Thom Browne: como se manter relevante comercializando um produto que preza pela inalterabilidade do design

Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY
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4 min readMar 6, 2020
Thom Browne Outono-Inverno 2020 — Paris Fashion Week

Manter uma marca de roupas especializada em alfaiataria na atualidade pode ser uma missão impossível. Se pensarmos num mercado saturado e insaciável por novidades e no terno como o conjunto mais inalterável em termos de design, nos deparamos com uma incógnita criativa e comercial.

Nesse sentido é surpreende como o estilista americano, Thom Browne, consegue se destacar a cada nova edição da Paris Fashion Week tanto na edição masculina como na feminina. Recentemente o estilista decidiu apresentar ambas coleções num só desfile, uma decisão bastante coerente, levando em consideração a origem do terno assim como o status que ostenta atualmente ocupando guarda-roupas masculino, feminino, formal e street.

Casper Sejersen para Thom Browne Outono-Inverno 2020

Consequentemente, a marca participa somente da semana feminina de moda parisiense. Apesar de ascensão da moda masculina, o segmento feminino ainda domina o setor, principalmente em relação à difusão dos desfiles na mídia especializada e geral que dedica mais esforços para garantir uma cobertura completa do prêt-à-porter feminino. Porém para não estar ausente da semana masculina de Paris ele decidiu, alguns dias antes, criar um editorial com foco no men’s wear, adiantando o conceito da coleção que seria apresentada posteriormente.

As fotos são do fotógrafo dinamarquês Casper Sejersen, que registrou uma celebração ‘animalesca’. O bolo que enfeita a mesa foi criado pelo duo britânico Bompas & Parr, conhecidos como food designers, em parceria com a Victoria White Cake Design que se encarregou de desenvolver a receita. O bolo é uma reprodução perfeita de um dos ternos de Browne, que foi enviado ao estúdio do duo britânico.

Casper Sejersen para Thom Browne Outono-Inverno 2020

Uma das inspirações por trás do editorial é o filme Barry Lyndon (1975), dirigido por Stanley Kubrick. Nas fotos, com teor surrealista, animais se reúnem para uma festa na mansão de uma girafa, que serve nada menos que: um homem! Desde 2011, quando passou a participar da semana de moda masculina em Paris, Thom Browne tem se destacado pelo carácter surrealista de suas apresentações.

A estabilidade financeira que sua marca goza atualmente (em 2018 a italiana Ermenegildo Zegna, adquiriu uma participação majoritária na marca avaliada em $500 milhões) permite o designer se aventurar criativamente. Em 2019 ele debutou na Art Basel Miami Beach, com uma escultura intitulada ‘Palm Tree I’.

Respondendo a críticas sobre sua abordagem da masculinidade, Browne afirmou em entrevista para a GQ americana que suas ‘maluquices’ correspondem unicamente ao impulso criativo e que “são coisas que as pessoas precisam ver […] Eu gosto de ideia de criar, apenas pelo prazer de criar”.

Thom Browne Outono-Inverno 2020 — Paris Fashion Week

Em quanto ao desfile, o estilismo foi sem dúvidas um dos pontos altos da apresentação. 33 casais homem/mulher vestidos exatamente iguais dos pés a cabeça. Como sugere o release da coleção o estilismo questionava ‘quem é quem?’ e propunha uma masculinidade construída a partir de elementos que convencionalmente associamos ao feminino e vice-versa.Os chapéus/máscara utilizados pelos modelos em forma de cabeça de animais também contribuem para essa confusão dos gêneros. Os adereços foram confeccionados pelo renomado chapeleiro inglês Stephen Jones que já trabalhou em outras ocasiões com Browne, além das parcerias que já fez com outras grandes marcas da indústria como Christian Dior, Savage X Fenty e Moschino.

Thom Browne Outono-Inverno 2020 — Paris Fashion Week

Uma das inspirações de Thom Browne para a coleção Outono-Inverno 2020 apontada por insiders é a passagem bíblica ‘A Arca de Noé’. Analisando a disposição dos modelos em casais, a presença massiva de animais (os adereços surrealistas, as estampas de algumas peças e inclusive bolsas em formato de animais) e o onipresente debate sobre o apocalipse (mudanças climáticas, o desfile da Balenciaga) pode-se afirmar que mesmo não se tratando de uma referência, o conjunto da apresentação não deixa margem para outras leituras.

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Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY

Journalist, master's degree in History of Art and Visual Culture (Universitat de València). Areas of interest: Contemporary Art | Queer | LGBTQIA+ | Fashion