O Som e a Fúria de Game of Thrones

AAH!! UHH! WOOF!! e outros grunhidos.

João Silva Santos
Jump Cuts
4 min readJun 23, 2016

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Battle of the Bastards é um episódio de Game of Thrones a transbordar de momentos memoráveis, mas não há nenhum com maior impacto emocional que o hastear das bandeiras Stark em Winterfell.

Após cinco temporadas a sofrer às mãos de bastardos (literal e figurativamente), a família nortenha finalmente encontra uma pausa no meio da carnificina de Westeros, saindo vitoriosa de uma das maiores batalhas da série. Ver a cabeça dos direwolf representada naquela majestosa bandeira vale mais que toda a peleja sanguinária.

Bem vistas as coisas, Ramsay, apesar de ser um inequívoco vilão (*), não é mais que uma nódoa pequena na tapeçaria narrativa de Game of Thrones; nada tem que ver com a traição dos Bolton (nessa altura limitou-se a torturar o Theon, para nosso deleite), e pouco está importado com a novela mexicana dos Lannisters, com a chegada dos White Walkers, ou com a Rainha dos Dragões que aí vem.

(*) Talvez o único vilão unidimensional de Game of Thrones, para o bem e para o mal. Joffrey, por exemplo, era caracterizado pelas personagens fortes que o circundavam (como Tyrion ou Margaery), tornando-se mais que uma caricatura desprezável do mal. Já Ramsay não passou disso: um poço maquiavélico de psicose e sadismo sem qualquer aspeto redentor ou textura distintiva.

De facto, o impacto de Ramsay no enredo de Game of Thrones é de tal forma reduzido que, por momentos, parece que tudo o que aconteceu desde a sua introdução não foi mais que um desvio narrativo para empatar tempo, enquanto personagens mais importantes andavam por Essos a pentear macacos.

Talvez seja por isso que a sua morte às mãos dos Stark saiba a tão pouco. Snow espanca-o à murraça, e Sansa oferece a sua cara laroca aos cães esfomeados que em tempos controlou, mas não sentimos muito mais que uma ligeira satisfação por finalmente ter chegado o inevitável. Isto porque a morte de Ramsay não tem o clique emocional da derrota de Stannis em Blackwater, nem chega aos calcanhares das perdas sofridas em Hardhome no ano passado; não, a morte de Ramsay parece uma pit stop inconsequente na corrida pelo Trono de Westeros. Estamos de volta a Winterfell, o Norte é novamente dos Stark, e Sansa cresceu imensamente como personagem (apesar de grande parte desse crescimento se ter dado ao lado de Tyrion e do abuso dos Lannisters). Fora isso, o que resta? O sorrisinho de Littlefinger a fazer o papel de Gandalf?

Portanto, ainda bem que Battle of the Bastards oferece espetáculo audiovisual com fartura.

A titular batalha surpreende ao subverter um típico confronto medieval, esfregando a nossa cara na lama enquanto centenas de guerreiros morrem no nosso ecrã. Não há cá conices de exército contra exército; meros minutos após o primeiro embate, o campo de batalha transforma-se num pântano de cadáveres amontoados indistinguíveis uns dos outros, destruindo qualquer ideia preconcebida do confronto.

Miguel Sapochnik, o maestro por detrás do episódio (que vá se lá saber porquê ainda não realizou nenhum filme para Hollywood — fica a dica), enche a sequência com pormenores arrebatadores e aleatoriamente específicos: um cavaleiro sem cabeça, uma montanha de corpos, torneios 1v1 de cabeçadas entre Tormund e Smalljon… Há tanto a acontecer em Battle of the Bastards, que é de louvar o quanto o episódio nos carrega pelos diferentes momentos do enredo, sem sucumbir aos clichés de uma qualquer imitação de O Senhor dos Anéis.

O prólogo em Meereen é giro e tal, despachando sem demoras a ameaça dos Masters com a chegada de Drogon e do gigante Khalasar de Daenaerys, mas perde-se entre despedidas e boas-vindas que parecem desconexas num episódio que respira unicamente a brutalidade visual e proficiência técnica da subsequente batalha. Apesar disso, a melhor linha de diálogo vem do encontro entre Dany e Yara. “I never demand, but I’m up for anything really.”

Encontros e reencontros — assim como ressurreições e regressos — constituem a temática central desta temporada, que cada vez mais se mostra adepta em atar nós à muito por atar, sem se esquecer de catapultar a intriga política, religiosa e sobrenatural para novas alturas.

De facto, no espaço de nove episódios, Game of Thrones passou de fantasia a (quase) ficção científica, aniquilou mais um par de aspirantes a reis, e colocou o patriarcado de Westeros e Essos de pernas para baixo sem piedade. Em Game of Thrones, as mulheres parecem ser o futuro, mais e mais preocupadas em deixar um legado positivo no mundo ao contrário dos seus pais, loucos e ambiciosos, misóginos e elitistas.

O próximo episódio (que vai durar mais de uma hora, avisa-se) tem ainda muita ponta solta para resolver, como o julgamento de Cersei, a viagem de Arya, ou o paradeiro de Bran (Bran!! Já sabes quem são os pais de Jon Snow?!), que desapareceu desde o seu reencontro com Benjen Stark há dois episódios atrás. Provavelmente não terá nenhuma sequência tão cheia de adrenalina quanto o confronto central de Battle of the Bastards, mas Game of Thrones sempre se mostrou uma série mais focada nas batalhas verbais das suas personagens do que na porrada propriamente dita, pelo que espera-se que o episódio final continue esta tradição.

Até lá, já podemos começar a contar o número de Emmys que esta temporada vai ganhar.

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