Ser data-driven é muito mais que tecnologia, é uma cultura.
O número de empresas que se consideram data-driven caiu, enquanto o investimento em tecnologia cresce. É o que aponta a pesquisa “Data and Innovation How Big Data and AI are Accelerating Business Transformation” realizada pelo NewVantage Partners, que entrevistou 65 das mil maiores empresas norte-americanas, elencadas na lista Fortune 1000.
Em 2017, pouco mais de 37% das empresas consultadas pela pesquisa que é realizada desde 2012 se consideravam data-driven. Em 2018, esse número caiu para 32% e, agora, para 31%. E por mais estranho que possa parecer esse movimento, essa queda não sinaliza uma falta de interesse por parte das empresas de serem orientadas a dados. Elas continuam investindo pesado em tecnologia: em 2019, 55% delas investiu mais de US$50 milhões em Inteligência Artificial e Machine Learning — 15% a mais do que no ano passado. Mas se o investimento aumentou, por que as empresas não se consideram data-driven?
Em um primeiro momento, o dado apontado pela pesquisa parece negativo, mas ele pode trazer também um indicativo interessante: um possível aumento de maturidade do mercado e uma mudança de mindset das empresas. Se antes algumas delas se consideravam orientadas a dados apenas por possuírem a tecnologia necessária para isso, hoje elas parecem ter entendido que o que estavam fazendo não era suficiente.
Não raro, companhias investem em tecnologia, compram software, instalam programas, automatizam algumas operações e, pronto, acham que isso é o suficiente para serem orientadas a dados. Mas a queda apresentada pelo estudo pode indicar que as empresas estão começando a perceber que essa é uma transformação que engloba muitos outros aspectos. Além de aportar tecnologia, é preciso também impulsionar uma transformação de mentalidade nas pessoas e nos processos, alterando, por fim, o que chamamos de cultura empresarial.
Para as empresas, porém, essa é a etapa mais difícil. Dentre os desafios citados por elas para se tornarem data-driven, 95% são relacionados a processos e pessoas, e só 5% associados ao uso da tecnologia. As maiores dificuldades estão no alinhamento e na agilidade organizacional, na resistência cultural, no entendimento dos dados enquanto ativo e na atuação da liderança executiva.
O retorno é a médio e longo prazo
Apesar de muitas empresas já estarem amadurecendo nesse sentido, um erro muito comum (e grave!) ainda é esperar um retorno de investimento (ROI) a curto prazo. Uma grande frustração apontada pela pesquisa é que, apesar dos altos valores investidos em tecnologia, apenas 19% das empresas conseguiu ver a monetização como resultado dessas ações.
Os porquês desta taxa ser baixa variam de acordo com cada empresa e suas particularidades, mas uma coisa é fato: investir em tecnologias que ajudam a empresa a se tornar data-driven, como a inteligência artificial, esperando um retorno financeiro rápido não é uma boa ideia. As áreas de inteligência artificial, machine learning e deep learning são muito novas e, por isso, ainda não têm seus modelos de negócios aperfeiçoados.
Isso significa que o momento é fértil para testes e aprendizado. Portanto, investir e não receber um retorno financeiro rápido não é exatamente um erro — quase todas as empresas estão passando por isso. O sucesso, diante desse cenário, vem de outras formas. A curto prazo, é possível esperar que se obtenha muitos insights a respeito do modelo de negócio, produto ou serviço da empresa. Isso já é o um indicativo de sucesso. Quando falamos de médio e longo prazo, aí sim é possível esperar um retorno financeiro para esse investimento inicial.
Apesar do ROI não chegar tão rápido, as empresas precisam, ainda assim, continuar investindo em tecnologia — e isso está totalmente atrelado ao lucro. Um dos maiores motivos pelos quais as companhias realizam esse tipo de investimento é o medo das concorrentes digitais já orientadas por dados. Esse motivo foi apontado por 75% das companhias consultadas durante a pesquisa.
Com novas empresas nascendo em um contexto completamente digital e bastante tecnológico, as companhias tradicionais que não se adaptam acabam perdendo vantagem competitiva. Diante desse cenário, é possível enxergar ao menos dois movimentos claros dentro das grandes. O primeiro deles é uma reestruturação interna, na qual a companhia repensa suas estruturas e seus processos, e passa por uma transformação para se tornar data-driven.
E um segundo movimento é o de criar novas pequenas empresas, muitas vezes concorrentes delas mesmas. Isso tem acontecido principalmente dentro de grandes bancos, que abrem lugar para o surgimento de startups dentro de seus espaços, sobretudo fintechs, para poderem se proteger da concorrência externa enquanto suas próprias estruturas não são alteradas. Essa tendência dos bancos nos permite enxergar que até modelos de negócios tradicionalmente conhecidos como bem-sucedidos estão passando por essa mudança digital e orientada por dados que impacta a cultura da empresa.
E se o que as empresas mais esperam é receber retorno financeiro e lutar contra a concorrência, fica claro que os setores que mais recebem investimentos relacionados a dados são aqueles que estão mais diretamente ligados ao lucro da empresa. Não é por acaso que as áreas de marketing e vendas são as que mais recebem investimento deste tipo aqui no Brasil, já que elas refletem diretamente na entrada de capital na companhia e geram um grande volume de dados.
Mas além de ganhar mais, há outra forma de aumentar o lucro de uma empresa: gastar menos. Justamente por isso, setores como logística e financeiro também têm recebido aporte tecnológico para otimizarem seus processos a partir de um melhor uso dos dados que possuem e geram.
O que mais é preciso além de tecnologia?
Essa caminhada para se tornar data-driven pode parecer difícil e sinuosa. E, apesar dela ser diferente para cada empresa, há algumas características gerais que podem ajudar a perceber se uma companhia está andando no caminho certo. Nesse processo de mudança, a pesquisa apontou que muitas empresas estão acrescentando o cargo de Chief Data Officer, profissional que vai prezar pela utilização dos dados enquanto um ativo. O surgimento desse cargo se tornou uma tendência não só refletida pelo estudo, mas observada também aqui no Brasil.
É importante, porém, que a tendência não se torne apenas o cargo da moda, aquele que todas as empresas querem ter, mas não se sabe muito para quê. Um erro bastante grave e comum é transformar um funcionário de alguma área correlata, como BI, em Chief Data Officer, mas usar a maior parte do tempo dele para executar tarefas que já era executadas anteriormente. Isso prejudica não só as entregas desse profissional, mas também o processo todo de amadurecimento pelo qual a empresa passa.
Outro erro é colocar o Chief Data Officer para coordenar a área de dados da empresa, deixando áreas como tecnologia e pesquisa subordinadas a esse cargo. Para se tornar data-driven, é importante que as empresas entendam que a parte de dados não pode estar centralizada em um setor, mas sim espalhada por toda a empresa, se enraizando em sua cultura.
Em um processo muito particular a cada contexto, as companhias precisam, de modo geral, passar por algumas etapas durante essa caminhada rumo a uma cultura orientada por dados. Primeiro, é preciso investir em tecnologia. E em seguida é preciso eleger profissionais de dentro da corporação e, muitas vezes, atrelar isso a uma voz de fora, que traga uma metodologia e um pensamento diferentes dos já praticados até o momento. Durante o processo, muito feedback precisa estar envolvido. Só assim, um passo de cada vez, é que a cultura vai sendo modificada, o amadurecimento com relação aos dados vai chegando, e aquele investimento em tecnologia passa a fazer sentido, atingindo a resposta que, por enquanto, só 31% das empresas conseguiu dar: eu me considero data-driven.