Estudantes se preparando para um teste (1864), por Ilya Repin

S. L. Rubinstein — O Princípio da Auto-Atividade Criadora (1922)

Bruno Bianchi
Kátharsis

--

Publicado em Rubinstein, S. L. Printsip tvorcheskoi samodeiatelnosti (K filosofskim osnovam sovremennoy pedagogiki). In: Voprosi Psikhologi, n. 84, 1986, pp. 101–108. Tradução por Bruno D. Bianchi.

Para baixar o arquivo em versão PDF, clique aqui.

“Diga-me, Sócrates, a virtude pode ser aprendida?” — O Menon de Platão começa com esta pergunta, e este é o mesmo tema de Protágoras. A resposta negativa que o Sócrates de Platão dá a esta questão torna-se particularmente paradoxal devido ao fato de esta tese se combinar com outra, segundo a qual a virtude é conhecimento, e se apoia no conhecimento: a virtude é conhecimento, e ao mesmo tempo a virtude não pode ser ensinada. O conhecimento em si também não é ensinável — mesmo que por ensino entendamos a transferência e recepção mecânica em forma pronta da “sabedoria” apresentada. O caráter paradoxal da tese inicial revela assim a necessidade de uma definição diferente do próprio conceito de ensino e uma reforma da relação que ele expressa. Nas fórmulas platônicas: o conhecimento não se transmite como se fosse derramado de um recipiente para outro (Banquete 175D); aprender significa encontrá-lo em si mesmo (Teeteto, 150D), dominar o próprio conhecimento de si mesmo (Fédon, 75F). O mais novo movimento na pedagogia levou ao renascimento desta posição da pedagogia socrático-platônica. O ensino é concebido como uma investigação conjunta: em vez de uma comunicação dogmática e recepção mecânica de resultados acabados, há uma travessia conjunta do caminho de descoberta e investigação que leva a esses resultados. O sistema, que se baseava na percepção passiva dos resultados acabados, na cópia de determinados modelos, uma mera receptividade inativa e infrutífera, deve ser substituído por um sistema cuja base e objetivo seja o desenvolvimento da auto-atividade criadora [tvorcheskoi samodeiatelnosti]. A pedagogia moderna busca construir o processo e todo o sistema educacional com base na auto-atividade criativa do sujeito. A legitimidade desta tentativa e, portanto, o destino da pedagogia construída sobre o princípio da auto-atividade criativa depende, no entanto, da solução de um problema filosófico radical. