Pílula #9 — No lugar do outro: representações de empatia no site da revista Capricho
Por Elena Cruz e João Vitor Rodrigues
Já faz algum tempo que a mídia — na internet, em revistas, jornais e programas de TV — aborda o tema gerações enquadrando grupos de pessoas que nasceram no mesmo período histórico a determinados traços de comportamento. Acredita-se, por conseguinte, que os nascidos em um mesmo recorte de tempo têm algumas características em comum pelo modo como encaram o mundo. Muito antes das classificações mais recentes, relatos sobre o comportamento dos jovens podem ser vistos desde o século XVIII, com autores que buscavam expor sentimentos e dificuldades daqueles que vivem a fase da juventude, como Rousseau e Goethe. Posteriormente, no início do século XX, em 1904, Granville Stanley Hall publicou o estudo Adolescence e se tornou um dos primeiros a pesquisar essa fase da vida. Entre tantos autores que seguiram a temática, o ensaio O problema das gerações, de Karl Mannheim, escrito em 1928, é também uma importante citação para adentrar o assunto que hoje ganha nomenclaturas como geração Baby Boomer, geração X, Millennials, entre outras.
A partir de tal compreensão, a pesquisa busca identificar aspectos de um sentimento cuja popularidade do termo é crescente nas narrativas e no discurso midiático: a empatia. Através da análise de publicações voltadas para o público adolescente, o intuito foi identificar algumas das associações mais frequentes entre o termo empatia e entre outras questões que envolvem a juventude consumidora do site da Revista Capricho. Como o público adolescente que consome esse produto nos dias de hoje é o mesmo dentro da classificação geracional Millennial entendemos que seja relevante analisar como a empatia figura nas narrativas sobre a juventude e a adolescência produzidas por esse produto da mídia.
Com o intuito de compreender alguns sentidos atribuídos ao termo empatia entre os adolescentes brasileiros a revista juvenil Capricho foi escolhida como objeto de análise. Trata-se de uma publicação que existe há mais de cinquenta anos e que, depois de um processo mercadológico de substituição do produto impresso pelo digital, mantém o canal na internet. A importância de ressaltar esse aspecto é porque na relação de jovem para jovem é possível identificar a construção de uma narrativa que faz uso da linguagem e dos significados que o grupo — adolescentes — compartilha. E dentro dessa construção narrativa é possível encontrar diversas vezes o termo empatia, aplicado em contextos e recomendações de como ter, sentir, entender e desenvolvê-la.
No dicionário Houaiss (2009), empatia está definida como “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende etc”. O que foi definido, no contexto do século XVIII, como simpatia seria melhor entendido hoje a partir de outra palavra, que entra em uso apenas no início do século XX: a empatia. Tornada uma buzzword no mundo contemporâneo, ela é apresentada como mote de campanhas humanitárias e de movimentos sociais (GREY, 2011; SMITH, 2015b). O conceito emerge, inicialmente, no campo da estética, mas é na psicologia que seu espraiamento se torna significativo. A empatia, nesse sentido, referia-se a uma capacidade de sentir o que o outro está sentido. Diferentemente da simpatia na filosofia moral do século XVIII, essa acepção psicológica trazia uma pretensão universal: não seria necessário um alinhamento moral ou uma proximidade com a alteridade para experimentá-la: a empatia seria um solvente universal, capaz de conectar quaisquer indivíduos e solucionar os mais diversos problemas humanos (COPLAN & GOLDIE, 2011; DEBES, 2015; SMITH, 2015b) (LEAL, 2018, p.11).
E é bem nesse sentido da última frase da citação acima que a empatia parece estar sendo empregada nas publicações da Capricho: ter empatia seria a fórmula para resolver inúmeras questões, que vão desde o racismo na sociedade brasileira, preconceitos, discriminação, a ligação mais forte entre mulheres para lutar por seus direitos até a ajuda ao próximo. Durante a análise das publicações notamos que o termo empatia ainda é empregado de forma generalista, sem aprofundamento do seu significado, muitas vezes apenas como um natural e mais contemporâneo substituto para o termo simpatia. Ainda que exista uma motivação real em busca de dar significado a um sentimento através das narrativas e discursos publicizados, devemos considerar também que a Capricho enquanto produto midiático pode ser tomada como parte da cultura material que encontra na adolescência “um terreno ainda mais fértil para os discursos e a ação de expertos midiáticos e agentes de mercado” (FREIRE FILHO, 2006, p. 104).
Nesse sentido, a empatia pode ser observada tanto pelos seus, a geração Millennials, como pelos que os cercam. Ganha valor moral, é preciso aprender a ser, desenvolver tal sentimento. Como resposta, a indústria do consumo se adapta, cria cada vez mais espaços para novas percepções e principalmente inclusão de novos membros consumidores. Para os jovens millennials se trata de avanços morais para uma sociedade que estabelece tribunais cotidianos. Efetivamente, trata-se de um termo defendido por grande parte dos jovens, ou, de acordo com o sentimento moral em voga, deveria ser.