5 Mitos e Verdades sobre a Lei Maria da Penha

Daniela B. Strieder
Juris mundi
9 min readJul 14, 2016

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Por: Daniela B. Strieder [1]

Nos poucos meses de advocacia, inúmeras vezes me deparei com perguntas acerca da Lei Maria da Penha, formuladas com base no disse-me-disse e, muitas vezes, rechiadas de equívocos oriundos da má interpretação desta Lei.

Pensando nisso, o presente texto visa esclarecer alguns pontos sobre a violência doméstica, a sua denúncia e as normas estipuladas na Lei que disciplina esta matéria — Lei 11.340/2006 [2]: “Lei Maria da Penha”.

1. Homens não podem denunciar alguém pela Maria da Penha

Parcialmente verdadeiro. Os homens, conforme informou a coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar, conselheira Ana Maria Amarante, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[3] não podem ser protegidos pela aplicação da Lei Maria da Penha em desfavor de suas parceiras agressoras.

Contudo, esse entendimento não é aplicado de forma uníssona nos Tribunais, significando dizer que diversos magistrados têm entendido, apesar da restrição límpida da Lei, a qual já em seu preâmbulo informa servir para “coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”, ser possível aplicar a Lei Maria da Penha a fim de punir as mulheres que agridam seus maridos.

Igualmente, a alegação de “homens não poderem denunciar pela Maria da Penha” é parcialmente verdadeira, contudo sem abranger os relacionamentos homoafetivos, afinal, estes relacionamentos restam claramente protegidos pela Lei 11.340/2006, pois seu art. 5° determina que violência contra a mulher é aquela “baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.

Analisa-se, desta forma o significado violência doméstica “baseada no gênero”, explicada por Edison Miguel da Silva Junior como:

“(…) aquela praticada pelo homem contra a mulher que revele uma concepção masculina de dominação social (patriarcado), propiciada por relações culturalmente desiguais entre os sexos, nas quais o masculino define sua identidade social como superior à feminina, estabelecendo uma relação de poder e submissão que chega ao domínio do corpo da mulher” (grifei) [4]

Portanto, em uma relação homoafetiva entre dois homens, sendo um vítima de violência doméstica, em razão da autoridade de seu companheiro, quem possui uma posição de dominação social sobre o agredido, é possível um homem recorrer à Justiça, pela Lei Maria da Penha, sendo vítima de agressão doméstica praticada por seu companheiro.

Da mesma forma, um homem vítima de violência doméstica perpetrada por sua companheira também poderá denunciá-la pela Lei Maria da Penha, contudo a certeza da condenação conforme a tal Lei é inexistente, já que a aplicação extensiva da mesma aos homens é aplicada apenas esporadicamente pelos magistrados.

Por fim, é sempre bom relembrar que, apesar dos crimes praticados por mulheres contra homens não necessariamente serem considerados tipificados pela Lei Maria da Penha, as medidas protetivas desta Lei, por sua vez, podem e são comumente aplicadas aos homens vítimas de companheiras agressivas, à luz do art. 22 da Lei 11.340. São elas:

I — suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II — afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III — proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV — restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V — prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

2. Se eu denunciar meu agressor, terei que encontrá-lo na Delegacia e nas Audiências

Mito. O entendimento em destaque é resultado da má-interpretação da norma legal, porque o art. 12 da Lei Maria da Penha diz que a autoridade policial, após ouvir a ofendida, deverá, de imediato, dentre outras coisas, ouvir o agressor, assim como da interpretação equivocada do Código de Processo Penal (CPP), o qual em seu art. 400 [5] aduz que, dentre outras medidas, o juiz ouvirá o acusado na audiência.

Tal alegação é completamente infundada, tendo em vista a preocupação com a vítima, trazida pela Lei 11.340/2006, a qual sempre busca melhores condições para a garantia da integridade mental e física das mulheres agredidas.

Por tal razão, na Delegacia, após a oitiva da vítima, o acusado será chamado para depor, contudo na ausência da vítima, tanto para a comparação das alegações, as quais poderiam ser alteradas se o agressor depusesse na presença da vítima — e vice-versa — , quanto para a manutenção da saúde da vítima, que pode correr risco caso fique junto com o agressor.

Igualmente, durante as audiências, apesar de estar expressa a ordem da tomada de declaração da vítima, a oitiva das testemunhas e o interrogatório do acusado, assim como já era garantido à qualquer vítima de crimes comuns (como o crime de furto), uma vez informado ao juiz que a vítima sente-se acuada com a presença do agressor, ela será retirada da sala e o agressor apenas ingressará para a audiência quando nem mais no corredor do Tribunal a vítima estiver.

3. Uma vez feita a denúncia na Delegacia de Polícia, não é mais possível se retratar

Mito. Apesar de ser difícil entender o momento correto da retratação e, inclusive, por essa razão a diversos processos é dado seguimento, mesmo quando a vítima queria se retratar — desistir da ação — , a Lei Maria da Penha em seu art. 16 permite a retratação da vítima nos seguintes termos:

“Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”

Neste sentido, após ouvida a vítima da Delegacia de Polícia, a Lei dá o prazo de 48h para o delegado “remeter (…) o expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência”, dentro deste prazo, tendo a vítima se arrependido da denúncia e do pedido de medida protetiva, ela pode voltar à Delegacia e pedir para retirar a representação contra o agressor.

