F. González Rey — O Conceito de Saúde (1992)

Publicado em Personalidad, salud y modo de vida. Tlalnepantla: UNAM Iztacala, 1993, pp. 1–50. Tradução por Hélio Cavalcante Donadi.

Bruno Bianchi
Kátharsis
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51 min readApr 8, 2024

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1. Saúde mental e somática

O tema da saúde tem uma longa história, frequentemente associado a um modelo semiológico descritivo, dominante por muito tempo na medicina. Nos contextos da medicina tradicional, a doença foi definida por diferentes expressões semiológicas, considerando a saúde como a ausência de sintomas. No entanto, o desenvolvimento de todas as ciências relacionadas ao ser humano torna cada vez mais insustentável um conceito de saúde baseado na ausência de sintomas.

Dentro de uma abordagem semiológico-descritiva, é pertinente separar a saúde mental da somática, pois a semiologia que define ambos os tipos de doenças inscreve-se em níveis diferentes; uma, a mental, se expressa no nível psicológico, e a outra no nível somático.

A saúde, no entanto, é um processo complexo ou qualitativo que define o funcionamento integral do organismo, integrando de forma sistêmica o somático e o psíquico, formando uma unidade, onde o afetamento de um atua necessariamente sobre o outro.

Penso que o conceito de saúde deve ser considerado mais como um processo do que como um produto. Na saúde humana, a otimização no funcionamento dos diferentes sistemas do organismo, somáticos e mentais, garante três aspectos básicos que devem integrar a compreensão da saúde. Estes são:

a) Experimentar bem-estar, sentir-se bem, motivado para a vida, com interesses definidos em atividades e pessoas específicas.

b) Ser capaz de autorregular-se a partir de uma cultura sanitária efetiva, expressando um estilo de vida saudável, onde as atividades contribuem para o processo de otimização das funções somáticas e psíquicas.

c) O estado atual do organismo deve representar um momento essencial na otimização futura dos mecanismos e processos envolvidos na saúde humana.

Em termos gerais, esses fatores se enquadram no que Aldereguía Henríquez definiu como “vitalidade livre”, indicando que “a saúde humana é uma qualidade objetiva, que destaca a vitalidade alcançada por uma população ou um indivíduo para o desenvolvimento de suas capacidades biológicas, psicológicas e sociais” (pág. 33, 1988).

Em termos gerais, é necessário conceptualizar a saúde a nível individual considerando os seguintes aspectos:

a) A saúde não pode ser identificada com um estado de normalidade, pois, a nível individual, é um processo único e irrepetível com manifestações próprias. A saúde não é uma média; é uma integração funcional alcançada a nível individual por várias alternativas diversas.

b) A saúde não é um estado estático do organismo; é um processo que se desenvolve constantemente, onde o indivíduo participa ativa e conscientemente como sujeito do processo.

c) Na saúde, fatores genéticos, congênitos, somato-funcionais, sociais e psicológicos se combinam intimamente. A saúde é uma expressão plurideterminada, e seu curso não é decidido pela participação ativa do homem, que é um dos elementos que intervêm no desenvolvimento do processo, pois muitos dos fatores de saúde são alheios ao esforço volitivo do homem.

d) A expressão sintomatológica da doença resulta de um funcionamento estável das funções e mecanismos que expressam o estado de saúde. A saúde não é ausência de sintomas, mas um funcionamento integral que aumenta e otimiza os recursos do organismo para reduzir sua vulnerabilidade a diferentes agentes e processos causadores de doenças.

Da saúde mental à somática.

Na literatura dos últimos dez anos, é amplamente aceita pela maioria dos pesquisadores a irrelevância do termo doença psicossomática. Pesquisas recentes mostraram que todas as doenças têm uma etiologia psicossomática, pois o psíquico participa de alguma forma no surgimento e desenvolvimento da doença.

A compreensão de como o psicológico participa na etiologia e desenvolvimento da doença tem evoluído com base nos resultados das pesquisas psicológicas na saúde humana e em campos colaterais, evidenciando a influência do psíquico sobre complexos mecanismos de regulação somática.

Por muitos anos, o termo psicossomático era usado para doenças onde o psíquico encontrava uma tradução linear nos sintomas, como hipertensão, úlceras e colite, em que a manifestação somática é altamente sensível às mudanças emocionais do indivíduo.

No entanto, com o surgimento do termo “estresse”, amplamente difundido na literatura, as pesquisas voltadas para a saúde através do estresse aumentaram consideravelmente. De forma geral, foi demonstrado que o distresse , ou tensão negativa, está associado a transformações até mesmo no sistema imunológico, desempenhando, na opinião de diferentes pesquisadores, um papel importante na etiologia de doenças como o câncer, algo que há vinte anos ninguém considerava afetado pelo psíquico.

O mental afeta o somático não apenas pela manifestação do sintoma, mas por uma multiplicidade de formações, mecanismos e manifestações funcionais que geram insegurança, ansiedade, depressão, distresse e outras expressões psicológicas não saudáveis, que, uma vez alcançada certa estabilidade no nível personológico, afetam de várias maneiras o funcionamento somático do organismo.

Mesmo as pesquisas multidisciplinares sobre a saúde humana ainda não têm o nível necessário de precisão para demonstrar com exatidão os diferentes canais de tradução do psíquico para o somático. No entanto, está claro que a tensão negativa derivada do estresse tem efeitos bioquímicos e fisiológicos no nível somático.

Podemos conceituar o estresse a nível individual como um estado tensional sustentado com repercussões somáticas, mesmo quando o indivíduo não vivencia conscientemente esse estado como ansiedade, depressão ou outras expressões emocionais inadequadas.

A vulnerabilidade a estados tensionais que afetam a saúde somática é mediada por complexos mecanismos e sistemas no nível personológico, que, em alguns casos, otimizam a capacidade do sujeito de lidar com esses estados e, em outras ocasiões, facilitam o desenvolvimento desses estados tensionais.

Infelizmente, as pesquisas no nível personológico sobre os fatores que afetam a saúde tiveram seu maior desenvolvimento nos moldes funcionalistas da psicologia norte-americana, mais voltadas para buscar e identificar unidades psicológicas correlacionadas com diferentes manifestações somáticas do que para explicar as diferentes formas de mediação do psíquico sobre o somático no nível personológico. Um exemplo disso é a enorme quantidade de dados coletados sobre o Padrão A de comportamento coronariano, os quais não permitiram avançar para um novo nível qualitativo na explicação da relação padrão A — doença.

Na nossa visão, os dados obtidos nessa linha de trabalho não são desprezíveis, sendo o problema explicar qual significado real esse padrão tem no desencadeamento da doença.

Surgem várias questões em torno desse problema que precisam ser resolvidas pela própria pesquisa, como, por exemplo, se o padrão A é causa da vulnerabilidade a situações tensionantes ou se tem um significado para o surgimento de indicadores de risco uma vez que o estado de tensão está instalado.

Acreditamos que os indicadores conceituados no padrão A estão relacionados ao comportamento fisiológico do organismo, aumentando a propensão deste a expressar indicadores de risco para doenças cardiovasculares. No entanto, essa propensão só se manifesta quando o indivíduo está sob distresse, ou seja, quando já foi vítima de um estado psicológico inadequado, para cujo surgimento não acreditamos que esses indicadores tenham relevância real.

Nossa perspectiva sobre os aspectos da personalidade mediadores do estresse é expressa no capítulo personalidade e saúde.

Seguindo a lógica deste tópico, podemos afirmar que a tensão psicológica negativa ou distresse é um fator psíquico que afeta a saúde humana em uma ampla gama de manifestações.

Além disso, os chamados mecanismos neuróticos da personalidade também afetam a saúde somática. O funcionamento neurótico implica distúrbios somáticos com grande frequência, como verificamos em nossa consulta com hipertensos e infartados.

Nesse sentido, diversos trabalhos (Z. Domínguez, F. Aday; O. Rodríguez, E. Pérez e outros) demonstram a presença de mecanismos neuróticos ou inadequados na regulação psicológica de muitos hipertensos estudados.

O termo neurose é hoje muito polêmico na literatura científica, em parte porque sua definição tem sido descritiva e semiológica, mais do que explicativa, e também porque é designado como patologia, reduzindo-se a uma expressão individual inadequada, o que às vezes não leva em consideração suficientemente sua natureza social e o caráter necessário de sua expressão em determinados setores da sociedade.

Apesar das polêmicas de caráter científico e ideológico em torno dessa nomenclatura, é evidente a presença de formas inadequadas de regulação psicológica que estão na base de um conjunto de sintomas que geram ansiedade e limitam a expressão saudável e criativa da personalidade.

Acreditamos que é hora de tentar uma reconceitualização dos distúrbios denominados neuróticos a partir de um conhecimento de sua natureza psicológica e dos mecanismos reguladores que caracterizam sua expressão.

Em nossos trabalhos, conceituamos uma ampla gama de mecanismos psicológicos inadequados que caracterizam uma forma estabelecida de regulação psicológica, que podemos definir como não saudável ou neurótica, se pudermos nos desvincular de outros significados que o termo teve na história da saúde mental.

Quanto às características funcionais da personalidade neurótica, temos as seguintes: a) Rigidez elevada; b) ausência de perspectiva temporal futura, predominância do passado nas manifestações atuais do indivíduo; c) Incapacidade para reconceituar ou reavaliar as situações que geram estados emocionais; d) Muito baixo nível de autodeterminação e autorregulação sobre o comportamento.

Na personalidade neurótica, os conteúdos se caracterizam por:

a) Apresentam uma autonomia relativa em relação a formas essenciais de expressão do sujeito. Assim, por exemplo, a pessoa expressa determinadas necessidades de forma totalmente irracional, fora de atividades que, por sua natureza, impliquem essa expressão. Nesse sentido, a pessoa busca incessantemente afeto, independentemente da situação em que se encontra, ou tem expressões agressivas incontroláveis, etc. Essas necessidades, próprias do ser humano, são expressas fora das tendências essenciais de expressão criativa e socializada da personalidade, tornando-se essenciais para ela, afetando o homem em seu sistema de atividades laborais, de estudo, políticas e sociais, devido ao comportamento compulsivo que impede a expressão dos interesses do sujeito.

b) Expressão ansiosa. O conteúdo neurótico sempre é acompanhado de ansiedade, uma ansiedade tão incontrolável quanto a expressão do próprio conteúdo no comportamento.

c) O conteúdo neurótico não se expressa como uma configuração personológica suscetível de direção e controle pelo sujeito. O conteúdo neurótico está fora das possibilidades de regulação consciente do sujeito, que se torna objeto da tensão compulsiva e imediata que decorre da necessidade desse conteúdo.

