Aline Pimenta
JuX — Grupo de Pesquisa
3 min readSep 4, 2020

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Pílula # 7Favelagrafia: um novo olhar para as juventudes das favelas cariocas

Segundo dados do IBGE, o Rio de Janeiro é a cidade brasileira com o maior percentual de sua população vivendo em favelas: 22,03%, o que corresponde a mais de 1,3 milhão de pessoas. Apesar de representar uma expressiva fatia da população, a favela está frequentemente associada ao lugar do “outro”: espaço do caos, da carência, da precariedade e do perigo, representação social repleta de valores que ameaçam a paz da cidade.
De acordo com Jailson de Souza e Silva, doutor em sociologia e fundador do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro, a valorização das pretensas ausências e a imagem homogeneizante das favelas têm um pressuposto fundamental no sociocentrismo, quando padrões de vida, valores e crenças de um determinado grupo social são tomados como referência, colocando outros grupos em posição hierarquicamente inferior. Assim, foi na busca de um outro tipo de representação possível para as favelas que nasceu o projeto Favelagrafia.
Lançado em 2016, o Projeto Favelagrafia é formado por nove fotógrafos, de nove diferentes favelas do Rio de Janeiro, que fotografam suas comunidades e, desde então, postam as imagens em uma conta no Instagram (@favelagrafia), hoje com mais de 40 mil seguidores.
Através da análise das imagens publicadas no Instagram do projeto, é possível entrar em contato com novas possibilidades de representação sobre os jovens das favelas cariocas. Tendo o lazer como uma das principais temáticas, destacam-se as fotos do famoso “banho de sol na laje”, onde a cobertura das residências se transforma em espaço de diversão para as crianças e festa entre amigos para os jovens. Chuveiros improvisados, mangueiras, baldes ou piscinas de plástico são os recursos mais usados para afastar o calor intenso do verão carioca.
Outra temática muito presente nas imagens é relacionada aos jovens talentos artísticos: violinistas, flautistas, dançarinas, dançarinos e modelos. Vale destacar aqui um ensaio fotográfico com músicos encapuzados, segurando seus instrumentos como quem empunha uma arma fogo de grande porte, em clara contraposição às imagens divulgadas com frequência pela mídia em que jovens traficantes cobrem seus rostos e seguram seus fuzis.
Tanto nas imagens de lazer, quanto naquelas em que os talentos artísticos são o enfoque, fica clara a intenção de mostrar jovens “como quaisquer outros”, que circulam, vivem e se divertem no banho de sol na laje, mas também se empenham e demonstram seus talentos. Ou seja, uma visão oposta ao estereótipo veiculado pela mídia, que privilegia a representação do jovem da favela como criminoso ou conivente com o crime. Ou, ainda, como aquele que “não quer nada”, integrante da geração “nem-nem”, tradução livre do termo em espanhol “geração ni ni”, cunhado para identificar aqueles que não trabalham, nem estudam.
No conjunto das imagens, o que salta aos olhos é a multiplicidade: de espaços, trajetórias, modos de vida, gostos e costumes. Favelagrafia não nos oferece uma resposta sobre o que é “a” favela ou quem é “o” jovem morador da favela, pois o uso do singular seria aqui produto de uma visão reducionista. Favelagrafia ilumina nosso olhar para a infinidade de quotidianos, juventudes e vidas possíveis, seja nas favelas ou em qualquer outro lugar.

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