TUDO que você precisa saber sobre “About Time: Fashion and Duration", a exposição anual do Costume Institute - MET

Todas as informações sobre a mostra reunidas, incluindo período de visitação, discurso narrativo, referências literárias e peças que serão expostas

Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY

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Esquerda: Cristóbal Balenciaga outono-inverno 1958–1959; Direita: Nicolas Ghesquière para Louis Vuitton primavera-verão 2018

A exposição anual organizada pelo Costume Institute (departamento de moda do Museu Metropolitano de Nova Iorque) explora a história da moda desde 1870 até 2020. A mostra foi estruturada como um relógio. 60 peças de roupas organizadas cronologicamente compõem um estudo de 60 minutos, ilustrando 150 anos de história através das silhuetas, assim como também da linguagem corporal que as acompanham. A mostra pode ser visitada entre 29 de outubro e 7 de fevereiro de 2021.

Como explica Andrew Bolton, curador chefe da instituição, em entrevista à Vogue americana, cada um dos trajes recebe uma peça de outra época (algumas com até um século de diferença) que ‘interrompe’ essa cronologia revelando as semelhanças que ambas apresentam seja na silhueta, na técnica ou inclusive no conceito. Todas as peças que compõem esse primeiro conjunto centrado na representação cronológica dos últimos 150 anos são propositalmente na cor preta. Dessa forma, se acentua a associação desta com o segundo conjunto que pode ser também em cor preta ou branca.

Christian Lacroix (1987) X Charles James (1952). Fotografia: Annie Leibovitz para Vogue Magazine

A mostra foi desenvolvida com o apoio da Louis Vuitton. O atual diretor criativo da marca para coleções femininas, Nicolas Ghesquière, atua como co-anfitrião na concepção do projeto. O conceito de ‘tempo’ tem sido uma constante ao longo da carreira de Ghesquière, desde sua gestão na Balenciaga marcada pela estética futurista, até seu desfile para a coleção outono-inverno 2020 da Louis Vuitton. O estilista francês intitulou a coleção “Anacronismo” e como pôde ser visto na passarela, foi utilizado o mesmo conceito por trás da exposição, uma vez que nos looks desfilados coexistiam elementos característicos de épocas distintas: uma silhueta do século XIX com tecidos desenvolvidos tecnologicamente ou tecnologia de ponta aplicada na confecção de uma peça que ostenta uma aparência centenária.

A cenografia da exposição foi desenvolvida em colaboração com a artista multidisciplinar inglesa, Es Devlin, que tem no seu currículo trabalhos como os palcos da Formation Tour de Beyoncé e da Monster Ball de Lady Gaga, além da cenografia de 18 desfiles da Louis Vuitton.

A galeria que encerra a mostra será composta por um conjunto de roupas desenvolvidas em 2020. As peças selecionadas representam uma projeção da moda para a próxima década relacionando o tema da exposição com pautas que têm marcado a indústria da moda nos últimos anos como sustentabilidade, diversidade, transparência, inclusão e longevidade.

Um avance da exibição foi disponibilizado através de um vídeo no canal do MET no YouTube, ilustrando o conceito por trás do discurso narrativo da mostra, além de desvendar alguns modelos que a compõe:

As referências literárias

Como já haviam adiantado em novembro de 2019, ao anunciarem o tema da exposição, a mostra parte do conceito de la durée (duração) cunhado pelo filósofo francês Henri Bergson. Segundo Bergson, o tempo físico não é compreensível pela inteligência lógica repercutindo no entendimento de que os momentos temporais vividos quando somados uns aos outros formam um todo indivisível. Quando aplicado à História da moda, esse conceito expõe como as roupas geram associações temporais, atenuando as dissidências geradas pela ideia de passado, presente e futuro.