Esse quadro de regulação psicológica, definido pelas características do funcionamento psicológico da personalidade, temos observado com frequência em sujeitos hipertensos, o que, ao contrário do que afirma a psicopatologia tradicional, nos mostra que a doença psicossomática e a expressão neurótica não são duas entidades separadas, sendo o funcionamento neurótico um dos aspectos que pode gerar manifestações somáticas não saudáveis.

Por fim, é necessário afirmar que os próprios mecanismos saudáveis da personalidade têm significados diferentes para a saúde somática. Existem muitos indivíduos que, sem estarem sujeitos ao estresse e sem apresentarem manifestações neuróticas, geram um sistema de atividade vital fraco que se expressa em um estilo de vida pobre, carente de estímulos suficientes para envolvê-lo de forma ativa em várias esferas de sua vida. Esses são sujeitos com interesses pobres, cultura individual limitada, que geralmente têm um estilo de vida muito passivo, caracterizado por atividades que podem prejudicar a saúde, como fumar, beber, descansar em excesso, abulia e maus hábitos alimentares.

A saúde é um processo integral, onde o tipo de motivação do homem, assim como a forma como as configura e se envolve nelas com suas potencialidades personológica organizadas, são essenciais no desenvolvimento do processo de saúde.

Nesse sentido, F. Vaughan afirma: “Além das necessidades básicas para a sobrevivência — alimentação, moradia e relações — as necessidades superiores de autorregulação também devem ser atendidas para falar de um funcionamento pleno em níveis de saúde ótimos” (pág. 282, 1985).

O processo de saúde, como todo processo social, é humano e histórico; portanto, suas manifestações e exigências mudam qualitativamente com o desenvolvimento da humanidade. Com o aumento da cultura e o desenvolvimento social de um povo, as necessidades de autorrealização, de expressão criativa, de participação ativa na vida social, profissional e pessoal tornam-se extremamente importantes para a saúde humana, sendo necessidades fortemente vinculadas ao fenômeno do estresse.

A questão da personalidade saudável tem sido uma referência constante no pensamento psicológico, onde diferentes indicadores foram definidos para considerá-la, influenciados pela orientação geral da escola que os expressou.

A psicologia humanista tem sido muito produtiva para a compreensão da personalidade saudável, concebendo-a por indicadores de seu funcionamento psicológico e enfatizando a necessidade de superar o sintoma como unidade essencial da diferença entre saúde e doença.

Alguns indicadores que são refletidos de forma geral na compreensão dos psicólogos humanistas sobre a personalidade saudável incluem a capacidade da personalidade para assumir suas próprias decisões, a capacidade de amar, a criatividade, a capacidade para realizar um trabalho produtivo, a capacidade de integrar experiências negativas dentro do eu, a abertura para novas ideias e para as pessoas, e a preocupação consigo mesmo, com outras pessoas e com o mundo natural.

Todos esses são indicadores qualitativos do processo de saúde mental, baseados em um modo de funcionamento da personalidade. A ausência desses indicadores, além de refletir uma personalidade não saudável com repercussões indiscutíveis na saúde mental, também expressa uma maior vulnerabilidade do indivíduo para danos à saúde somática.

Muitos desses indicadores, integrados de outra forma na compreensão da personalidade, são corroborados por pesquisas cujos resultados apresentaremos neste livro. Portanto, podemos concluir que o próprio nível de desenvolvimento da personalidade, mesmo quando não há estresse ou distúrbios neuróticos, é um elemento fundamental na expressão do processo de saúde.

Da saúde somática à saúde mental.

É incontestável que qualquer manifestação de dano na saúde somática afeta a saúde mental.

Partindo do conceito amplo de saúde apresentado neste livro, onde a saúde é compreendida como um processo, como um momento ativo que pressupõe a participação consciente do indivíduo junto aos seus restantes determinantes, é necessário aceitar que o comportamento da saúde é sistêmico e que o funcionamento não ótimo de qualquer sistema tem um reflexo na psique do indivíduo, no comportamento da psique, mesmo quando não aparecem vivências negativas na consciência do sujeito.

Assim, o processo de obesidade, que sem dúvida prejudica o organismo, pode se refletir psicologicamente em um baixo nível de autocontrole do sujeito na regulação alimentar. Embora isso não seja vivenciado negativamente pelo sujeito, danifica sua saúde física e mental, já que a regulação inadequada pode afetar o tom, a energia e a capacidade do sujeito em outras esferas vitais.

As consequências de um estudo somático inadequado sobre o psíquico não precisam ser imediatas. A obesidade em si pode ter uma série de consequências indiretas e mediadas sobre a saúde mental, não apenas por suas repercussões fisiológicas, mas também por consequências propriamente psicológicas. O obeso, em algumas ocasiões, é alvo de zombarias e desenvolve um sentimento de desvalor físico, limitando-o em seus diferentes sistemas de relações pessoais, com as consequências que isso tem em termos de saúde psíquica.

Em processos mais graves, que transcendem nos sistemas de regulação mais automatizados, como sono, alimentação e outros, como a manifestação de uma doença, o reflexo na saúde mental é ainda maior. Isso depende da personalidade do sujeito e dos recursos culturais e experienciais que ele conseguiu sistematizar ao longo da vida.

A doença somática atua sobre o psíquico, tanto por suas próprias manifestações somáticas, afetando a base somática do psíquico, como ocorre em muitas doenças, quanto pelas associadas essencialmente ao sistema nervoso e endócrino. Isso ocorre também pela imagem que o sujeito forma da doença e de sua autovalorização no processo de enfermidade.

Se o sujeito se desvaloriza, perde seus interesses e desestrutura seus sistemas de objetivos, estados anímicos de depressão e ansiedade podem surgir simultaneamente ao processo de doença, favorecendo, de acordo com muitos relatos de pesquisa, um prognóstico desfavorável em seu desenvolvimento.

Em muitas ocasiões, especialmente em doenças de prognóstico desfavorável, cujo surgimento está associado à morte, como o câncer e a AIDS, os indivíduos são esmagados pela expectativa de perda de vida, desorganizando seus diferentes sistemas de significados psicológicos na personalidade. A perda de interesses e objetivos essenciais nas esferas que eram mais relevantes para eles tem efeitos psicológicos verdadeiramente prejudiciais para o processo de doença.

Toda doença somática tem dois níveis de repercussão na saúde psíquica; o primeiro nível é representado pela repercussão das mudanças associadas à doença nos processos somáticos que afetam o psíquico, e o segundo nível está relacionado ao reflexo da doença na própria estrutura psicológica da personalidade, um reflexo que sempre aparece mediado pela posição consciente que o indivíduo assume como sujeito da doença.

Entre as mudanças passíveis de ocorrerem a nível personal são: alterações na hierarquia motivacional da personalidade, mudanças na autovalorização, construção inadequada da imagem da doença, eliminação do sentido psicológico da perspectiva temporal futura, etc.

Em toda pessoa, a otimização das funções e sistemas do organismo tem uma expressão inadequada na saúde mental. Assim, quando uma pessoa pratica exercícios físicos, há uma experiência de força, segurança e capacidade energética que estimula diferentes formas de expressão psíquica do sujeito, atuando também positivamente na expressão saudável das emoções.

2. Modo de vida e saúde. Aspectos psicossociais da saúde humana.

A dimensão social da saúde tem sido relegada em relação à atenção dada aos aspectos orgânicos e somáticos, os quais, por anos, definiram o sentido fundamental das pesquisas médicas. No entanto, o estado do conhecimento e o volume de pesquisas dedicadas à etiologia psicossocial das doenças evoluíram consideravelmente desde meados dos anos 70.

A importância das condições sociais na etiologia e evolução das doenças é reconhecida há muito tempo na literatura, mas, por várias razões, não se materializou em uma direção consistente de reflexão e pesquisa.

Já em 1923, o autor alemão A. Grotjahn havia afirmado: “Não apenas muitas doenças têm sua origem primária em causas sociais, mas um número muito maior é influenciado decisivamente em sua evolução, seja de maneira favorável ou desfavorável, por circunstâncias sociais.”

No epígrafe anterior, ao analisar o vínculo entre saúde mental e somática, de fato, estava implícito o valor do social, pois em nossa compreensão do psíquico, o social desempenha um papel essencial, refletindo precisamente no psíquico o seu sentido para o indivíduo e, portanto, para sua saúde.

Infelizmente, as pesquisas sociológicas concretas tiveram um peso relativamente limitado nos países socialistas, incluindo o nosso, onde as pesquisas sobre os aspectos sociais da saúde humana tiveram um reflexo muito maior em médicos, especialistas em epidemiologia social, destacando-se nesse sentido J. Aldereguía Henríquez.

Toda sociedade apresenta um modelo de funcionamento que, orientado para manter sua organização socioeconómica, reflete seus valores históricos e culturais em um sistema de normas e ideais sociais que influenciam todas as instituições da vida social.

A organização política da sociedade garante os mecanismos que permitem o desenvolvimento do status quo imperante, o qual deve refletir da melhor forma possível as formas de organização econômica e social que caracterizam um determinado sistema socioeconómico. No entanto, a organização superestrutural de uma sociedade representa um sistema que de maneira alguma pode ser compreendido como a expressão linear de uma determinada forma de organização econômica da sociedade.

Nas normas, valores e ideais predominantes na sociedade, influenciam decisivamente as tradições, a cultura e o próprio nível geral de desenvolvimento que essa sociedade alcançou. Mesmo essas formas de regulação social variam entre classes, camadas e setores de uma mesma sociedade.

O ideal social, o sistema de normas e valores com os quais se pretendem alcançar os fins sociais propostos em qualquer projeto, não pode ser imposto acima da capacidade real que os indivíduos de uma sociedade têm de segui-los em um momento histórico determinado. Quando o projeto ultrapassa as potencialidades dos indivíduos para se envolverem por sua autodeterminação, geralmente surge a compulsão social como um elemento essencial na mobilização do plano individual, o que implica uma dissonância permanente nos indivíduos, tornando-se uma fonte importante de estresse.

