredores da sua casa escura com janelas tapadas; já Diana é uma espécie de espectro sobrenatural que vem de uma ideia genial, cuja tentativa de a humanizar aos olhos da audiência simplesmente não funciona.

Diana não se materializa na luz, somente na escuridão, e como temos muito mais medo do monstro do armário que não vemos do que aquilo que conhecemos, a partir do momento em que Diana nos é dada como humana e vemos as suas feições e motivações, tudo parece começar a desmoronar. Salva-lhe o bom trabalho de realização, o argumento rico em arrepios do início ao fim; mas pergunto-me para que servirá este tipo de filmes se não for para me assustar. Um filme de terror que não me tira o sono não pode ser um fantástico filme de terror.

Ainda assim, atenção, dou espaço nesta minha crítica para alguns pequenos pormenores deliciosos. O monstro não é vitimizado mas sim mau e ruim por natureza. Embora pareça à primeira vista que tentam martirizar Diana, logo depois percebemos que realmente a crueldade lhe é natural.

Raramente é retratado algum vilão que não tenha outrora sido boa pessoa com boas intenções, mas que por maldade de outros tenha sido tão traumatizado que virou para o lado mau. Neste caso, nota-se a preocupação em mostrar que Diana tinha sido genuinamente má em criança, e que o continua a ser, tornando-se assim na metáfora perfeita para os problemas mentais que assolam os doentes de patologias cerebrais como a depressão crónica, a bipolaridade, ou até mesmo distúrbio borderline. E essa metáfora é assumida, já que sabemos desde o primeiro momento que é Sophie a responsável pela manifestação de Diana, embora não o consiga controlar, e na minha opinião seria esse o caminho a explorar: não importaria como Diana se anexou a Sophie, mas sim o quão Sophie está presa e dependente de Diana.

Para além do retrato realístico das entidades maléficas que nos atormentam na realidade mental, um dos meus pormenores predilectos de Lights Out tem que ver com o uso inventivo e útil dos diversos tipos e formas de fontes de luz, já que esse é, sem dúvida, o elemento principal deste filme.

Uma das melhores cenas do filme mostra-nos Rebecca a acordar no seu T0, onde, através da luz intermitente de um estúdio de tatuagens no piso de baixo, Sandberg nos transporta para uma sequência de suspense penoso e mas gratificante, pouco vista em filmes de Hollywood. Contam-se as luzes negras, os disparos dos revólveres, luzes de sensor automático, espaços debaixo de camas, etc.; tudo se junta para um bom filme de experimentação e execução, que a meu ver perde todo o seu encanto pela Hollywoodização, pela necessidade da explicação e da justificação para as massas.

Concluindo e reagindo, Lights Out é um filme semi-ligeiro que sabe muito bem, com bastante suspense e muitas ideias novas e originais, mas que não fica connosco depois nem assola os nossos sonhos porque nos distrai com explicações e elementos que não nos fazem falta.

Fica para a próxima.

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