Tudo cresce… até os POWER RANGERS

João Silva Santos
Jump Cuts
Published in
3 min readJun 9, 2016

Quando era miúdo, os meus pais não me deixavam ver Power Rangers. “É muito violento”, diziam eles, enquanto eu e os meus amigos gozávamos com o facto destes superheróis demasiado coloridos sangrarem faíscas. “Muito violento? Eles nem acertam uns nos outros com os pontapés!” dizia, e lá ia às escondidas ligar a televisão.

De facto, a série tinha o seu quê de violência, mas era tão positivamente ridícula na forma como apresentava os seus heróis e vilões, que nos fazia esquecer de estarmos a ver ‘crianças’ a combater extraterrestres com fatos de licra. No entanto, era exatamente pelos protagonistas serem crianças que tanto gostava de ver a série; de certo modo, aqueles rapazes e raparigas eram avatares das minhas fantasias heróicas. Cheguei a desenhar o meu próprio fato de Power Ranger, assim como os meus zords e transformações várias, tal era a obsessão.

Então cresci, e só no ano passado me voltei a lembrar dos Power Rangers, quando saiu esta louvável curta metragem:

Se não viram e não fazem intenções de ver, a curta é uma espécie de continuação/reboot em continuidade da série original. Os protagonistas são agora adultos, e o mundo foi conquistado pela Rita Repulsa, talvez a vilã mais conhecida do franchise.

O aspeto mais emblemático deste Power/Rangers é o quão violento é. As faíscas são substituídas por litros de sangue; os robôs de plástico agora parecem Transformers no melhor dos CGIs… Power Rangers suicidam-se e matam-se uns aos outros, e de repente estamos perante um filho híbrido do Christopher Nolan com o Zack Snyder. Já não há nenhuma da joie de vivre da série original, nenhum do humor otimista e do espírito colaborativo do “vamos derrotar o mal!” que tanto me inspirou em criança.

Só existe morte, e mais morte.

Com o sucesso desta curta metragem vieram as notícias de um reboot do franchise, incluindo novos filmes, um novo elenco, novos fatos, e o que se depreende ser uma continuação do espírito mais “adulto” que encontramos na curta metragem produzida por Adi Shankar.

Isto do “espírito mais adulto” é uma problemática moderna: Hollywood vomita reboots/sequelas a torto e a direito porque brincar com os nossos sentimentos de nostalgia é a maneira mais fácil de abrir as pernas à nossa carteira, independentemente da qualidade do produto em questão. Desde a inundação de superheróis até aos novos Star Wars, não há como escapar esta onda de conteúdo cuja popularidade já não se deve ao público mais jovem, mas sim a adultos vacinados.

No caso de Power/Rangers, a questão é mais complicada. Vista num vácuo, a curta metragem é fantástica: a realização é impecável (principalmente nas cenas de ação), com uma estética futurista bem conseguida e um elenco fortíssimo; apetece rever e recomendar por conseguir alcançar tanto com tão pouco. E, no entanto, é impossível analisá-la num vácuo, porque apesar de se aproveitar exemplarmente da iconografia do franchise, a curta metragem pouco tem que ver com os Power Rangers originais. O absurdo é substituído pelo violento, as crianças ingénuas por adultos suicidas. Talvez seja este o propósito da curta metragem: satirizar a nossa vontade de reenquadrar a nossa infância num contexto mais crescido e, por ora, mais “realista”, tornando-a deste modo ridícula ao ponto de não fazer sentido nenhum.

Os Power Rangers não fazem sentido, portanto para quê uma “re-imaginação” adulta do franchise? Não seria preferível simplesmente continuar o espírito da série original de algum modo? Ou, como maiores de idade, preferimos ver os nosso heróis de criança derrotados pelo “realismo” sufocante da vida adulta? Estamos literalmente a matar os nossos ídolos infantis.

É isso que nos entretém agora?

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