Nunca Gostei de Sozinho em Casa (1990)

A história da minha indiferença perante um dos maiores clássicos dos ‘90.

João Silva Santos
Jump Cuts
3 min readJun 26, 2016

--

Ocapítulo original da saga Sozinho em Casa é praticamente uma tradição natalícia por terras portuguesas, não é? Todos os anos passa o raio do filme numa das estações televisivas, a uma hora apropriadamente familiar, para que possamos comer o peru e/ou o bacalhau a rir às gargalhadas com a bandidagem de Kevin McCallister e companhia.

É uma tradição tão velha quanto eu que nós portugueses parecemos adorar, mas a verdade é que sempre tive uma enorme vontade de mudar de canal quando o filme passa na televisão. Ninguém da minha família entende o porquê, e o meu círculo de amigos olha-me de cima com desdém sempre que menciono que simplesmente não gosto de Sozinho em Casa.

“João, como assim, não gostas de Sozinho em Casa?! Toda a gente gosta de Sozinho em Casa!”

Nope.

Já em criança não suportava aquelas cenas musicais de Kevin a dançar na banheira, e a corrente de setups e payoffs ao longo do filme, por mais bem escritas que fossem, sempre me irritaram profundamente. Irritavam-me porque as armadilhas de Kevin estavam justificadas no enredo de uma forma quase mecânica; era possível sentir o engenho do argumentista por detrás delas, como se de uma força cósmica se tratasse.

As aventuras de Kevin contra os ladrões (sdds Joe Pesci, o único gajo no filme que me fazia rir) não se desenvolviam organicamente, trapaceira atrás de trapaceira, coincidência atrás de coincidência que mais pareciam fruto do acaso do que propriamente de uma narrativa com pés e cabeça. As ações de Kevin eram fruto de uma manipulação cinemática tão evidente que era-me impossível conseguir relacionar com aquelas situações.

Bem pensadas as coisas, talvez não fosse esse o principal objetivo de Sozinho em Casa. Afinal de contas, cá por casa o pessoal desmancha-se em gargalhadas toda a santa vez que o filme passa na TV, portanto quem sou eu para julgar?

Mesmo assim, Sozinho em Casa sempre me caiu em falso. Não reagia desta maneira a nenhum dos outros filmes familiares dos anos ’90. Jumanji (1995) era uma delícia de domingo à tarde, e entretanto Stuart Little (1999) tornou-se para mim o símbolo de uma infância que rapidamente desapareceu.

Estes filmes partilham de uma guerra de gerações que se dá em situações para além do fantástico: adultos que se esquecem do filho em casa no preciso dia em que dois ladrões a vão assaltar; crianças que descobrem um violento jogo que se torna realidade; um rapaz que tem como irmão um rato antropomórfico… A magia da infância pertence a estes filmes como unha e carne, fazem parte do seu ADN como poucos desde então conseguiram replicar (Hollywood há muito que abandonou a fórmula do cinema em família, graças à miríade de filmes de animação e de superheróis).

Mas aquilo que Jumanji e Stuart Little possuíam que Sozinho em Casa nunca almejou, era coração. A confusão caseira de Kevin podia despoletar adrenalina e até medo em alguns momentos, mas não significava nada para além disso: o filme era um poço oco de emoção. Quando os pais de Kevin voltavam no final do filme, preocupadíssimos com o seu filho abandonado, era-me complicado sentir alguma coisa porque Kevin continuava o mesmo. Não mudara, não perdera ou ganhara nada; depois de tanto perigo e caos, Kevin continuava o mesmo puto irritante do início do filme. Pior, os seus pais e família também não aprenderam a lição, e por isso é que ainda conseguiram ordenhar umas sequelas do franchise. Qual foi o propósito de tudo?

Acredito que haja algo de redentor em Sozinho em Casa que nunca consegui perceber, nem na minha inocência de criança. Infelizmente, já devo ser velho demais para chegar lá, mas peço que me ajudem a entender a paixão do mundo por este filme tão vazio de sentimentos. Ou, se preferirem, partilhem os filmes da vossa infância que mais odiavam, e juntem-se a mim neste desabafo egoísta.

É divertido, prometo.

--

--