A organização social e econômica de uma sociedade determina as condições de vida em que o homem realiza seu trabalho, as quais desempenham um papel ativo no modo de vida.

O modo de vida é um conceito sociológico importante no qual se expressam as motivações essenciais do homem em um sistema de atividades concretas, razão pela qual essa categoria tem um significado importante para o estudo da saúde humana.

Sobre o Modo de Vida, foram dadas várias definições na literatura, assim N. Rutkevick escreve: “Assim, por modo de vida deve compreender-se o conjunto de formas de atividade tomadas em indissolúvel unidade com as condições em que se executa a atividade” (Pág. 9, 1989).

“As pesquisas sobre o modo de vida realizadas até o momento não foram além da descrição das condições de vida e do estabelecimento de conjuntos mais ou menos completos de indicadores, sem abordar essencialmente a problemática do papel do homem como sujeito de seu modo de vida” (pág. 20, 1989) (Destaque nosso F. G. Rey).

Para a utilização explicativa dessa categoria por disciplinas afins em problemas como o que estamos tratando, a saúde, é necessário transcender o puramente descritivo e adentrar o modo de vida como a conjunção de dois fatores: os sociais, que induzem e possibilitam determinadas formas de atividade concreta, e os fatores de personalidade, que definem um conjunto de potencialidades do indivíduo em sua condição de sujeito do modo de vida.

Unido ao condicionante social, o indivíduo também desempenha um papel ativo em seu modo de vida, condicionado pelo nível de desenvolvimento de sua personalidade, sua cultura e sua experiência, o que aumenta suas potencialidades de se tornar sujeito ativo de seu comportamento.

Neste sentido, o próprio Potrony assinala: “O modo de vida se desdobra na inter-relação entre as condições de vida, próprias de uma sociedade dada, e um determinado conjunto de atividades vitais. Naturalmente, na escolha do estilo de vida, também aparecem fatores de determinação subjetiva, os quais fazem com que a personalidade, em algumas ocasiões, à revelia dos cânones do modo de vida normativo que vigora em uma sociedade dada, opte por formas de atividade e comunicação que enriqueçam ou prejudiquem a herança social já acumulada, mas toda escolha que faça, obviamente, tem que ser viável dentro das condições de vida de seu cotidiano, criadas pelo desenvolvimento do modo de vida real da sociedade” (pág. 23, 1989).

Este “viável de realizar” sublinhado pelo autor representa exatamente o determinismo sócio-histórico sobre a individualidade, o qual não é dado prescrito por alternativas concretas que o indivíduo tem, pois estas são ilimitadas dependendo de seu desenvolvimento. O limite real dessas alternativas, para poder compreender o determinismo sócio-histórico fora de qualquer mecanicismo é dado pelo selo que a época imprime ao comportamento, o qual guarda uma relação necessária com as possibilidades reais para expressar ou conceber algo, derivando do caráter necessário que esse algo pode ter para o sujeito.

O necessário só aparece quando é possível, sendo a possibilidade, neste nível, algo que não está ao alcance consciente do sujeito definir e, portanto, não aparece como uma alternativa real à sua consciência individual. Portanto, o determinismo sócio-histórico é um processo supraindividual e não uma restrição mecânica das alternativas que se tornam possíveis a um sujeito em um momento histórico determinado.

O sistema de atividades que compõem o modo de vida e o sentido psicológico que essas atividades têm são decisivos para a saúde humana.

A sociedade, com os recursos e a organização de que dispõe, define um conjunto de condições que, de forma direta ou indireta, influenciam a saúde humana.

De forma direta, como expressões políticas intencionais, a sociedade desenvolve um sistema de saúde que reflete a ideologia e os objetivos de sua organização política. Assim, a sociedade socialista garante a saúde gratuita para todos os cidadãos e, juntamente com isso, em alguns países socialistas, incluindo Cuba, desenvolvem-se campanhas de prevenção que abrangem propaganda, vacinação, ação educativa na comunidade e na família, investindo-se grandes recursos.

No entanto, as campanhas educativas voltadas para a transformação de hábitos e formas de vida prejudiciais à saúde requerem, para sua eficácia, o desenvolvimento dos diferentes grupos, camadas e classes às quais essas campanhas são direcionadas. A educação para a saúde não é um aspecto alheio à educação integral da personalidade, na qual se expressa a cultura de uma população determinada.

As tendências nocivas e os maus hábitos em várias esferas da atividade humana, desde cedo na vida familiar, arraigam-se nos padrões que caracterizam a forma de vida de indivíduos, grupos, camadas e classes sociais. Essa situação destaca a eficácia de campanhas voltadas para a prevenção e controle de doenças bacterianas e virais contagiosas, respaldadas por esforços e políticas estatais que podem alocar grandes orçamentos para vacinações em massa e a implementação de formas adequadas de controle social para os doentes e portadores.

No entanto, há um amplo espectro de doenças em que o modo de vida do indivíduo, assim como sua capacidade de enfrentar a vida sem se tornar objeto de situações permanentes de estresse, são determinantes para sua prevenção e controle. Entre essas doenças estão as cardiovasculares, angiológicas, diabetes, câncer e muitas outras, sendo as cardiovasculares as que lideram o quadro epidemiológico atual do país.

Neste tópico, vamos nos deter principalmente no modo de vida por uma questão de apresentação de ideias, pois o modo de vida, a sociedade, a personalidade e a saúde formam um sistema difícil de desarticular em um esforço analítico.

Dentro do modo de vida, as atividades em que o sujeito se sente realizado, experimenta prazer e desfruta de sua realização têm uma importância crucial para a saúde. Essas atividades, de acordo com o sociólogo J. Patrony, podem ser consideradas como atividades de tempo livre, mesmo que sejam obrigatórias, como o trabalho. Para este autor, as atividades de tempo livre devem atender a duas condições essenciais: ser recreativas e ser reguladas indiretamente.

Entendidas assim, as atividades laborais ou outras de caráter social ou político podem ser consideradas atividades de tempo livre, pois são orientadas pelo desejo do sujeito e não por padrões de regulação externos sobre elas. Nesse sentido, o autor destaca: “…é necessário definir o tempo livre a partir da natureza da atividade inerente a ele e não por oposição a outras formas de utilização do tempo, as quais implicitamente deveriam ser consideradas ‘não livres’“ (pág. 55, 1989).

A questão do tempo livre e seu significado para a saúde é um problema essencial para a pesquisa social em geral. No entanto, mesmo a sociologia ainda está abordando os aspectos teóricos e metodológicos mais gerais sobre isso, fazendo com que a categoria de tempo livre ainda não tenha se destacado fortemente na pesquisa aplicada sobre saúde em estudos sociológicos e epidemiológicos.

No entanto, a lacuna de pesquisas aplicadas nessa esfera não pode nos levar ao silêncio, pois de maneira indireta, os resultados de pesquisas psicológicas, juntamente com nossa visão mais ampla apresentada na literatura sobre o tema, evidenciam a necessidade de articular o sociológico, o epidemiológico e o psicológico no campo da saúde humana.

Do nosso ponto de vista, o envolvimento e a motivação do indivíduo no desenvolvimento de suas atividades representam a antítese da alienação e, portanto, do distúrbio em sua realização. Nesse sentido, a coincidência entre o desejo pessoal e o que é socialmente necessário nas atividades obrigatórias na vida social permite um desdobramento saudável da individualidade, considerado um indicador importante de saúde que seria necessário detalhar em pesquisas específicas.

A riqueza de interesses e a ativação intencional das potencialidades individuais em direções específicas contribuem para eliminar a fadiga, o tédio e a passividade improdutiva, fatores que, além de serem estressantes por si só, geralmente resultam em atividades dispersas e de evitação, as quais, devido à sua natureza, muitas vezes são prejudiciais à saúde, como o consumo excessivo de álcool, o descanso excessivo, o tabagismo excessivo, etc.

Do nosso ponto de vista, as atividades mais saudáveis envolvem o sujeito de forma estável, tanto diretamente quanto indiretamente, pressupondo uma certa antecipação do futuro que constantemente envolve e mantém sob tensão o sistema de potencialidades do sujeito, em função dos próprios objetivos que ele estabelece para alcançá-los.

O caráter de ser saudável não é determinado pelo tipo de atividade, mas sim pelo seu significado qualitativo para o sujeito. Quanto maior for o espectro de atividades saudáveis que ocupam o tempo livre do sujeito, mais ele exercitará sua autodeterminação, assim como o sistema de capacidades e características psicológicas envolvidas no desenvolvimento dessas atividades, fatores que indiscutivelmente reforçam o comportamento saudável da personalidade.

O sistema de objetivos que o sujeito estabelece nessas atividades possui uma força motivacional tão intensa que é um dos aspectos mais relevantes para a integridade psicológica de indivíduos que contraem doenças diretamente relacionadas à expectativa de vida, como demonstrado por diversos autores em pesquisas sobre o câncer.

O desenvolvimento e ativação das potencialidades autorreguladoras da personalidade, juntamente com o fortalecimento da projeção mediata na regulação motivacional, são elementos psicológicos importantes para o enfrentamento do sujeito à doença, bem como para a resistência do organismo à sua ocorrência e desenvolvimento.

Entre as atividades importantes no tempo livre, incluem-se não apenas aquelas que pressupõem sistemas de operações concretas em sua execução, ou seja, essencialmente operacionais, como as científicas, artísticas, esportivas, etc., mas também atividades cujo elemento essencial é a comunicação, ou mais precisamente, atividades de comunicação, entre as quais estão todas aquelas que caracterizam os sistemas de relacionamento do sujeito: amizade, amorosa, relações laborais, familiares, etc.

Nessas atividades, a comunicação saudável, autêntica e espontânea é um requisito essencial em seu funcionamento, tendo grande importância para a saúde humana.

As dificuldades na comunicação, a incapacidade de expressar o que se sente e confundir o que o outro sente levam a uma série de problemas nas relações, tornando-se uma fonte permanente de tensão psicológica para os envolvidos nelas. Entre os efeitos de uma má comunicação, estão a tendência de distorcer manifestações parciais do outro, atribuindo-lhes um valor universal, a tendência de assimilar tudo o que é novo a estereótipos já criados, etc., o que impossibilita a mudança do sentido qualitativo da relação.

