Marcas e Igualdade: um compromisso inadiável

Natalia Menhem
Transformação Social |  Thoughtworks
4 min readApr 11, 2018

Sou cientista social de formação. Pedi demissão do meu primeiro emprego para criar minhocas — eu realmente acreditava no poder da compostagem para gerar riqueza a partir de resíduos orgânicos. O meu negócio de minhocas não seguiu adiante — e essa é uma longa história –, mas eu segui buscando trabalhos e projetos que gerassem algum impacto positivo na sociedade. E eu nunca achei que o Marketing fosse um lugar para isso — talvez por preconceito, talvez por me prender ao estereótipo “marketeiro” de vender o que for preciso, acreditando ou não, com uma mensagem verdadeira ou não (me julguem!).

E aí eu cheguei à ThoughtWorks para trabalhar com Marketing (inicialmente com Marketing de Recrutamento, mas essa também é outra história). Meu primeiro trabalho oficial numa equipe de Marketing. A ThoughtWorks é uma consultoria de desenvolvimento de software customizado, que tem uma ambiciosa missão de melhorar o mundo por meio do do software. E fazemos isso tendo em vista sempre três pilares fundamentais: gerir um negócio sustentável, revolucionar a indústria de TI e promover a excelência técnica, e advogar apaixonadamente por justiça social e econômica. Isso significa que todas as nossas ações devem se equilibrar nesses três pilares. Por exemplo, quando falamos de diversidade de gênero e de criar um ambiente de trabalho justo, estamos falando de justiça social e econômica e também estamos falando de excelência técnica. Estamos numa época em que a falta de perspectivas coletivas na sociedade muitas vezes se traduz em relegar decisões e esperanças à tecnologia. Só que a tecnologia pode reproduzir padrões muito nocivos da sociedade, resultando, por exemplo, em algoritmos racistas. Logo, precisamos praticar a diversidade em nosso ambiente de trabalho por ser a coisa certa a se fazer e para entregar software de qualidade para nossas clientes e para a sociedade.

Quando eu me juntei ao time de Marketing da ThoughtWorks, há quase três anos atrás, nós tínhamos certa resistência em falar muito ativamente de nossas ações pela diversidade e pela justiça de gênero. Víamos uma tendência do mercado surfar essa onda — por ser um assunto cada vez mais em alta — e sabíamos que ainda tínhamos um longo caminho para percorrer para ser o ambiente que de fato consideramos justo. Não queríamos ser mais uma na multidão falando por falar. Não é à toa que mais de 40% das brasileiras não confiam nas marcas e empresas hoje, né? (pesquisa Edelman 2017)

Mas algumas coisas começaram a acontecer e nos fizeram mudar de ideia em relação ao nosso posicionamento externo. De um lado, querendo ser cada vez mais inclusivas e mostrar que a tecnologia é sim lugar para todas as pessoas, começamos a evoluir a nossa forma de nos comunicar com a nossa comunidade e falar de nossas vagas. Primeiro começamos a falar de vagas para desenvolvedoras/es. Em seguida, entendemos que precisávamos evoluir e falar com todas as pessoas, inclusive as que não se identificam com os gêneros masculino ou feminino. Essas adaptações, que para nós pareciam pequenas, criaram movimento nas redes sociais e uma demanda cada vez maior para falarmos de nossas iniciativas relacionadas a justiça de gênero. Além disso, em 2016 ganhamos dois reconhecimentos importantes: o da Anita Borg Institute como melhor empresa para Mulheres Tecnologistas trabalharem nos Estados Unidos e o reconhecimento do GPTW como uma das 30 melhores empresas para mulheres trabalharem no Brasil. Mais uma vez, isso aumentou a demanda por compartilharmos nossos aprendizados e então repensamos nossa crença e decidimos sim trazer a público nossas práticas e experiências sobre justiça de gênero e diversidade. Publicamos um artigo sobre linguagem neutra de gênero e iniciamos uma campanha falando sobre a importância de Todas as Mulheres na Tecnologia — sendo o todas uma forma de ressaltar a interseccionalidade. Pra nós, alguns princípios são muito importantes nesse processo:

1. Falar apenas de histórias reais e usar a ThoughtWorks como plataforma para dar voz às pessoas para que contem suas histórias, como é o caso da Dani Andrade na série de vídeos População T e da Biamichelle falando de sua trajetória como tecnologista negra.

2. Nos conectar com as comunidades que já estão fazendo algo sobre esses temas. Na campanha Todas as Mulheres na Tecnologia, por exemplo, organizamos um workshop sobre jornalismo humanizado com foco em gênero e chamamos, além da Dani Andrade, a Think Olga, o ID_BR e a Adriana Dias para falarem conosco. Agora, na campanha Enegrecer a Tecnologia, estamos trabalhando junto com o Preta Lab, que já tem uma atuação incrível no mapeamento de mulheres negras na tecnologia.

3. Criar junto com as pessoas que representam os grupos minorizados com os quais queremos falar. Mais uma vez, falando da campanha Enegrecer a tecnologia, ela só foi possível pois partiu do grupo interno da empresa que discute questões de negritude, o Quilombolas.

Na ThoughtWorks, nós sabemos que estamos sempre em construção e que ainda falta muito trabalho para sermos o ambiente diverso e justo que queremos ser. Como empresa, se queremos que pessoas comuns façam coisas extraordinárias, como já diria o Peter Drucker, nós também precisamos nos estimular a ser um lugar extraordinário — e para isso a gente tem que assumir a nossa responsabilidade de tentar novas abordagens para desafiar o status quo e mostrar que a tecnologia é espaço para todas as pessoas.

Nesse processo, eu pude me encantar com o mundo do Marketing como uma profissão que constrói novas narrativas de sociedade, baseada em valores e princípios, educando o público e compartilhando histórias possíveis.

Senão nos posicionarmos de forma diferente nas histórias que contamos, qual sociedade estaremos construindo?

(esse relato nasceu da palestra que fiz no painel Marcas e Igualdade, no Rio2C 2018, a convite da Luana Genot, fundadora do ID_BR. Os slides usados na palestra estão aqui)

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Natalia Menhem
Transformação Social |  Thoughtworks

Head of Marketing @ ThoughtWorks. Autora dos livros de poemas "Descontinuidades" e "Tremores Nômades e Fortes". http://facebook.com/miradapoetica