Mrs. Arnold (1895) X Alexander McQueen (2020). Fotografia: Annie Leibovitz para Vogue Magazine

Fragmentos de obras da escritora inglesa Virginia Woolf servirão como fio condutor da exposição. Estas passagens desempenham a função de 'narrador fantasma' na mostra, relatando textualmente as relações que se deseja destacar nos conjuntos justapostos. Entre as obras elegidas se encontram A viagem (1915), primeiro romance publicado pela escritora, Mrs. Dalloway (1925), Orlando, Uma biografia (1928) e Entre os atos (1941), o último romance escrito por Woolf, publicado postumamente.

A palavra “tempo” partiu a sua casca; derramou seus tesouros sobre ele; e de seus lábios tombaram como conchas, como aparas de uma plaina, sem que ele as tenha formado, duras, alvas, imperecíveis palavras, que alçaram voo para tomarem seus lugares numa ode ao Tempo; numa imortal ode ao Tempo.

Mrs. Dalloway, Virginia Woolf

Ademais, a curadoria da exposição recorreu a textos publicados na primeira metade do século XX, cuja narrativa discorre sobre a concepção de 'tempo' naquele período. Entre eles podemos destacar o poema Burnt Norton (1936), escrito pelo autor estadunidense T. S. Eliot e o poema A New Year do poeta inglês W. H. Auden.

Tempo presente e tempo passado
Talvez ambos estejam presentes no futuro
E tempo futuro contido no passado

Burnt Norton, T. S. Eliot

O catálogo da exposição inclui um conto inédito do escritor estadunidense Michael Cunningham, autor de As Horas (Pulitzer de ficção em 1999), livro no qual o autor analisa a vida de três mulheres em diferentes épocas, afetadas pela obra de Virginia Woolf. Em Out of Time, Cunningham narra, através de 150 vestidos, um dia na vida de uma mulher chamada Odessa Bonthrop, que começa numa manhã em 1870 e termina 24 horas depois em 2020.

Os casos emblemáticos expostos

Os pares de roupas que constituem cada minuto na montagem da exibição, às vezes são citações diretas, como no caso de um conjunto de veludo preto desenvolvido por Yves Saint Laurent para o outono-inverno 1978, com pedaços de espelho bordados, justaposto com um conjunto de Elsa Schiaparelli para a coleção outono 1938, ambos bordados pelo atelier Lesage.

Em outros casos, o que se busca é representar a continuidade de uma silhueta que foi considerada revolucionária quando apresentada ao público e como elas se conservam sofrendo as adaptações características de cada época. Por exemplo, o Tailleur Bar criado por Christian Dior em 1947, justaposto com uma jaqueta de couro de Junya Watanabe para a Comme des Garçons em 2011.

Elsa Schiaparelli outono 1938 X Yves Saint Laurent outono-inverno 1978; Christian Dior primavera-verão 1947 X Junya Watanabe outono-inverno 2011–2012. Fotos: Nicholas Alan Cope
Gabrielle Chanel primavera-verão 1963 X Karl Lagerfeld para Chanel primavera-verão 1994; Iris van Herpen outono-inverno 2012 X Charles James 1951. Fotos: Nicholas Alan Cope

A exposição está em sua maioria composta de sobreposições que revelam relações já conhecidas pelos amantes da moda, como no caso da justaposição do Tailleur Chanel de tweed, criado pela fundadora da marca em 1963 com uma releitura de Karl Lagerfeld de 1994.

Certamente, o êxito da exposição estará a cargo da imponente cenografia que a instituição aplica na montagem de todas as suas exposições, e claro, em reconhecer as semelhanças apontadas entre um vestido de gala do estilista americano Charles James criado com as técnicas de costura mais avançadas disponíveis em 1951 com um vestido desenvolvido por Iris van Herpen em 2012 utilizando os mais diversos tipos de materiais, para criar novas silhuetas através da impressão 3D.

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Kaiqui Macaulay
KAIQUI MACAULAY

Journalist, master's degree in History of Art and Visual Culture (Universitat de València). Areas of interest: Contemporary Art | Queer | LGBTQIA+ | Fashion