No processo de comunicação humana, uma contradição é gerada com mais força do que em qualquer outra forma de atividade, sendo não apenas uma fonte essencial do desenvolvimento da personalidade, mas também podendo ter uma influência marcante e patogênica sobre ela. Essa é a contradição entre o vivenciado e o conceituado.

À medida que o sujeito é mais saudável, mais ativo, ele expressará uma maior tendência a se envolver nas diversas atividades e relações em que participa, sendo sua participação ilimitada e criativa, pois responde à sua própria autodeterminação, a fins próprios que ele se propôs em seus sistemas de atividades e de comunicação. Nesse sentido, qualquer experiência negativa que ocorra no desenvolvimento de suas atividades, qualquer inconformidade ou contradição na consecução delas, o sujeito as enfrenta diretamente, realizando um esforço volitivo na identificação de suas causas e na superação dos elementos que o afetam.

Essa orientação ativa do sujeito é característica de uma personalidade saudável e de um sistema saudável de atividades e relações. Se a personalidade saudável participa de um sistema não saudável de atividade, experimenta uma elevada tensão psicológica que mobiliza todos os seus sistemas defensivos ao máximo, os quais podem chegar a ceder, convertendo o estresse em distresse.

A orientação passiva é totalmente oposta à descrita anteriormente. Nela, o sujeito se adapta ao imposto pelas circunstâncias, não se envolvendo verdadeiramente nos propósitos, nem de suas atividades, nem de muitos dos sistemas de relação em que participa. Há uma alienação dos objetivos da atividade em relação às verdadeiras necessidades do sujeito, que às vezes não pode identificar.

Esses indivíduos não desenvolvem uma cultura individual, não crescem em seu mundo espiritual, tornando-se “ecos” de pressões externas, nas quais desenvolvem a segurança necessária para alcançar um equilíbrio pessoal. Geralmente, são orientados por um profundo determinismo externo, vivendo para obter a valorização dos outros ou para se afirmarem nos valores alheios, sem chegar a uma verdadeira autodeterminação.

Diante de uma vivência negativa, uma contradição ou uma pergunta, orientam-se para o reforço do equilíbrio, minimizando o significado desses indicadores negativos que, embora não os assumam conscientemente, são expressão de necessidades que possuem, as quais continuarão afetando-os à margem de sua intencionalidade.

Os sujeitos de uma orientação passiva não são propensos à comunicação, sendo geralmente rígidos e com uma forte orientação para o desenvolvimento de estereótipos, por meio dos quais simplificam as situações vitais que enfrentam, alcançando o equilíbrio dentro delas.

Apesar do caráter essencialmente defensivo dessas personalidades, não podem evitar o distresse, pois, mesmo evitando ao máximo seus conflitos com o meio, entram em profundos conflitos consigo mesmos, conflitos que, por não serem identificados por eles, se tornam verdadeiros flagelos que geram cada vez mais tensão. Essa posição determina que esses indivíduos se tornem objetos de seus conflitos, mais do que sujeitos deles mesmos.

Ademais do sistema de atividades que caracterizam o modo de vida e do nível de envolvimento do sujeito nelas, é extremamente importante o sistema de hábitos expressos pelo sujeito (higiênicos, alimentares, de cultura física, fuma, etc.).

O problema dos hábitos adequados para viver não pode ser dissociado do desenvolvimento da personalidade, pois é parte integrante de todas as instituições sociais. Quando o homem possui uma orientação ativa, ele é gestor de sua própria cultura individual, assume a responsabilidade individual por seus atos e desenvolve uma sólida orientação volitiva para os diferentes aspectos de sua vida. Ele é capaz de autorregular todo o seu sistema de hábitos em função de seus fins pessoais e do sentido deles em sua concepção do mundo.

A combinação dessa orientação ativa com uma sociedade que promove valores, que oferece uma educação adequada à saúde por meio de seus vários canais de interação com o homem, constitui um fator essencial para o desenvolvimento da autorregulação do sistema de hábitos.

A regulamentação dos hábitos pressupõe como condição necessária, mas não suficiente, a implementação de uma ampla campanha de saúde na população, que permita a todos obter as informações necessárias para agir adequadamente individualmente. No entanto, o grande desafio de todas as formas de educação é que a informação por si só não se traduz em necessidade, não regula diretamente o comportamento do sujeito. Toda informação deve passar por um processo de personalização, no qual o sujeito a torna relevante para a autorregulação de seu comportamento, o que dependerá muito do próprio nível de desenvolvimento geral que o sujeito tenha.

Muitos dos maus hábitos que caracterizam o comportamento humano são verdadeiros mecanismos defensivos contra tensões que ele não consegue enfrentar conscientemente. É conhecido que o homem bebe, fuma em excesso ou come demais como forma de canalizar estados de tensão que experimenta.

Os indivíduos também se diferenciam quanto à capacidade de suportar tensões, mantendo uma ação individual organizada. Quanto mais forte for a motivação do sujeito para algo, mais elaborados são seus objetivos nessa direção e mais seguro de si mesmo é o sujeito, maior será sua capacidade de manter sua expressão criativa, suportando níveis elevados de tensão.

O hábito não é apenas uma forma de comportamento fixada, mas uma expressão integral de todo um sistema personológico, sendo seu controle uma ação integral do sujeito sobre sua própria vida pessoal.

A pobreza do modo de vida, a orientação passiva da personalidade, que não encontra atividades ou relacionamentos que verdadeiramente envolvam seus interesses, transforma o tempo livre em momentos de lazer, cuja fuga só é alcançada por hábitos inadequados e prejudiciais à saúde. A orientação passiva da personalidade, que por sua vez é expressão da pobreza desta, guarda uma estreita relação com um modo de vida pobre e com o desenvolvimento de hábitos inadequados para a saúde. Este quadro revela uma extraordinária pobreza cultural, relacionando-se intimamente com a falta de amor à leitura e a outras atividades de crescimento cultural do homem. Após esse quadro, floresce o pior e o mais primitivo da subjetividade humana, sendo interessante observar que muitos desses sujeitos recebem reconhecimento social, mesmo quando sua expressão social está totalmente alienada de sua verdadeira expressão individual.

O social e o individual na saúde humana. As instituições sociais e a saúde.

Os estudos epidemiológicos nos países desenvolvidos evidenciam que o avanço tecnológico e a alocação de recursos cada vez maiores para a saúde pública, embora tenham praticamente eliminado as taxas de mortalidade de doenças contagiosas do tipo bacteriano, reduzindo significativamente a taxa de mortalidade infantil e aumentando a expectativa de vida, no entanto, têm havido um aumento nas taxas de mortalidade e morbidade por doenças cardiovasculares, acidentes, suicídios e, mais recentemente, uma enorme proliferação do HIV, doenças muito relacionadas ao estilo de vida e ao nível de desenvolvimento da personalidade.

A saúde em nível social não deve ser confundida com a instituição de saúde, que é a diretora do orçamento estatal para o desenvolvimento das atividades de saúde pública.

Todas as instituições sociais e o próprio funcionamento integral da sociedade como um todo constituem a base social para o desenvolvimento da saúde humana, como analisaremos mais detalhadamente no próximo epígrafe.

A existência de uma rede ótima de hospitais e até mesmo uma excelente campanha de saúde em nível social, próprias dos países desenvolvidos, demonstrou não ser suficiente para alcançar o estilo de vida e o comportamento individual do homem, fatores que devem ser preparados pelo seu próprio desenvolvimento histórico-social, através das diversas instituições sociais, para transformar os indivíduos em verdadeiros sujeitos de saúde que expressem um comportamento individual consequente com um estilo de vida saudável.

Nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas economicamente e tecnologicamente, observa-se um crescimento alarmante no consumo de drogas, apesar do enorme risco que esse consumo representa atualmente, que é o HIV O homem, mesmo conhecendo todas as consequências que isso tem para sua saúde, embarca nesse caminho de autodestruição, após o qual se manifesta um profundo vazio existencial e de sentido da vida.

Ao que parece, como diria E. Fromm, o crescimento irracional do ter esvaziou o ser, mas não pode haver saúde humana sem saúde espiritual. Como fenômeno cada vez mais especificamente humano, a saúde requer um desenvolvimento e uma formação humana.

O desenvolvimento da economia e da tecnologia tem encurralado cada vez mais a ação dos agentes biológicos causadores de doenças. No entanto, neste processo, cresceu o papel dos agentes sociais da doença, os quais não podem ser controlados com respostas tecnológicas, mas sim sociais e psicológicas, levando a uma compreensão diferente do trabalho profilático. Este quadro epidemiológico dos países desenvolvidos é muito similar ao apresentado em Cuba, onde, apesar de não existir um desenvolvimento econômico nesse nível, a orientação intencional ao desenvolvimento da saúde, a partir de um sistema social diferente, onde a ideologia não se organiza a partir do “ter”, permitiu indicadores de saúde social realmente elevados. No entanto, também são elevados os indicadores das doenças associadas ao modo de vida e à personalidade humana.

Não existem pesquisas epidemiológicas e multidisciplinares suficientes que nos permitam um conhecimento profundo das causas desse crescimento. No entanto, as próprias condições de crescimento acelerado do nosso país em diferentes esferas de forma simultânea, mais a pressão constante do bloqueio e das agressões dos Estados Unidos, geram um ritmo de vida acelerado e tenso, o qual também afeta o funcionamento das diferentes instituições sociais. Claro que a causalidade não pode ser atribuída apenas a fatores externos, existindo também fatores internos que geraram elementos distorcedores, tanto do modo de vida quanto do desenvolvimento da personalidade individual, sobre os quais devemos aprofundar e agir.

Esta situação nos coloca hoje um enorme desafio que não pode ser resolvido dentro dos marcos da instituição de saúde, para o qual foi uma decisão muito acertada a criação do médico de família. No entanto, esta decisão não esgota as enormes exigências que pressupõe uma profilaxia social neste terreno, a qual exige uma reorientação das próprias instituições sociais; família, escola e centro de trabalho, com o objetivo de alcançar uma ação sistêmica sobre o modo de vida do homem e sobre a própria educação individual de sua personalidade.

