A moda pós-apocalíptica de Marine Serre

Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY
Published in
5 min readMar 16, 2020
Marine Serre: primavera-verão 2019, outono-inverno 2019, primavera-verão 2020 e outono-inverno 2020.

A crise do coronavírus ameaçava interromper a última temporada de desfiles, quando disparou o primeiro foco em Milão durante os últimos dias de uma temporada promissora que determinaria um ‘antes e depois’ caracterizado por uma maior assimilação das mudanças climáticas, da consciência do excesso de consumo e da sustentabilidade ambiental e social por parte das marcas dentro do mercado de luxo.

A semana de moda milanesa seguiu, assim como a parisiense apesar de todas as limitações, cancelamentos e incertezas. Porém as coleções apresentadas em cada semana de moda necessitam fundamentalmente das semanas seguintes ao evento para a assimilação das propostas e tendências pelos consumidores, através dos inúmeros textos de cobertura feitos pela mídia especializada e esse período foi atropelado pela propagação instantânea do coronavírus na Europa.

Apesar das tentativas de se adaptarem às demandas sociais relacionadas com a diminuição de resíduos industriais, condições laborais justas e uma publicidade que dialogue com a sociedade atual (principalmente em questões de gênero, raça e diversidade sexual), através de programas internos, as marcas de luxo ainda estão longe de alcançarem um padrão ideal, como mostra uma reportagem recente do New York Times que revela a existência de oficinas ilegais na Índia que produzem bordados para marcas de luxo como Dior, Saint Laurent e Versace mantendo trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Campanha Marée Noire | primavera-verão 2020

Quando surgiu, em 2017, a estilista francesa Marine Serre era apontada como uma das principais vozes da geração atual. Não porque abordava problemáticas contemporâneas nas suas coleções, mas sim porque leva implícito no DNA da marca os valores que se acredita serem fundamentais para a longevidade de uma empresa na atualidade.

Marine Serre é uma jovem estilista francesa, que foi premiada em 2017 pelo LVMH PRIZE (prêmio outorgado pelo conglomerado que alberga marcas como Louis Vuitton, Christian Dior e Givenchy). Além da ajuda financeira que essas premiações concedem elas também servem de termômetro para medir quais marcas ou estilistas devemos ficar de olho. Para o estilista é uma ótima campanha publicitária que o insere no mercado de luxo através da exaustiva cobertura que a mídia faz desses programas.

Durante sua formação na La Chambre (Escola Nacional Superior de Artes Visuais de La Chambre — Bruxelas, Bélgica) Marine Serre estagiou em grandes marcas como Alexander McQueen sob comando de Sarah Burton, na Maison Margiela com John Galliano e com Raf Simons durante sua estadia na Dior. Porém sua formação mais importante foi ao lado de Demna Gvasalia na Balenciaga onde esteve como designer junior por um ano.

Coleção Mind Melange Motor | outono-inverno 2020

Mas o que levou uma estudante de moda a se tornar um dos nomes mais relevantes da semana de moda de Paris em tão pouco tempo? Seu estilo se caracteriza pela mistura de clássicos do estilo francês com sportswear além das inúmeras referências a silhueta couture e obviamente a consciência de produção sustentável que será um dos principais valores para a indústria do luxo futuramente.

Sua marca se define como FUTUREWEAR e se caracteriza pela visão ecofuturista dos seus valores e design. Um dos aspectos mais singulares de Marine Serre é a maneira como ela absorve e projeta variadas referências culturais, principalmente de origem árabe e muçulmana promovendo uma estética que ilustra uma visão de mundo futurista, caótica e multicultural.

A primeira coleção de Marine Serre, intitulada “Radical Call for Love” além de lhe garantir o LVMH PRIZE lhe rendeu indicações a outros prêmios como o ANDAM e o Hyères Festival.

Desde o princípio a máscara anti poluição já aparecia em suas coleções como um elemento representativo da estética pós-apocalíptica que a fez tão popular. Outro elemento bastante significativo no universo de Marine Serre são as peças estampadas com uma lua crescente que também serve de logo para a marca.

A estampa de lua crescente se tornou bastante popular entre os insiders e protagoniza as coleções cápsulas que ela assinou em colaboração com a Nike e com a R-Pur, uma marca francesa que fabrica máscaras anti poluição para ciclistas, corredores e obviamente, nessa ocasião, para fashionistas.

Campanha Manic Soul Machine | outono-inverno 2018

As máscaras já tinham bastante aderência em países asiáticos (onde modelos da Off-White e Supreme são bastante populares) devido ao excesso de poluição nas grandes cidades, porém, atualmente com a rápida disseminação do coronavírus elas cobram evidência no ocidente. Foi justamente por essa coincidência que Marine Serre tem sido tão falada nos últimos dias devido a rápida expansão do coronavírus na Europa.

Alguns veículos noticiaram que a presença das máscaras em sua coleção representava simbolicamente a crise gerada pela epidemia, porém, como dito anteriormente as máscaras já faziam parte da sua estética no contexto da poluição atmosférica.

Nesse sentido é possível apontar que mesmo não sendo considerada uma disciplina artística, a moda é um dos campos mais importantes na industria da criatividade. Consequentemente os estilistas também têm a responsabilidade de falar sobre problemáticas atuais, assim como também são capazes de prever tendências que nem sempre são determinadas por editores.

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Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY

Journalist, master's degree in History of Art and Visual Culture (Universitat de València). Areas of interest: Contemporary Art | Queer | LGBTQIA+ | Fashion