Contudo, tendo passado o prazo, apenas será julgada a medida protetiva. Então se a vítima tiver se arrependido da denúncia após a remessa do pedido de medida protetiva, ela, ainda assim, pode ir até a Delegacia, pois, conforme determina a Lei 11.340, a autoridade policial deverá “remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público”.

Segundo o CPP, o prazo para terminar o inquérito policial é: 10 dias, se o acusado estiver preso; ou 30 dias, se estiver solto. Portanto, antes do término do inquérito policial, o responsável pela denúncia ainda será a autoridade policial a quem a mesma foi feita. Desta forma, a vítima ainda poderá, dentro dos 10 ou 30 dias, se retratar sobre a representação feita contra o acusado.

Passado o prazo supramencionado, os autos serão remetidos ao juiz e ao Ministério Público, para este órgão decidir se oferece a denúncia, manda aditá-la ou arquivá-la. Após o MP receber o expediente, terá o prazo de 5 dias, se o réu estiver preso; ou de 15 dias, se o réu estiver solto, para oferecer a denúncia.

Dentro deste prazo, quando o processo estiver nas mãos do Ministério Público, a vítima ainda poderá se retratar, perante o próprio MP ou perante o juiz.

Feito o pedido de retratação, o juiz marcará a audiência para este fim — confirmar a desistência da vítima — , e ouvirá a vítima e o membro do Ministério Público. Posteriormente, os autos serão arquivados.

Contudo, lembre-se: uma vez feita a denúncia pelo Ministério Público, não haverá mais chance de retratação. Por conseguinte, tendo feito a denúncia contra seu parceiro, o prazo para desistir da mesma na delegacia é de: 10 dias, caso o acusado tenha sido preso ou 30 dias, caso o acusado esteja solto; perante o Ministério Público ou o juiz: 5 dias, estando o réu preso; 15 dias, estando o réu solto.

4. Meu cônjuge pode ser preso se eu denunciá-lo

Verdade. A depender do crime praticado pelo acusado, na qualidade de cônjuge da vítima, ele poderá ser preso com a agravante — circunstância que piora a pena do condenado — do art. 61, alínea “f”, o qual dispõe a majoração da pena quando o crime for cometido “com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica[6].

Desta forma, tendo o acusado praticado qualquer crime passível de condenação com pena restritiva de liberdade — prisão — , ele poderá sim ser preso.

O crime de lesão corporal simples, contudo, previsto no art. 129, caput, do Código Penal como ofensa à integridade corporal ou saúde, quando praticado no âmbito domiciliar contra mulheres, apesar de ser punido com uma pena diferente daquela atribuída ao simples crime cometido “contra outrem”, não extrapolará a pena de “detenção”.

Ou seja: caso o cônjuge seja condenado pela prática de lesão corporal simples no âmbito domiciliar contra sua companheira, ele será transferido a: colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (caso condenado ao regime semi-aberto); ou casa de albergado ou estabelecimento adequado (caso condenado ao regime aberto), pelo prazo de três meses a três anos, à luz do art. 129, §9° combinado com o art. 33, §1°, alíneas “a” e “b”.

5. Crimes de violência doméstica são hediondos e preveem prisão perpétua

Mito. Primeiramente, quanto à prisão perpétua, é necessário memorar que a mesma não é aplicada no Brasil e, caso o fosse, seria inconstitucional, portanto o mito quanto dessa afirmação é gritante e completamente infundado.

Quanto à hediondez da violência doméstica, é necessário analisar a Lei 8.072[7], que trata dos crimes hediondos e determina como tais os seguintes:

I — homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII);

I-A — lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;

II — latrocínio (art. 157, § 3o, in fine); (Inciso incluído pela Lei nº 8.930, de 1994)

III — extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2o);

IV — extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);

V — estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);

VI — estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);

VII — epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o).

VII-A — (VETADO) (Inciso incluído pela Lei nº 9.695, de 1998)

VII-B — falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998).

VIII — favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).

Portanto, ao tratar da hediondez dos delitos, é necessário compreender que, segundo a Lei 8.072, apenas são hediondos os crimes de violência doméstica da seguinte forma:

  • Homicídio de cônjuge ou companheiro, desde que cometido: mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; por motivo futil; com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido; para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
  • Lesão corporal contra cônjuge ou companheiro, apenas se resultar: Incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente; aborto; ou se for seguida de morte;
  • Estupro contra cônjuge ou companheiro, em qualquer hipótese e situação.

[1] Advogada. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Brasília — UniCEUB.

[2] BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, 7 de agosto de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em 14 de jul. 2016.

[3] BRASIL, Conselho Nacional de Justiça.A lei Maria da Penha pode ser aplicada em casos de violência doméstica contra homens?. Brasília, 13 de mai. 2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/61647-a-lei-maria-da-penha-pode-ser-aplicada-em-casos-de-violencia-domestica-contra-homens>. Acesso em 14 de jul. 2016.

[4] SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei nº 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, 14 de nov. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9144>. Acesso em: 14 de jul. 2016.

[5] BRASIL. Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941. Rio de Janeiro, 3 de out. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 14 de jul. 2016.

[6] BRASIL. Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Rio de Janeiro, 7 de dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 14 de jul. 2016.

[7] BRASIL. Lei n° 8.072, de 25 de julho de 1940. Brasília, 25 de jul. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm>. Acesso em 14 de jul. 2016.

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Daniela B. Strieder
Juris mundi

Advogada. Bacharela pelo Centro Universitário de Brasília — UniCEUB. Editora-chefe do site Juris Mundi.