Capítulo 3

Caroline Godoy Dessen
Kanimambo Moçambique
4 min readApr 9, 2015

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Medo

Na manhã seguinte, a Patricia pediu para eu ir comprar pão para o café da manhã. A padaria ficava a menos de dois quarteirões da casa dela. Esta era a primeira vez que estava saindo completamente sozinha nas ruas de Maputo e por mais ridículo que pareça, para mim era como uma pequena aventura.

Cheguei na padaria e vi algumas alguma pessoas em pé na frente do balcão. Não consegui entender se aquilo era uma fila ou qual era a lógica daquele amontoado de gente. Logo entendi que não havia lógica. A regra ali era conquistar seu espaço, chegar até o balcão e fazer seu pedido. Essa realidade veio a se repetir várias vezes depois em diferentes estabelecimentos, sendo o mais caótico deles o cartório. Paguei com os meticais, moeda local, atravessei a rua e quase fui atropelada, pois olhei para a direção errada.

Durante o percurso observei um pouco mais as ruas, os prédios à minha volta, o barulho das buzinas e cobradores dos chapas passando a todo instante. Tive a impressão também de que a maioria das pessoas olhava para mim e percebi que durante meu trajeto não tinha visto nenhuma outra pessoa branca andando nas ruas.

Por um instante, tive a terrível impressão de estar em um lugar perigoso, de que iria ser assaltada a qualquer momento, que todos me encaravam e me viam como um cifrão ambulante, como era o caso de muitos estrangeiros que vivem em terras africanas. Pela primeira vez na vida estava num lugar de maioria negra, em que eu, branca, estrangeira, mulher, jovem, era minoria.

Praia de Maputo. Foto:Chico Carneiro

Numa fração de segundos, a realidade desmoronou em cima de mim: eu estava sendo preconceituosa. A consciência me deu um tapa na cara e me mostrou que provavelmente estaria me sentindo diferente se todas aquelas pessoas fossem brancas.

Eu sempre me considerei uma pessoa aberta, sem preconceito, sempre interessada em outras culturas e tal. E aí você percebe numa simples saída até a padaria em Maputo, que por mais informação e esclarecimento que você tenha, é difícil se livrar 100% do preconceito. Estar numa sociedade negra faz você enxergar o mundo numa perspectiva completamente diferente e descobrir coisas que, às vezes, você nem sequer imaginava existir dentro de você. Fiquei chocada comigo mesma e tentei entender melhor aquele sentimento no restante do dia.

Mais tarde fui numa lojinha perto da casa da Patricia e Obadias e comprei um aparelho de celular bem simples com um cartão pré-pago. A primeira coisa que fiz foi ligar para minha mãe e passar meu número. Ela me ligou de volta:

Mãe?

Carol querida, tudo bem? — ouvir a voz familiar e acolhedora da minha mãe fez um nó subir na minha garganta e deu uma vontade enorme de chorar. Não, não estava tudo bem: eu estava numa cidade feia, em que não me sentia segura para ir na padaria, sem amigos ou conhecidos, morando de favor na casa de um casal que tinha conhecido no avião e acabara de descobrir que era preconceituosa.

Tudo, mãe, e vocês, estão bem? — respondi, sabendo que provavelmente só iria deixar minha mãe desesperada se começasse a chorar no telefone.

Mamãe me contou banalidades da vida de São Paulo, que meu pai tinha pego uma gripe e com seu sexto sentido de mãe disse:

— Filha, fica tranquila, tudo vai dar certo. Começos são sempre difíceis. Você está num país com uma cultura diferente da nossa. A hora que você compreender um pouquinho melhor como as coisas funcionam aí, vai melhorar, acredite. É apenas uma fase de adaptação. — ah, sábias mães, com seus conselhos serenos de quem já viveu a vida e sabe do que está falando.

Respirei fundo naquele segundo dia de Moçambique e resolvi reagir. Talvez tudo o que eu precisasse fosse conversar com alguém que já tivesse passado por isso e pegar algumas dicas de como lidar com a situação. Resolvi então ligar para o Gabriel, afinal ele também era brasileiro e devia ter passado exatamente pelo mesmo há seis meses quando chegou para estudar Filosofia em Maputo.

— Alô, Gabriel? Aqui é a Carol, a brasileira da USP, tudo bem?

— Oi, Carol! Chegou bem?

— Sim, sim. Estava pensando se poderíamos nos encontrar amanhã para nos conhecermos pessoalmente.

— Claro! Por que não almoçamos juntos, então? Venha até o restaurante onde eu trabalho, no final da rua 24 de Julho. Chama-se Las Brasas. Uma da tarde tá bom para você?

— Ótimo, estarei aí! — desliguei o telefone animada e curiosa por saber mais sobre a experiência do Gabriel. Talvez a sua hsitória me desse a força que estava precisando naquele momento.

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