Nessa direção, nos identificamos plenamente com a ideia de Aldereguía Henríquez de “uma profilaxia qualitativamente diferente, de orientação ativo-construtiva e essencialmente humana”, a qual, segundo o autor, pressupõe o seguinte: “1) A transformação das relações sociais, que condicionam uma estrutura e funcionamento da sociedade de natureza patogênica, ou no melhor dos casos, limitado do desenvolvimento da vitalidade em relações de cooperação e dirigidas a satisfazer as necessidades humanas” (pág. 40, 1980).

A partir deste aspecto essencial, implicando a sociedade em sua integridade, Aldereguía analisa outros três fatores que pressupõem essa reorientação do trabalho profilático, destacando, entre eles, a mudança da orientação à patologia para a sanalogia, cujo objetivo essencial seria o fortalecimento do homem saudável e a ligação entre o programa socioestatal e a responsabilidade de cada pessoa no melhoramento da saúde.

Este último ponto é essencial, pois sem uma pessoa capacitada para assumir uma orientação ativa para sua própria saúde, todo esforço de orientação estatal se desvaneceria, não sendo realmente efetivos neste nível de profilaxia, defendido por Aldereguía e, que em nosso critério, seria o único capaz de alcançar efeitos positivos nas doenças mais associadas ao modo de vida e à personalidade humana. É precisamente neste nível onde a ação das diferentes instituições sociais e das regularidades do funcionamento social se complementam, assumindo a saúde como uma responsabilidade individual e dando sentido às informações e orientações derivadas das campanhas estatais de promoção da saúde, é o resultado da ação conjunta de toda a sociedade.

Portanto, o desenvolvimento de uma personalidade plena, ativa, capaz de autodeterminar-se em sua relação com a vida, defendendo com força o sentido de suas diferentes formas de envolvimento social, é um requisito essencial do indivíduo saudável, pois o indivíduo não poderá realizar-se em relação à sua saúde de uma forma totalmente oposta à que o faz em suas demais esferas relevantes.

O indivíduo é a célula em que se reflete o sentido de todo o processo social no qual participa, sendo este reflexo mediado por sua pertença a uma determinada classe ou grupo social, pelo comportamento dos microclimas nos quais participa, etc. No entanto, nenhum projeto social adquire um sentido por si só, fora do seu sentido para o indivíduo concreto que deve tornar-se sujeito desse projeto.

Aprofundar-se nesses complexos problemas da saúde humana requer sérios projetos de pesquisa em epidemiologia social que permitam articular os fatores psicológicos e sociais na etiologia das doenças, superando as abordagens descritivas da epidemiologia tradicional, na qual o quadro de saúde é apresentado como um conjunto desconexo de números sem nenhum espírito explicativo.

A saúde e as instituições sociais

A sociedade humana opera através de múltiplos mecanismos, relações e instituições, tudo isso tendo uma expressão formal em órgãos, instituições e sistemas de leis, mas também tem uma expressão informal no sentido que todo esse sistema adquire para os diferentes grupos, classes e indivíduos que compõem a sociedade.

Entre as instituições sociais mais relevantes, cujo funcionamento reflete muitas das regularidades do funcionamento social como um todo, estão a família, o centro de trabalho e a escola. Estas são instituições muito estáveis; cujo funcionamento desempenha um papel decisivo na educação do ser humano e, por consequência, na saúde.

Como já abordamos anteriormente, a saúde é uma expressão integral do desenvolvimento humano, portanto, sua prevenção é o resultado do funcionamento integral da sociedade, tendo um papel essencial as instituições que analisaremos a seguir:

A família: A família é o grupo social onde o ser humano expressa sua maior intimidade e espontaneidade, pois, como grupo, a família tem ampla margem de liberdade para definir seu próprio sistema de normas, estilo de vida, etc. No entanto, essa liberdade de possibilidades está sempre mediada pelo funcionamento da sociedade, que desempenha um papel decisivo nas funções dos diferentes membros da família, assim como no próprio desenvolvimento individual destes, o qual define as positividades de cada indivíduo concreto dentro do seio familiar.

A relação sociedade-família é profundamente complexa, existindo múltiplos canais diretos e indiretos que a caracterizam, sobre os quais a pesquisa sociológica e psicológica ainda não forneceu muitos resultados.

A família é um elemento importante na promoção da saúde, pois nela se forma a personalidade dos mais jovens e se desenvolve permanentemente a dos mais velhos, o que é um elemento essencial da saúde humana.

Analisemos alguns dos elementos essenciais da vida familiar que desempenham um papel importante na saúde:

Em primeiro lugar, a família é uma via primária e essencial da educação afetiva da criança, que se baseia fundamentalmente no valor afetivo das relações familiares. A criança aprende a expressar seu afeto quando o recebe, sendo as relações familiares uma fonte de desenvolvimento das emoções humanas.

Os primeiros anos de vida da criança são essenciais para formar sentimentos em relação aos outros, aos idosos, aos animais, às plantas, processo pelo qual se vai educando a sensibilidade da criança e, consequentemente, sua capacidade geral de amar.

A falta de afeto, a agressão, a indiferença em relação à criança, a comunicação de duplo vínculo e outras deformações das relações humanas, são extraordinariamente prejudiciais ao desenvolvimento afetivo da criança. Todas elas são fontes de agressividade, timidez e múltiplos transtornos no comportamento infantil.

No sistema familiar, a atenção aos filhos tem que ocorrer através da comunicação real com eles, expressando-se na capacidade de ouvi-los, atendê-los, estimulá-los, compartilhar reflexões, histórias, anedotas e outras formas de contato vivo, sem as quais a comunicação com a criança não existe.

Comunicar-se com a criança é penetrar em sua lógica e desenvolvê-la. Muitas vezes, a incapacidade para isso se expressa nos presentes exagerados, na exasperação dos pais, bem como na própria comunicação de duplo vínculo, onde o canal emocional permanentemente contradiz os conteúdos da expressão verbal dirigida à criança.

Na satisfação das necessidades de comunicação social, segurança e afeto que se expressam nas relações da criança com o adulto, começam a se desenvolver padrões saudáveis de resposta emocional, sentimentos positivos e expectativas saudáveis, que serão fatores decisivos para um desenvolvimento emocional saudável da personalidade.

A frustração das expectativas infantis e a insatisfação permanente das necessidades enumeradas acima serão fonte de estresse e ansiedade, que podem se traduzir em formas estáveis de resposta emocional inadequada, como hipersensibilidade, ciúmes in controláveis, formas paranoicas de resposta e muitas outras cuja irracionalidade expressa seu vínculo com desajustes da esfera emocional, os quais criam inúmeras dificuldades no desenvolvimento da personalidade.

A ansiedade e o estresse provocados pelos diferentes tipos de reações emocionais inadequadas da personalidade serão fontes permanentes de desequilíbrio psíquico e somático, vinculando-se estas inadaptações tanto às chamadas doenças mentais quanto às psicossomáticas.

O adulto também necessita, para a conservação de sua saúde e para o desenvolvimento permanente de suas potencialidades psíquicas, de relações emocionais adequadas em seu contexto familiar. O nível de comunicação com o parceiro(a) e os filhos é um elemento essencial para o bem-estar emocional do adulto. Em muitos pacientes hipertensos e infartados, notamos sérias dificuldades em sua comunicação de casal, as quais não haviam sido conscientizadas antes do início do tratamento.

As dificuldades de relacionamento que não podem ser canalizadas de forma consciente, transformam-se assim em fontes estáveis de estresse para a personalidade. Quando no indivíduo se acumulam um conjunto de vivências negativas em quaisquer de seus sistemas de interação vital, as quais não se correspondem com os conceitos e elaborações que apoiam sua expressão consciente nessa área, criam-se estados permanentes de estresse com suas correspondentes consequências somáticas. Esta incapacidade de assumir suas próprias necessidades e de ser coerente com elas é um dos fatores psicológicos mais nocivos, tanto à saúde somática quanto mental.

Outro aspecto essencial onde a vida familiar desempenha um papel decisivo é na formação de hábitos adequados, entre os quais devemos levar em conta os higiênicos, alimentares, de cultura física, de descanso, etc. Os pais representam modelos decisivos nos primeiros anos de vida, nos quais a criança observa tudo ao seu redor, tendendo a reproduzi-lo.

A formação de hábitos exige uma sistematização de certos comportamentos que devem ser orientados, controlados e estimulados pelo adulto. Muitas vezes, especialmente no contexto de falta de comunicação do adulto com a criança, ou pelas grandes “ocupações” nas quais o adulto se sente envolvido, este negligencia o acompanhamento de um conjunto de comportamentos saudáveis na criança, resultando numa total irracionalidade no regime diário desta.

A ausência de hábitos adequados a seguir na vida cotidiana danificará também a função autorreguladora da personalidade, pois a criança não tem nenhum fim que oriente sua direção volitiva, a qual não é educada em um regime caótico e irregular que nunca oferece parâmetros estáveis de orientação.

A fixação da atenção, a estabilidade da criança em uma determinada tarefa, sua disciplina e persistência, têm muito a ver com a capacidade da criança para assumir atividades próprias, comprometendo-se com um resultado. A célula essencial dessas atividades são os hábitos.

Os primeiros anos de vida são uma etapa muito sensível para a formação de bons hábitos de saúde, os quais, se não adquiridos nesse momento, quando a complexidade das exigências da relação criança-meio é muito menor, serão muito difíceis de adquirir em etapas posteriores, quando todas as forças da personalidade estarão empenhadas em esforços muito mais complexos.

Finalmente, quero me referir ao importante valor da educação moral para a saúde e o lugar deste processo na vida familiar.

Os primeiros anos da criança, assim como são importantes para a formação de hábitos de saúde adequados, são essenciais para a formação de sentimentos e valores morais, como colocamos na primeira parte deste texto.

A educação moral e afetiva não podem ser separadas ao longo da educação da personalidade. A criança vai apropriando-se dos valores morais como seus, quando sua educação é acompanhada de experiências positivas que a interessam e a envolvem.

No entanto, em muitas ocasiões os valores morais são apresentados à criança como censores de suas necessidades mais importantes, cujo sentido psicológico é totalmente deturpado pela imposição dos adultos.

Quando isso acontece, a moral é sentida como algo externo, alienado das verdadeiras necessidades individuais, e se essa forma de regulação passa a um plano interno, se traduzirá em uma regulação moral compulsiva, censora, que determinará uma orientação irracional no comportamento moral, o qual não será objeto da ação racional do sujeito, nem responderá aos verdadeiros fins de suas necessidades individuais, produzindo-se uma alienação entre as necessidades individuais e a moral.

