Diversidade para quê?

Natalia Menhem
Transformação Social |  Thoughtworks
5 min readFeb 11, 2019
Na imagem, um homem e uma mulher olham para uma tela de computador. O texto diz: Quem coda o Brasil? Responda à pesquisa, divulgue e nos ajude a mapear o perfil das pessoas que produzem tecnologia no Brasil. Abaixo estão as logomarcas da ThoughtWorks e do Olabi.

Diversidade na Tecnologia

A ThoughtWorks foi reconhecida por três anos consecutivos (2016–2018) como uma das dez melhores empresas de seu porte para mulheres trabalharem no Brasil, pelo Great Place to Work. Reconhecimento similar também foi conquistado pela empresa nos Estados Unidos, dessa vez dado pelo Instituto Anita Borg, que elegeu a empresa a melhor do país para mulheres tecnologistas. Em 2018, a empresa também esteve entre as três empresas-destaque em práticas de inclusão étnico-raciais, prêmio promovido em uma parceria Great Place to Work e Instituto ID_BR.

Tais reconhecimentos são um bom sinal de que temos ido na direção certa em nosso caminho, mas nunca um sinal de que chegamos lá. A discussão da promoção da diversidade no Brasil passa por questões estruturais complexas, que, via de regra, ainda não foram devidamente problematizadas por nossa sociedade.

Gênero, mas não só

Periodicamente rodamos um censo internamente, para ter visibilidade da evolução da demografia da ThoughtWorks Brasil ao longo dos anos e entender quais próximas ações devemos tomar para seguir no caminho de promoção da diversidade como acreditamos. De outro lado, somos guiadas por um forte propósito de compartilhar nossos aprendizados com o ecossistema em que estamos inseridas (o Technology Radar, que reúne semestralmente tendências e percepções sobre o cenário tecnológico global e está indo para a sua vigésima edição, é um dos melhores exemplos disso). E, com o reconhecimento do GPTW e do Instituto Anita Borg em 2016, percebemos que era hora de compartilharmos mais ativamente nossos aprendizados em relação à diversidade com o meio empresarial.

Assim, decidimos promover em 2017 a iniciativa Todas as Mulheres na Tecnologia, em parceria com a Think Olga, para tratar a inclusão de mulheres na indústria de forma interseccional, dando enfoque especial aos grupos interseccionais que sofrem mais opressões (por exemplo, mulheres negras e mulheres trans). Trabalhamos, dentro desta iniciativa, conteúdos sobre diversidade no ambiente de trabalho, um compilado de nossas práticas internas que potencializam a diversidade, dicas relacionadas a processos seletivos para mulheres e um evento exclusivo para jornalistas e comunicadoras sobre jornalismo humanizado da perspectiva de gênero, com os seguintes enfoques: racial e pessoas com deficiência.

Desta forma, acreditamos que conseguimos impactar grupos diversos da sociedade (mulheres que estão em busca de empregos, equipes gestoras de empresas que querem melhorar suas práticas de diversidade, canais de comunicação que querem reduzir os vieses de gênero em suas comunicações).

Raça, uma questão estrutural

Para 2018, analisando nosso censo interno em comparação com a demografia da população brasileira, percebemos que, enquanto havíamos evoluído bastante na representatividade de gênero, ainda era muito baixa a representatividade de pessoas negras na ThoughtWorks — uma característica do mercado de tecnologia e da sociedade brasileira que, definitivamente, não queremos seguir. Já há alguns anos vínhamos estimulando essa discussão internamente, por meio de parcerias com o AfroEducação e com o Instituto ID_BR, além do grupo Quilombolas, criado por pessoas negras da ThoughtWorks para promover ações de inclusão racial no ambiente de trabalho. Porém, dessa vez resolvemos dar um passo maior e mais focado: em um movimento liderado pelas pessoas negras da ThoughtWorks, em parceria com o grupo Quilombolas e com o Olabi / PretaLab, lançamos uma nova iniciativa, o Enegrecer a Tecnologia, tendo como objetivo trabalhar três frentes em relação à inclusão racial: o recrutamento, a representatividade e o reconhecimento de pessoas negras.

