Paul Verhoeven e a Sexualidade

Patrícia Lírio
Jump Cuts
Published in
4 min readApr 27, 2016

Não sei se deva ser sincera ou diplomata com esta minha última análise ao cinema de Paul Verhoeven. Não sei se é suposto eu ser uma crítica ou uma espectadora, mas tenho a certeza de que jamais conseguirei ser imparcial.

Vemos filmes bons e filmes maus, e temos sempre uma opinião imediata sobre o que achámos e sobre o que sentimos, mas raramente voltamos atrás e tentamos ver certos filmes de uma perspectiva diferente. Dito isto, sei que é muito pouco provável que alguém que esteja a ler este artigo tenha visto Instinto Fatal (1992) mais do que uma vez, e ainda menos provável será quem tiver conseguido ver Showgirls (1995) até ao fim. Mas de uma forma intrigante e misteriosa, o primeiro foi o seu grande êxito comercial, e o segundo é um dos filmes mais analisados da sua filmografia. Ambos não podiam ser mencionados, na minha opinião, sem a presença do outro, mas acho os dois terríveis tirando um pequeno senão.

A fantasia move o homem e é através dela que fabricamos a imagem do mundo real nas nossas mentes, quer essas imagens sejam verdadeiras ou completamente falsas. Essa fantasia pode fazer-nos muito bem ou muito mal, e quando corre mal não temos por onde fugir, passamos a viver num mundo irreal e imaterial, onde aquilo que projectamos se transforma naquilo em que acreditamos. Ambos os filmes acabam por ser um hino a este problema, não fossem eles retratados como fantasias por si só, em que num a fantasia é ficção, e no outro ela é assustadoramente real.

Com histórias aparentemente simples, vemos uma série de elementos-chave para tentar compreender o cinema mais tardio de Verhoeven: a mulher, a sexualidade, o poder, a ilusão, a desilusão, a imaginação, a manipulação e, principalmente, o desejo. Não é de todo acidental o sucesso que Instinto Fatal teve com o público, mas a mulher, na minha opinião, não é usada como alvo nem como representação unilateral ou meramente sexual. A mulher é mostrada tanto como alvo como origem de fantasias e obsessões, fonte de erros e violações, e alguém com falhas de caráter que a torna heroína ou vilã consoante aquilo que retiramos dela.

Em Showgirls isso intensifica-se ainda mais, porque somos obrigados a lidar com aquelas mulheres nos seus sonhos e nas suas frustrações, nas suas conquistas e nos seus degredos. Não temos o que fazer se não mesmo ficar obcecados por elas. E é precisamente a obsessão que liga estes dois filmes.

A obsessão nunca é retratada como algo bom no decorrer da nossa vida. Quer seja essa obsessão por alguém ou por alguma coisa, temos a noção já incutida de que é algo ruim para a nossa mente e para o nosso corpo, e por isso nunca desejamos ser protagonistas desta condição (quer sejamos o obcecado ou a vítima). Paul Verhoeven explora este assunto através de uma lente bastante diferente, mostrando-nos a obsessividade como fantasia e como natureza humana, e algo que está presente nos simples mortais. A protagonista de Showgirls podia ser qualquer um de nós, homens inclusive. E a ambiguidade presente é mais do que evidente.

Verhoeven retrata a trivialidade da obsessão pela mulher da forma que esta deve ser retratada: mundana, supérflua e completamente vazia. Estamos numa fase em que o próprio autor sente que, depois do sucesso de Instinto Fatal, pode fazer o que bem lhe apetecer em Hollywood porque todos o adoram, e isso nota-se no seu desleixo e na sua despreocupação.

Quer em Instinto, quer em Showgirls, vemos uma réstia de esforço em mostrar algo mais profundo do que uma simples história sexual, psicopata e obsessiva, porque vemos explicações para as acções mais estúpidas e um retrato da pompa e da circunstância que nos fascina, mas existe um distanciamento tão grande de todas aquelas personagens que não sentimos ligação com nada, não percebemos o que o realizador nos quis transmitir e, consequentemente, não queremos saber.

Em última análise, não quero convencer ninguém de que Insinto Fatal e Showgirls são grandes clássicos, mas parte de mim quer acreditar que se calhar era suposto não gostarmos deles, porque isso quereria dizer que somos sãos e que a obsessão não faz parte das nossas vidas.

--

--