Foi precisamente esse tipo de comportamento moral que Freud metaforicamente situou no superego. Esse tipo de educação moral, apoiada no autoritarismo e na falta de comunicação, será fonte de múltiplas contradições posteriores da personalidade que afetarão profundamente sua saúde.

A moral reflete uma permanente síntese das necessidades individuais e dos valores sociais em um homem concreto. Em um indivíduo bem integrado, os valores morais convertem-se em necessidades individuais, mas necessidades vivas, em permanente movimento e interação com todas as forças motivacionais da personalidade, dentro de cujo sistema crescem e se modificam. Somente uma moral que responde a esta orientação caracterizará o desenvolvimento de uma personalidade saudável.

O indivíduo, como sujeito de sua regulação moral, deve ter um nível adequado de integridade para reconhecer e assumir suas contradições e conflitos, cuja evasão será um tipo de defesa que perpetuará o estresse causado por estes.

Embora tenhamos enfatizado aspectos referentes aos primeiros anos de vida, pela particular importância da família nestes, por ser o único sistema de interação presente neste momento do desenvolvimento, a verdade é que a família é um sistema relevante ao longo de todo o desenvolvimento da personalidade.

A educação moral passa por diferentes períodos sensíveis, os quais são particularmente fecundos para seu desenvolvimento. O primeiro período, ao qual já nos referimos, está localizado nos primeiros anos de vida, os outros são o período escolar, a adolescência, a idade jovem, o começo da vida laboral e o casamento.

A referência da família na educação moral dependerá da capacidade dos pais para desenvolver o sistema de comunicação com seus filhos. Muitos dos problemas entre pais e filhos ocorrem quando os pais mantêm códigos de comunicação antigos e absolutos, em etapas onde o desenvolvimento do filho já não aceita os mecanismos de comunicação usados com “eficácia” em etapas anteriores. Isso se reflete muito em relações autoritárias e egocêntricas, onde os pais não estão realmente centrados na felicidade do filho, mas em sua própria felicidade através do filho.

Essa situação leva a uma franca incomunicação entre pais e filhos, que, ainda que tenha caracterizado a vida de muitas pessoas de talento excepcional, é extremamente prejudicial para a saúde do homem.

O papel da comunicação na família é a expressão de uma cultura crescente que deve abranger toda a sociedade e seus mais diversos meios. A família não é uma instituição independente do resto da sociedade, pelo contrário, é o reflexo dos processos essenciais que ocorrem em cada sociedade.

Como veremos a seguir, a família está estreitamente relacionada à vida das outras duas instituições que neste texto analisaremos: a escola e o centro de trabalho.

Sobre o papel da comunicação e a adequada integração social na saúde humana, concordam a maioria dos pesquisadores contemporâneos, assim os médicos Raúl Guzzo e Eulogio García escrevem: “Intuímos, por nossa parte, que isso será possível à luz de uma nova consciência cultural (refere-se à possibilidade de recuperar o diálogo familiar), um de cujos pressupostos centrais, a saúde total, não só envolve a família, mas incide sobre ela, mobilizando sua positiva transformação. E não será possível depois que essa nova consciência cultural tenha sido coletivamente alcançada, não; a edificação de uma nova consciência cultural coletiva não é trabalho de gabinete, mas um processo histórico e social; não uma empreitada voluntarista desenhada em laboratórios, programada e computadorizada, mas um ato social vivo, dialético, progressivo e, em ordens profundas, autônomo e inexorável, que já começou e que é impensável sem convocar, desde a origem mesma, a comunicação, a integração e o diálogo (pág. 49, 1981).”

A orientação para o fator humano, para a cultura, como fonte geral de bem-estar e saúde, opõe-se a todas as variantes de tecnocratismo, que pretendem reduzir o desenvolvimento da saúde à aplicação de altas tecnologias. A alta tecnologia, sem uma base social ativa e integral, não penetra os mecanismos humanos que devem mover a saúde do homem, o melhor exemplo disso é a proliferação das drogas nos países tecnologicamente mais desenvolvidos.

A escola: A escola é uma instituição social essencial; já que nela transcorre praticamente toda a infância e grande parte da juventude do indivíduo na sociedade atual. Nesse sentido, a escola tem uma enorme importância para a educação e, portanto, também para a saúde do homem. A escola será a continuação e o complemento permanente da educação recebida pela criança no meio familiar, devendo em muitos casos, compensar déficits importantes da educação familiar.

Cada vez mais se impõe na literatura, uma representação da escola orientada à formação da personalidade do educando, um de cujos momentos é a aquisição do conhecimento. No entanto, a abordagem personalizada da educação enfatiza que, tão importante quanto a aquisição de conhecimentos, é a formação de um indivíduo seguro, criativo e interessado, que saiba fazer do conhecimento aprendido um sistema personalizado, aplicável às diferentes exigências que a vida coloca diante dele.

A meta essencial da educação é formar um indivíduo capaz de tornar-se sujeito de seus conhecimentos, transcendendo as formas clássicas, mais conservadoras da educação, orientadas ao indivíduo como objeto de conhecimentos, onde este é concebido como um reservatório reprodutor dos conteúdos que recebe. Nessa direção, qualquer metodologia didática de transmissão de conhecimentos passa de forma necessária pelo sujeito desse processo, o indivíduo que os recebe, sem o qual as mais diversas formas de organizar o processo docente poderiam resultar estéreis.

A educação que enfatiza o momento passivo-reprodutivo educa, por sua vez, passividade, falta de iniciativa, insegurança e medo, enquanto a educação que enfatiza o momento ativo transformador educa a iniciativa, a audácia, a decisão e o envolvimento do educando no processo de aprendizagem.

O processo de ensino não esgota o de educação nos marcos da instituição escolar, mas é uma parte essencial dele. Nesse contexto, frequentemente restringimos o vínculo de educação para a saúde no currículo escolar. No entanto, podemos nos perguntar: a educação para a saúde esgota-se em uma disciplina que oferece informações necessárias para otimizar a saúde humana? Somos do critério que não, pois tão importante quanto fornecer essa informação é formar um indivíduo capaz de utilizá-la na regulação de seu comportamento, o que só é possível aspirar através da educação da personalidade.

Sem dúvidas, na escola devem ser transmitidos conhecimentos sobre a saúde humana, orientados a formar bons hábitos de saúde, assim como ao alcance de uma representação adequada nos educandos sobre o papel ativo que cada um de nós tem no desenvolvimento de sua saúde.

Essa informação tem que ser complementada com as exigências da vida cotidiana na escola, garantindo-se o desenvolvimento de hábitos alimentares, de descanso, de higiene, etc., adequados.

Junto a isso, a escola tem um papel importante no desenvolvimento de uma personalidade saudável. Junto à transmissão de conhecimentos e mesmo através destes, a escola deve ser uma via essencial para o desenvolvimento de importantes aspectos da personalidade que, como reportaram múltiplas pesquisas, têm uma relação estreita com a saúde do homem.

Assim, o desenvolvimento de um sólido sistema de interesses, de uma forma flexível de enfrentar os problemas, da capacidade para tomar decisões, da segurança em si mesmo, de uma autoavaliação adequada, são, entre outros indicadores, aspectos psicológicos que evidenciaram um papel importante no desenvolvimento da saúde humana.

A educação desses importantes aspectos da personalidade está vinculada, tanto ao ensino propriamente dito , como ao sistema integral de exigências, relações e atividades em que o educando se envolve em sua vida escolar.

No processo de ensino deve-se educar a orientação para a formação de critérios próprios sobre as coisas, a aprender a defender estes, a ser capazes de expressar o aprendido com palavras próprias, deve-se educar a capacidade de formar perguntas, ou seja, estimular a aproximação ao conhecimento através de julgamentos e reflexões, evitando a memorização. O desenvolvimento dessas operações estimula a autonomia, a eliminação do medo, a segurança, a flexibilidade, o ímpeto de busca, aspectos personológicos que caracterizam a personalidade saudável.

Algo que demonstramos em nossas pesquisas anteriores, é o quão prejudicial para a personalidade é o desenvolvimento de sistemas valorativos sobre o jovem apoiados em orientações externas, nos quais algumas crianças são sempre elogiadas, sem nenhuma orientação crítica, enquanto outras são sempre relegadas, subestimadas e, em ocasiões, explicitamente rejeitadas.

O mais interessante desse sistema de avaliações externas sobre a criança é que ambos os extremos são igualmente nocivos para o desenvolvimento de uma personalidade saudável, levando a formas inadequadas de autoavaliação, em alguns casos por superavaliação e em outros por subavaliação, mas cujos efeitos são similares no desenvolvimento de insegurança, ansiedade e outras formas inadequadas de manifestação da personalidade, muito associadas à sua vulnerabilidade ao estresse psicológico.

A escola deve criar toda uma cultura dos educandos para suas relações pessoais, as crianças e jovens devem aprender a se comunicar, deve-se fomentar o diálogo, estimular a capacidade de se colocar no lugar do outro. A educação moral deve enfatizar a necessidade de ser autênticos, de que os educandos saibam assumir seus sentimentos e suas decisões, que saibam expressá-los e defendê-los. A educação moral deve se desenvolver através da reflexão e de atividades que exijam os princípios e qualidades que se pretendem formar.

A escola deve eliminar todo mecanismo declarativo que conduza a repetir coisas que o jovem não vê sentido, ou o desenvolvimento de atividades formais que este sente como totalmente alheias a ele.

O social deve ser cultivado na educação através de um desenvolvimento rico da individualidade, através de formas diversas de assumir esses valores por cada indivíduo concreto, apesar da consciência estratégica entre eles. Esse caminho conduz à evitação de qualquer forma de alienação entre o social e o individual, fator que gera uma enorme tensão psicológica no homem.

A formação da personalidade não pode ser um processo espontâneo, que em muitas ocasiões fica no vazio de uma adequada consigna, mas um processo organizado e orientado que, através de ações e formas concretas, também pode ser projetado e avaliado.

Todos esses aspectos educativos de indiscutível importância para o desenvolvimento da personalidade do estudante só podem ser desenvolvidos através de uma comunicação adequada deste dentro da vida escolar, tanto com seus colegas quanto com seus professores, em uma atmosfera onde prevaleçam a confiança e a segurança, elementos essenciais para o bom trabalho da instituição escolar.

