A diversidade é a pauta da vez

Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY
Published in
4 min readNov 14, 2019

As buscas sobre diversidade no Google e as discussões sobre neutralização da língua

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Em outubro de 2017, o Google publicou o Dossiê BrandLab, documento que apresentava um panorama do que o brasileiro havia buscado na plataforma naquele ano sobre diversidade. O principal dado é que no último ano* as buscas sobre diversidade no Brasil cresceram 30%, confirmando que a temática é uma pauta política e social de interesse crescente.

Como o Brasil é um país rico culturalmente, a diversidade é grande e envolve várias vertentes do assunto como: religiosa, biológica, linguística, sexual, social e étnica. Apesar da diversidade ser um conceito amplo e assumir diferentes aspectos dependendo da vertente em que se analisa, para essa discussão o que mais importa é entendê-la para aplicar ao desenvolvimento de soluções que busquem melhorar a representatividade.

Os assuntos mais pesquisados dentro do universo da diversidade, segundo o dossiê, são feminismo, racismo e LGBTQI+. Somente nos últimos seis meses, o crescimento médio dos views de conteúdos sobre homofobia, LGBTQI+, feminismo e racismo foi de 260%.

Racismo sempre foi o tema relacionado à diversidade mais discutido no Brasil, porém, o volume de buscas sobre feminismo alcançou patamares similares nos últimos dois anos, crescendo mais de 200%. Hoje, busca-se 4 vezes mais sobre empoderamento feminino do que em 2012. As buscas por machismo cresceram 163% nos últimos dois anos. As buscas por feminismo negro cresceram 65% no último ano.

Apesar do crescimento desses números, existe muito conteúdo que vai contra a defesa da diversidade. O dossiê aponta que existe seis vezes mais conteúdo sobre silicone do que sobre aceitação e autoestima. Além de o Brasil continuar sendo o país que mais mata LGBTs no mundo (1 a cada 25 horas), segundo o Grupo Gay da Bahia.

NEM MASCULINO, NEM FEMININO

A possibilidade de se criar uma nova linguagem coloquial que surgiu com a internet também abriu espaço para que pessoas que não se identificassem com os gêneros masculino e feminino (as únicas possibilidades na língua portuguesa) pudessem criar alternativas para "driblar" essa regra.

“Todes”, “el@s”, “alunxs”, são alguns dos exemplos de alternativas para se neutralizar o gênero na língua, que na forma culta apresenta dois problemas: pessoas de gênero não-binário, ou seja, que não se identificam com o gênero masculino e nem com o feminino, não conseguem se expressar e a supremacia do masculino sobre o feminino, que tem uso facultativo.

Popularmente conhecida como “linguagem não-binária” ou “linguagem neutra”, esse conceito é defendido por ativistas dos movimentos feministas e LGBT, sendo seu objetivo descaracterizar a binariedade da linguagem, ou seja, a ideia de que palavras são necessariamente masculinas os femininas.

Esse é um assunto pouco difundido no meio acadêmico, porém, com o destaque que as pautas sobre diversidade conquistaram nos últimos anos, é fundamental para que questões como estereótipos de gênero sejam discutidas.

No português adotou-se o masculino como norma, e o feminino acaba sendo menos usado, pois cabe apenas para casos que se referem apenas a mulheres. A neutralização do gênero é, portanto, uma ferramenta de inclusão da mulher, além das pessoas não-binárias.

O governo do Rio Grande do Sul publicou um documento institucional chamado “Manual para o uso não sexista da linguagem”. A justificativa do documento apresenta o seguinte trecho: “Existe um uso sexista da língua na expressão oral e escrita (nas conversações informais e nos documentos oficiais) que transmite e reforça as relações assimétricas, hierárquicas e não equitativas que se dão entre os sexos em cada sociedade e que é utilizado em todos os seus âmbitos”.

O manual foi desenvolvido para orientar na revisão da linguagem internalizada na administração do estado e apresenta expressões em que o machismo se perpetua e, a partir daí, sugere uma transição para outro modelo de tratamento linguístico, em que o uso do masculino não continue a legitimar a superioridade do sexo.

A linguagem neutra também pode ser excludente. Os softwares de acessibilidade para deficientes visuais não conseguem ler essas palavras, pois fazem uma leitura automática do que está diante da tela. Sendo assim uma língua que a princípio foi desenvolvida para incluir a todos pode ser um problema para alguns.

A discussão sobre esse assunto é ainda muito nova. A língua é um instrumento vivo que está sempre em transformação. As mudanças estruturais para que a diversidade seja incluída nesse sistema de fato é muito grande e precisaremos de muitos estudos para criar uma língua mais inclusiva. Outros sistemas se propõem a diminuir a diferença entre gêneros na língua, como a criação de novas palavras, recursos da própria língua como a voz passiva e utilização de termos neutros para substituir as palavras com gênero.

*Escrito em dezembro de 2017.

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Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY

Journalist, master's degree in History of Art and Visual Culture (Universitat de València). Areas of interest: Contemporary Art | Queer | LGBTQIA+ | Fashion