Começamos com um recrutamento expresso que teve como público-alvo pessoas negras, realizado em abril de 2018 na cidade de Salvador <veja mais nesta matéria>, e prosseguimos com ações tanto internas, como o treinamento da equipe ThoughtWorks em racismo estrutural, quanto externas, como o evento Enegrecer as Narrativas, organizado em São Paulo em novembro de 2018 para jornalistas e comunicadoras, novamente reforçando o poder da mídia nas histórias contadas sobre pessoas negras na sociedade brasileira, e como essas histórias permitem a inclusão real e cidadã de quem compõe 54% de nossa população.

Depois de quase um ano de Enegrecer a Tecnologia, pudemos observar o aumento de quatro pontos percentuais da representatividade de pessoas negras na ThoughtWorks Brasil.

Ética e tecnologia

Em paralelo, tem ganhado tração globalmente (não só na ThoughtWorks como no ecossistema tecnológico) a discussão sobre o que significa e como se constrói um futuro tecnológico justo. Ora, se entendemos o papel intrínseco da tecnologia na sociedade contemporânea e se somos uma empresa que preza pela excelência tecnológica, é essencial que entendamos, criticamente, os efeitos da tecnologia construída e usada de forma indiscriminada na sociedade. E, ao mesmo tempo em que acreditamos que o uso da tecnologia pode e deve ser feito e ampliado a serviço da sociedade como um todo, acreditamos ser de suma importância repensar a forma como a tecnologia é construída globalmente.

Vivemos um momento social coletivo de extrema descrença em instituições, que muitas vezes leva as pessoas a verem a tecnologia em um lugar de salvação das possibilidades de vida social. Como se “a tecnologia”, enquanto entidade, pudesse resolver problemas criados pelas pessoas, o que a caracterizaria como neutra de princípios e, por isso, com alto potencial de salvação. O único elemento não considerado nesta equação é que a tecnologia é criada, também ela, por pessoas. Pessoas carregam vieses, conscientes ou não. Já não são tão desconhecidas assim as histórias de algoritmos que reproduzem comportamentos racistas ou que dão mais poder a grupos sociais que já tem mais poder, aumentando assim os instrumentos de opressão de tais grupos, como explicou a Gabriela Mattos em entrevista para o Ada.vc.

Por tudo isso, é inevitável que a construção de um futuro tecnológico justo passe pela discussão sobre ética e pela promoção de inclusão em ambientes onde se produz tecnologia, uma vez que a convivência de vieses diferentes leva a mais conflitos de ideias e ao questionamento de ideias preconcebidas, ambos movimentos muito frutíferos para se trazer novos pontos de vista às soluções que são construídas para o todo.

Quem coda o Brasil?

Diante de todos esses movimentos e entendendo que essa tarefa transcende o ambiente da ThoughtWorks, resolvemos lançar agora, novamente em parceria com o OLABI, a pesquisa Quem coda o Brasil?, para levantarmos percepções múltiplas sobre ambientes de trabalho da tecnologia, como se vive e como se percebe a diversidade em tais ambientes.

Os resultados, guardando a confidencialidade dos dados, serão compartilhados posteriormente, tanto em nossas redes como em um evento a ser realizado na sede do Olabi, no Rio de Janeiro, em abril de 2019, para que possamos discutir os desafios futuros de um cenário tecnológico justo no Brasil.

Agradeço muito se você puder compartilhar esse link com pessoas da área tecnológica de diferentes regiões, idades e trajetórias profissionais.

Porque, por mais que poucas pessoas produzam a tecnologia, praticamente todas as pessoas consomem serviços tecnológicos nos dias de hoje. Ajude-nos a entender quem desenvolve o Brasil e quais desafios precisamos enfrentar nos próximos anos para que esse desenvolvimento seja ético, inclusivo e justo. Se você é da área de Tecnologia, responda e divulgue a pesquisa: https://www.thoughtworks.com/enegrecer/quemcodaobrasil.

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Natalia Menhem
Transformação Social |  Thoughtworks

Head of Marketing @ ThoughtWorks. Autora dos livros de poemas "Descontinuidades" e "Tremores Nômades e Fortes". http://facebook.com/miradapoetica