A educação exige tanto do contato grupal quanto do individualizado do professor com o aluno, o que implica objetivos a serem alcançados tanto no nível do grupo quanto de forma diferenciada com os diferentes estudantes que educa.

Em cada nível de ensino, devem ser diferenciados os alunos que entram com os requisitos necessários, daqueles que chegaram a esse nível com um déficit, cuja origem pode estar em qualquer um dos sistemas de relação social nos quais participa. Os alunos que chegam com déficit devem ser objeto de uma atenção individualizada, que evite o desenvolvimento neles de recursos defensivos que afetam o desenvolvimento normal de sua personalidade.

O trabalho da escola deve se relacionar de forma estreita e permanente com o trabalho da família, para o qual é necessário o diálogo permanente entre ambas, que não pode ter simplesmente um caráter informativo sobre os resultados docentes, mas instituir uma verdadeira reflexão sobre o desenvolvimento da personalidade da criança ou jovem. Os aspectos qualitativos da formação da personalidade na escola guardam uma relação estreita com a formação da saúde nesta instituição.

Finalmente, a organização escolar deve prever espaços que permitam a expressão da iniciativa dos educandos na realização de diferentes tipos de atividades: A posição da criança como sujeito de seu próprio processo educativo é essencial para o desenvolvimento de uma personalidade saudável.

Centro de trabalho: O centro de trabalho é a instituição social onde o adulto vai desenvolver sua atividade produtiva-profissional ao longo de sua vida. O interesse e a satisfação no desempenho desta atividade terão um papel essencial no bem-estar emocional do adulto, o qual é um elemento essencial da saúde humana.

Com a atividade produtiva profissional, desenvolvem-se os mais importantes projetos da vida adulta. Nela, o indivíduo canaliza seus interesses profissionais e, por sua vez, por meio dela, vai expressando outro conjunto importante de aspirações pessoais, relacionadas com seu nível de vida, seu status, etc.

A atividade laboral não tem características idênticas em todas as esferas da atividade humana. Há atividades mais criativas, mais ativas que outras, apresentando-se também nesta, atividades extraordinariamente monótonas e fatigantes.

Os diferentes tipos de atividade laboral exigem realmente regimes e formas diferentes de realização laboral, assim como sistemas diferenciados de estímulos. A atividade que, por si mesma, por suas próprias características objetivas, é repetitiva, monótona e mecânica, exige estímulos externos aos propiciados por sua própria execução, os quais terão um papel importante na organização da motivação individual para as mesmas.

É indiscutível que a organização do trabalho tem uma importante repercussão no bem-estar laboral experimentado pelo homem, assim como nos sistemas de relações que coexistem no centro de trabalho, os estilos de liderança, etc., mas os objetivos deste livro não nos permitem estender-nos nestas considerações.

No entanto, acreditamos ser imprescindível deter-nos na consideração de um conjunto de fatores que se vinculam diretamente ao bem-estar emocional do homem em sua realização laboral, os quais, ao não funcionarem adequadamente, podem ser geradores de estresse. Esses fatores não constituem um sistema de unidades parciais e isoladas que de forma unilateral determinam o estado emocional do trabalhador. Pelo contrário, eles configuram um sistema que integralmente resulta definidor no estado emocional do trabalhador.

Os fatores que consideraremos neste capítulo de maneira alguma esgotam o tema, entre eles temos os seguintes:

a) Forma de gestão da atividade laboral

O desenvolvimento das relações entre o pessoal dirigente e subordinado é um dos fatores que mais influenciam o bem-estar emocional dos trabalhadores em um centro de trabalho. Relações adequadas entre esses fatores estimulam a segurança, a confiança e o sentimento de unidade e integração dos trabalhadores.

O trabalhador, como qualquer pessoa, deve sentir que sua opinião é respeitada, que ela tem importância para quem o dirige, e que ele ou ela, na sua condição de trabalhador, não é simplesmente um operador frente a um posto concreto, mas membro de um coletivo onde participa ativamente.

A comunicação é uma condição essencial nas relações de gestão, especialmente em um sistema como o nosso, que se baseia, fundamentalmente, em valores e estímulos de tipo moral.

O estilo autoritário de gestão, onipotente, centrado na equipe que dirige, sem vínculo real com os trabalhadores, conduz ao formalismo, à dupla moral e a outros fenômenos extremamente negativos que se tornam agentes de mal-estar para os trabalhadores.

Os sentimentos de ser necessário, valorizado, de que outros se preocupam por nós, são elementos fundamentais do bem-estar emocional do indivíduo em qualquer coletivo.

Os estudos institucionais na esfera laboral devem levar em conta as formas organizativas que facilitam um estilo de gestão aberto e participativo, com vistas a testá-lo em diferentes centros de trabalho. Neste estilo de gestão, os fins sociais do centro de trabalho são constantemente potencializados pela ação e a iniciativa individual dos membros do coletivo.

A dinâmica formal da vida laboral, que é a antítese do estilo participativo, caracteriza-se por:

1. Orientação absoluta ao cumprimento.

2. Carência de iniciativas individuais vinculadas à instituição e ao próprio processo laboral.

3. Correntes subterrâneas de opiniões e rumores daninhos ao clima moral do coletivo.

4. Apatia ante as novas ideias e projeções.

5. Falta de pertencimento ao centro de trabalho, reforçamento de posições individualistas orientadas somente à função que cada um tem que desempenhar.

6. Absoluto descuido pelo ornato e pelas condições físicas do centro.

Quando esses índices aparecem em uma dinâmica laboral, esta se transforma em um verdadeiro “câncer social” da instituição, assim como o bem-estar emocional de quem a integra.

No plano individual, esta situação provoca irritabilidade nos trabalhadores, ausência de interesses, falta de projeção futura, insegurança e outros fatores extremamente danosos por seu sentido na aparição de distresse emocional.

b) Caráter da tarefa a desenvolver

É indiscutível que as atividades laborais concretas diferem pelo seu sentido psicológico para o homem.

As atividades que são monótonas, repetitivas, que não requerem da superação individual, nem da iniciativa do trabalhador, são iniciativas muito mais estressantes, do que aquelas onde o indivíduo se sente permanentemente em desenvolvimento e que exigem de sua superação e sua iniciativa.

É por isso que o regime de trabalho deve ser estudado levando em conta as características do próprio desempenho da atividade em questão. Devem ser considerados fatores como a fadiga, a carga tensional que a atividade produz e outros, para orientar os intervalos que devem existir, assim como o tipo de atividade que nestes intervalos devem ser desenvolvidas.

O descanso nem sempre é sinônimo de improdutividade. O regime de trabalho e descanso deve ser cientificamente analisado e avaliado pelos resultados da produção e pela satisfação e bem-estar do próprio trabalhador. Em algumas ocasiões, um descanso mal planejado conspira contra a eficácia laboral e contra a saúde do trabalhador.

As investigações do regime laboral e seus efeitos sobre a saúde ainda são escassas em nosso país.

c) Condições físicas do centro de trabalho

Os aspectos físicos em que o homem desenvolve sua atividade o afetam, mesmo à margem de sua própria vontade. Creio que para todos os investigadores sociais em nosso país, está claro que pelo nível atual de nosso desenvolvimento econômico é impossível desenvolver em todos os centros e empresas as condições objetivas ótimas para a atividade laboral, no entanto, esta realidade não pode se traduzir em uma postura burocrática e inerte, que, invocando este fato real, o transforme em um escudo político para suas deficiências e falta de iniciativa.

A gestão de qualquer centro de trabalho tem a responsabilidade de lutar incansavelmente por obter condições laborais mínimas que estimulem o trabalhador. Assim, a organização de um refeitório bonito e acolhedor, de uma sala de descanso com música, a presença de jogos de mesa no centro e muitas outras iniciativas, estão ao alcance de qualquer administração, no entanto, em muitas ocasiões vemos que não há uma verdadeira preocupação com esses aspectos.

Em ocasiões vemos como em trabalhos que exigem do operário temperaturas mais quentes que as normais, as geladeiras se passam quebradas meses, sem nenhuma solução alternativa.

O nível de consciência do trabalhador não pode ser tensionado para levá-lo a compreender o inexplicável, pois quando fazemos isso conspiramos contra o sentido do valor político que defendemos.

É indiscutível o dano à saúde que criam as condições inadequadas de trabalho, que vão desde a toxicidade até a diminuição do estado anímico e motivacional, o qual é causador de distresse por déficit de sentido psicológico na realização de algo.

d) Sistemas de medidas especificamente dirigidas à saúde.

Os sistemas de medidas orientados à saúde são de tipo muito diferente, havendo alguns de caráter geral, necessários para qualquer tipo de atividade laboral, e outros mais particulares, definidos pelas próprias exigências de um tipo ou outro de atividade laboral. Entre as medidas mais particulares, temos as de proteção, as quais, por regra geral, estão determinadas pelas características concretas da atividade que o trabalhador desempenha.

As medidas de higiene, embora influenciadas pela atividade particular, têm um conjunto de características que são gerais ao desempenho de qualquer tarefa. No entanto, há muitas outras medidas que, vinculadas à prevenção de fatores de risco de doenças tão estendidas no país como as cardiovasculares, ainda não são suficientemente consideradas nas instituições laborais.

Neste momento, faz-se um enorme esforço no país no campo da prevenção laboral, com a criação do médico na fábrica, o qual pode se tornar um importante promotor de saúde na instituição laboral.

O médico na instituição laboral deve ter claro que sua função essencial é social, preventiva, mais que especial, estando dentro de suas responsabilidades concretas, a análise do regime laboral, estimular uma cultura de saúde entre os trabalhadores, zelar pelo desenvolvimento de uma atmosfera laboral saudável, discriminar pessoas de alto risco, de forma diferenciada para diferentes doenças, etc. O médico deve trabalhar nos centros laborais que assim o permitam, em uma estreita relação com psicólogos, engenheiros industriais e outros profissionais muito vinculados ao fator humano na instituição laboral.

Uma tarefa essencial de tipo preventivo no centro laboral é o controle da pressão sanguínea, inclusive em condições de desempenho laboral, também é de vital importância o controle dos lipídios naqueles setores que desempenham suas funções sob condições de elevada tensão psicológica.

É necessário nos centros de trabalho uma política diferenciada com as pessoas que sofreram infartos do miocárdio, as quais, uma vez restabelecidas, não são adequadamente atendidas, nos marcos de sua atividade laboral.

