A nova realidade do HIV-AIDS

Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY
Published in
4 min readNov 14, 2019

Além de um problema de saúde, o HIV-AIDS se tornou um problema social entre a geração que não conheceu a epidemia nos anos 1980

Coleção de camisinhas da Saint Laurent.

As discussões sobre o HIV-AIDS se desenvolveram e métodos de prevenção não são mais os únicos problemas a serem discutidos quando se fala nesse assunto. Atualmente* o Senado Federal vota a ação direta que torna inconstitucional o veto à doação de sangue por homens que tiveram relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo nos últimos 12 meses.

O ministro Edson Fachin, relator do caso, ao declarar seu voto contra a regra no dia 25 de outubro disse: “Não cabe valer-se de violação de direitos de um grupo minoritário para maximizar outros interesses, mesmo que de uma maioria, considerando erroneamente que a sexualidade tida como normal seria inalcançável pelas enfermidades transmissíveis pelo sangue, propagando assim não só o preconceito, mas as próprias doenças cuja transmissão se almeja evitar”.

Marcos Borges é infectologista e idealizador do canal Doutor Maravilha, que se propõe a conscientizar a população LGBT sobre ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis). Segundo ele, essa é uma proibição contraditória já que a constituição nos diz que não podemos discriminar pessoas por gênero ou orientação sexual no momento da doação de sangue. “Outro fator que pode estar contribuindo para que a gente não consiga mudar essa legislação é o aumento do número de jovens infectados com idade entre 14 e 24 nos últimos anos. Apesar de existir concentração de casos de HIV em alguns grupos atualmente, é uma doença que atinge pessoas de várias orientações sexuais, sendo o estigma que se criou com o surto da doença em homens gays o principal causador desse problema”, analisa Marcos.

Atualmente, um homem hétero que tenha feito sexo sem preservativo pode doar sangue no Brasil, enquanto um homossexual que tenha vida sexual ativa e use camisinha em todas as suas relações, não. Salvo aqueles que não tenham praticado sexo nos últimos 12 meses antes da doação.

A ação direta de inconstitucionalidade de nº 5543 pede a suspensão em caráter liminar da proibição prevista na portaria 158/2016 do Ministério da Saúde onde consta o trecho “Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: IV — homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes”, e da resolução 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que contém um trecho semelhante.

Segundo dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), o número de homossexuais infectados em 2016 foi de 1.500, enquanto os heterossexuais eram 3.489.

Os números são preocupantes e Marcos alerta: “O aumento das ISTs, assim como a gravidez precoce, é muito alto porque não se fala muito sobre sexo. O tabu do HIV-AIDS é construído justamente em cima do tabu do sexo. As pessoas não têm abertura para falar sobre esse assunto com a família, nas escolas e às vezes nem com os amigos, principalmente quando se trata de uma orientação sexual diferente. Eu acho que a internet traz muita informação para essas pessoas, porém, tem o perigo da credibilidade da fonte. Nem sempre os dados que são divulgados são confiáveis e podem disseminar informações falsas”.

O FUTURO DE UMA SOCIEDADE QUE ESTÁ APRENDENDO A CONVIVER COM PESSOAS HIV POSITIVAS

Alguns estudos publicados mostravam que pessoas com carga viral indetectável, ou seja, pessoas HIV positivas que estão em tratamento, não transmitem o vírus para outras pessoas. Porém nenhum desses estudos foi realizado por um órgão público, o que acaba por não garantir credibilidade à informação. Em outubro de 2017, o Centers for Disease Control and Prevention- CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), agência federal americana para saúde, publicou um comunicado confirmando a informação.

“Essa declaração do CDC é importantíssima para os casais soro-diferentes. Porque quando acontece o rompimento do preservativo ou por ventura eles não utilizam, isso causa uma angústia no casal. Também vai ajudar os casais que estão tentando ter filhos, além de contribuir para o combate ao preconceito que essas pessoas sofrem”, declara Marcos.

O Brasil está se preparando para receber a PrEP (Profilaxia Pré-Exposição). Publicado no portal do Ministério da Saúde em 29 de setembro, o comunicado informa que até o final de 2018, 300 mil pacientes poderão utilizar o antirretroviral. Entre o público-alvo da medida estão homens que fazem sexo com homens, travestis, transexuais, profissionais do sexo e casais soro-diferentes.

O tratamento com PrEP consiste na utilização diária de um medicamento chamado de dolutergravir, durante um período determinado. O medicamento antirretroviral bloqueia o ciclo de multiplicação do vírus impedindo a infecção do organismo. O Brasil é o primeiro país da América Latina a oferecer o tratamento através do sistema público de saúde e a distribuição está prevista para começar em dezembro desse ano.

“Hoje nós trabalhamos esse horizonte de prevenção combinada, que a PrEP possibilita e com o auxílio de um profissional as pessoas podem escolher quais métodos de prevenção são mais adequados para sua realidade. É importante ressaltar que quem optar por esse tratamento deve ficar atento a outras ISTs, pois ele só combate o HIV, além de que não pode ser utilizado por qualquer pessoa devido a seus efeitos colaterais”, esclarece Marcos.

*Escrito em dezembro de 2017.

--

--

Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY

Journalist, master's degree in History of Art and Visual Culture (Universitat de València). Areas of interest: Contemporary Art | Queer | LGBTQIA+ | Fashion