Dior: Feminismo na moda em tempos de #metoo

Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY
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3 min readNov 23, 2019

À frente de uma das maiores casas de moda da atualidade, a italiana Maria Grazia Chiuri tem se esforçado para fazer do feminismo a principal bandeira da sua gestão

Christian Dior Ready-to-Wear Outono-Inverno 2019

Desde que assumiu o comando da Dior, a estilista italiana Maria Grazia Chiuri tem proporcionado discussões sobre a relação entre a moda e o feminismo, estabelecendo sólidas colaborações com artistas feministas. A Dior tem insistido nessa temática de várias formas, desde a colaboração com a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie (através das camisetas estampadas com a frase viral ‘We Should All Be Feminists’), até a utilização de técnicas de costura que estão estritamente ligadas à produção artística e têxtil feminina como o patchwork.

Christian Dior Prêt-à-porter Outono-Inverno 2018

Essa sensibilidade feminista de uma grande marca como a Dior, que pertence a um conglomerado de marcas de luxo (LVMH) financiado por homens, é bastante discutível principalmente pela possível apropriação de uma causa que estaria servindo a valores capitalistas e consequentemente, nesse caso, a homens. Porém é fato que a indústria da moda (que historicamente se caracteriza pelo endeuzamento de figuras masculinas como grandes gênios criadores da estética femenina) tem sido abalada pelos intensos debates gerados sobre o papel da mulher na sociedade que foram impulsionados, também, pelo #metoo.

Nesse sentido é válido destacar que a atuação de Maria Grazia Chiuri tem, minimamente, alertado o mundo da moda sobre o início de uma nova era (o descontentamento de boa parte da imprensa e clientes da Celine com a troca da estilista Phoebe Philo pelo francês Hedi Slimane é um indicativo dessa mudança de mentalidade).

Para a apresentação da coleção (Ready-to-Wear) Outono-Inverno 2019, Maria Grazia Chiuri convidou a artista italiana Tomaso Binga (pseudônimo masculino utilizado por Bianca Pucciarelli Menna) para decorar as paredes, teto e chão da tenda que a marca costuma montar em Paris no jardim do Museo Rodin para os desfiles.

Bianca Pucciarelli utiliza o pseudônimo masculino como forma de protesto contra a misoginia e o machismo que ainda imperam no mundo da arte. Ela revelou sua identidade feminina numa performance nos anos 70, época auge do movimento feminista. Para sua colaboração com a Dior, Tomaso Binga se baseou nas obras “Living Writing” e “Alfabetiere Murale” nas quais a artista se fotografou nua, em posturas que simulam letras. As letras foram aplicadas nas paredes da tenda, organizadas de maneira que formassem um dos poemas escrito pela artista.

Alfabetiere Murale (1976), Tomaso Binga

Maria Grazia Chiuri se inspirou nas "Teddy Girls", a resposta feminina ao movimento denominado "Teddy Boys", uma das várias tribos urbanas que surgiram na Inglaterra nos anos 50 e que se caracterizou pela estética que misturava elementos da cultura popular americana com peças clássicas utilizadas pela aristocracia inglesa.

Nessa ocasião a estilista também estampou em camisas brancas a frase “Sisterhood Global”, fazendo alusão ao livro “Sisterhood is Global: The International Women’s Movement Anthology” da escritora americana Robin Morgan. A junção de todas estas referências resultou numa coleção isenta de marcadores de gêneros, com peças inspiradas no clássico “New Look” criado pelo fundador da marca, Christian Dior, porém, atualizado para o guarda roupa contemporâneo por Chiuri. Dessa forma, a estilista está mostrando seu talento para criar uma imagem de moda andrógina, mesmo dentro de uma das maisons mais relevantes para a consolidação da feminilidade como atributo exclusivo da mulher.

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Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY

Journalist, master's degree in History of Art and Visual Culture (Universitat de València). Areas of interest: Contemporary Art | Queer | LGBTQIA+ | Fashion