Deste déficit são conscientes os próprios trabalhadores, assim, em uma carta que recebemos depois de ter sido publicada uma entrevista que me fizeram a propósito deste tema na seção sobre Saúde, do jornal Trabalhadores, me expressava: “Em meu centro de trabalho existem várias comissões com fins preventivos para diversos frentes , tais como: comissão de economia de energia, matéria-prima, etc. … mais adiante pergunta. Porque não constituir então uma comissão ou designar um colega, que informe ao local que se estime conveniente a ocorrência de um infarto em cada centro de trabalho?”

A preocupação deste trabalhador está relacionada, como explica mais adiante em sua carta, à falta de compreensão que em ocasiões existe com pessoas que sofreram um infarto, o que requer sinalizando: “há pessoas que sutilmente acusam o infartado de tê-lo buscado ele mesmo”. Esta afirmação é muito ilustrativa, enquanto muitas vezes se produz em torno ao infarto uma atmosfera de pressão social que, mais do que ajudá-lo, cria uma série de pressões subjetivas que é necessário eliminar.

As medidas específicas dirigidas à saúde devem estimular o aumento da cultura geral de saúde do trabalhador, orientando seus hábitos alimentares, os aspectos referidos ao regime de descanso, o fumo, etc., e, por sua vez, criando condições no centro de trabalho para a realização de descansos produtivos aos fins da saúde.

Destacamos algumas condições importantes da instituição laboral que intervêm na saúde, embora este seja um amplo complexo campo que está aberto à investigação e à prática profissional, sobre o qual devemos dispor de muitos mais resultados de pesquisa nacional nos anos futuros.

A saúde como indicador do desenvolvimento social. Aspectos epidemiológicos do prognóstico social.

A saúde humana, como definimos desde o início deste livro, tem uma natureza social, o que não significa que sua expressão não seja orgânica. No entanto, nas condições atuais, a existência biológica do homem está mediada por inúmeros fatores sociais, que vão desde a cultura alimentar até formas políticas que permitem ou não um acesso massivo da população aos aspectos da saúde.

Os enormes avanços da ciência e da técnica desenvolveram poderosamente a indústria farmacológica e provocaram uma verdadeira cisão no comportamento de saúde do mundo; de um lado, existem um conjunto de países desenvolvidos que alteraram radicalmente seu quadro epidemiológico, mantendo-se outra parte do mundo com um quadro epidemiológico semelhante ao existente há 50 anos.

As transformações da ciência e da técnica não foram acompanhadas, para uma maioria importante de países, de mudanças políticas e sociais que garantam o acesso massivo da população aos meios de saúde.

No entanto, o desenvolvimento da ciência e da técnica não pôde eliminar a doença, transferindo o peso, tanto em sua etiologia quanto em seu tratamento, dos aspectos biológicos para aspectos sociopsicológicos.

Nesse sentido, o desenvolvimento contínuo da sociedade humana gera simultaneamente novos pontos de vulnerabilidade do organismo humano e novas combinações etiológicas para a doença, nas quais os agentes contagiosos, bacterianos e virais, cedem seu lugar a formas complexas de vida que alteram o funcionamento biológico do homem.

Assim, a saúde torna-se um importante indicador do funcionamento social, sendo o quadro epidemiológico um reflexo das contradições e fatores que afetam o homem em uma determinada sociedade. É por isso que a saúde não pode ser alheia às investigações sociais, sendo, pelo contrário, um dos pontos nodais em que poderiam ter uma leitura integral muitos resultados parciais das ciências sociais.

A saúde é uma esfera convergente dos resultados de pesquisa de áreas muito diversas, os quais devem ser organizados em diferentes níveis de explicação e de organização conceitual desta esfera da vida, sem hipertrofiar nenhum deles.

Uma disciplina que adquire uma relevância particular para a articulação das ciências sociais com a medicina, a biologia e outras ciências no estudo da saúde é a epidemiologia.

A epidemiologia, de uma ramificação descritiva, passou a ser uma importante ramificação explicativa das condições e fatores que atuam na aparição e desenvolvimento das doenças humanas, enfatizando cada vez mais o uso de métodos qualitativos com amostras pequenas, as quais, ao serem exploradas intensivamente, são uma fonte muito mais real para estudar as etiologias causais do que as grandes amostras descritivas.

Particular importância dentro deste campo teve, desde meados da década de 70, a epidemiologia social, referente aos aspectos sociais e psicológicos da origem das doenças.

O nexo entre sociedade e doença é extremamente complexo, pois implica as formas de funcionamento das instituições sociais, dos grupos formais e informais, dos diferentes sistemas de inter-relação do homem, tanto os personalizados quanto com os meios de difusão massiva, as tradições, formas de consciência social, etc., todas as quais se inter-relacionam simultaneamente de formas muito diversas, definindo múltiplos sentidos psicológicos para o homem.

O próprio funcionamento dos órgãos de direção da sociedade imprime uma lógica a todos os processos sociais desta, que também se traduzem na saúde humana.

Por outro lado, o nível de desenvolvimento do indivíduo, de sua personalidade, os recursos com que conta para se integrar nos sistemas de exigências derivados das instâncias sociais acima enumeradas, são decisivos no sentido e no efeito de suas relações para sua saúde.

No entanto, compreender e seguir a lógica das diferentes formas em que a saúde evidencia e reflete a sociedade em que o homem vive é uma tarefa extremamente complexa e impossível de reduzir a um desenho concreto de pesquisa empírica. Essa tarefa, objetivo essencial da epidemiologia social, implica nutrir-se dos resultados parciais de diferentes ciências sociais, entre elas a psicologia e a sociologia, e, através desses resultados, desenvolver sínteses e explicações teóricas, suscetíveis a desenhos multidisciplinares cada vez mais complexos, embora sem pretender uma relação linear entre resultados concretos e elaborações conceituais, o que dificultaria muito, ou talvez tornasse impossível, a revelação dos nexos múltiplos e simultâneos entre sociedade e saúde.

Em muitas ocasiões, a sociedade como sistema nos escapa na multiplicidade de desenhos parciais com que abordamos a realidade, sendo bastante tímidos na elaboração de generalizações possíveis sobre o universo de resultados disponíveis.

O desenvolvimento da epidemiologia social necessita utilizar e orientar os mais diversos resultados de pesquisa de disciplinas afins para a explicação da etiologia das doenças. Nesse sentido, vão se integrando em diferentes lógicas os diferentes sistemas de inter-relação do homem e os próprios níveis de desenvolvimento deste em cada sociedade concreta.

Um mesmo resultado ou sistema de resultados da pesquisa concreta pode ter sentidos diferentes de acordo com o que se pretende explicar e dos sistemas de outros resultados em que se pretende descobrir seu sentido teórico. Assim, uma pesquisa de psicologia pedagógica que revela as dificuldades no aprendizado de crianças rígidas e estereotipadas pode ser muito relevante à psicologia social, ao tentar revelar como se configuram esses aspectos personológicos na vida social da criança, e muito úteis à psicologia da saúde, se esses aspectos aparecem como psicologicamente significativos, por exemplo, na hipertensão.

Em nosso país evidencia-se uma tendência crescente das doenças associadas ao estresse psicológico, assim, segundo dados de R. Pérez Lorelle (1989), as primeiras causas de morte no país no período compreendido entre 1970 e 1984, comportaram-se da seguinte maneira:

Como bem aponta o autor, “na etiologia das mesmas, o momento psicológico desempenha um papel importante, […] e na profilaxia e tratamento e na recuperação dos danos causados por elas, são comumente necessárias mudanças no modo de vida das pessoas e, portanto, implica também determinada ação psicológica” (p. 75, 1989).

A explicação causal para essas mudanças no quadro epidemiológico do país deve orientar-se para uma séria pesquisa epidemiológica social, que nos permita desvendar os aspectos do modo de vida e das formas de comunicação que o caracterizam, que realmente constituem elementos de estresse para a população.

É inquestionável que a própria situação social, onde se refletiram profundas mudanças revolucionárias durante trinta anos, implicando um esforço tenso no caminho da nossa autodeterminação frente a enormes pressões externas, unido às dificuldades que isso gera, é por si uma situação estressante em escala social, no entanto, seríamos simplistas se reduzíssemos a isso todo o sistema de causas que provocam o estresse.

Eu diria, embora nisso vamos nos deter no próximo capítulo, que o estresse está, acima de tudo, relacionado com elementos do sistema de comunicação nas diferentes inter-relações nas quais o homem simultaneamente participa. Gera muito mais estresse a falta de afeto, os padrões agressivos de relação, a insegurança, a indiferença e outras manifestações do homem que se expressam em sua comunicação, do que viver de forma estreita, embora claro, isso seja um dos fatores objetivos que favorecem as manifestações antes mencionadas.

Os dados de nossos trabalhos nos revelam uma exagerada necessidade de ficar bem diante dos outros nos sujeitos hipertensos e infartados, a qual denominamos como determinismo externo, em oposição à autodeterminação, assim como uma grande insegurança para assumir decisões próprias, fatores esses que, sem dúvida, geram uma grande tensão psicológica. No entanto, a pesquisa sobre as causas que geram isso, sobre os efeitos não desejados, nem previstos das formas de nossa vida social, ainda estão ausentes na pesquisa.

Aprofundar-se no campo da epidemiologia social implicou uma reavaliação na forma de conceber o social na etiologia e desenvolvimento das doenças, enfatizando-se a origem não específica das doenças, assim como o papel do indivíduo no efeito do agente agressor externo, no qual muitos pesquisadores concordam.

O autor francês M. Renaud escreve: “nossa forma habitual de ver a doença está profundamente matizada pela visão de que a cada doença deveria corresponder uma única causa, ou pelo menos uma cadeia causal precisa. Essa visão, no entanto, não permite compreender a origem da maioria das doenças crônicas que a população padece”. (8, 1987).

As pesquisas orientadas para uma relação linear de causa-efeito respondem mais à epidemiologia descritiva, onde essas relações são estabelecidas por correlações estatísticas, no entanto, não descobrem os mecanismos pelos quais um elemento ou conjunto deles se transformam realmente em agentes da doença.

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Bruno Bianchi
Kátharsis

Pai. Psicólogo e especialista em gestão pública. Tradutor e militante do PCB