NARCOS: Plata, Plomo e Samba
A Netflix aposta no barão da droga columbiano, e sai a ganhar.
A Netflix não se poupou com Narcos e decidiu não poupar o espetador na mesma medida. Isto não é série de encher silêncios enquanto se passa os olhos por outros afazeres, não é trama que dispense a pausa e uma corridinha face aos caprichos da vossa bexiga. Narcos é uma daquelas séries para ver como deve ser, sem interferências, sem segundas intenções e sem desviar o olhar. Primeiro, porque é brutal.
Segundo, porque a percentagem da audiência que vai apanhar alguma coisa do vocabulário paisa sem legendas é reduzida. Terceiro, porque é brutal. Não sei se já escrevi isto, mas esta série é brutal. O ritmo que desbasta os primeiro minutos de Narcos é um perfeito festival de adrenalina, boas ideias, gestão genial e entusiasmo comovente de uma start up imaginária, ou então ilegal. É um daqueles raros prazeres da vida, enrolado com amor, aproveitado melhor com um grupo sossegado de amigos ou na solidão a meia luz da sala de estar.
Os anos vão passando e Wagner Moura é cada vez mais uma cara conhecida e reconfortante. Estão a ver aquele amigo que vos arrasta para festas em que não conhecem ninguém e passados dois minutos já vos abandonou para engatar uma miúda ou algo assim? Vocês ficam a olhar distraidamente para o telemóvel como se não estivessem só a inventar mensagens para parecerem ocupados, porque, novamente, não conhecem ninguém, mas acabaram de chegar.
O Wagner não é esse amigo. Esqueçam esse amigo. Esse amigo é uma porcaria. O Wagner Moura é a única outra pessoa que vocês conhecem, aquele que chega numa aura angelical envolta num hino coral, e vos cumprimenta ruidosamente com um híbrido entre um fist bump e um abraço. O Wagner Moura é aquele tipo que tem sempre uma história porreira para contar, tremendamente credível e nada pretensiosa. O Wagner Moura é o tal que toda a gente conhece mas nunca ouviste alguém criticar. O Wagner Moura é aquele gajo que cedeu um Globo de Ouro ao Jon Hamm, saiu para tomar um chope com o Matt Damon e aprendeu espanhol enquanto esperava pelo empregado. O Wagner Moura é fixe, devíamos ser todos um pouco mais como o Wagner Moura.
Francamente, eu sempre achei o paisa de Moura questionável. Nunca entendi realmente aqueles que lhe gabam o espanhol. Mas, ele verteria rios de atitude à la Pablo Escobar nem que fosse em português e, em última instância, isso arrebata qualquer descrente. Glorificar criminosos é a fórmula hollywoodesca contemporânea. Aqueles que não curtem canibais esbranquiçados, políticos assassinos e outros que tais simplesmente não são fixes. Metade do trabalho em glorificar Pablo Escobar já estava feito, ou bem mais de metade, o mito já é era mítico antes de alguém se lembrar de o mitificar no ecrã. E não deixou de o ser nem uma pontinha. Nós gostamos de Escobar. Não importa quantos empregados ele cobre de chumbo ou com quantas amantes se deita, aliás, importa, são acrescentos de espetacularidade. Nós gostamos dele à mesma, queremos ser como ele à mesma e planeamos mentalmente um gap year na Colômbia à mesma, nem que seja só para cavar à procura duns trocos. Isso é argumento, mas também é Moura. É a exploração intrincada do coração mole num homem implacável, do pai de família num criminoso sem escrúpulos. É um cliché trabalhado com gosto e não há nada de errado num bom cliché.
Boyd Holbrook chega-se como antagonista num cândido suporte ao nosso bandido preferido. Mas, se estamos a falar de favoritos, o espectáculo tem um nome e é Pedro Pascal. Do bom ao mau, passando pelo questionável, estes três chegavam para encher os olhos dos fanáticos Netflix.
Narcos é um portento do bom da televisão de hoje em dia. É uma série de imersão que ainda não vai gasta, é uma trama viciante, não fosse o programa tão arrebatadoramente fiel aos seus princípios, que desperta os sentidos e ao mesmo tempo conforta a alma. É a tal que se ainda não viram, omg, vão ver. Agora.
Que saudades de Narcos.
Narcos.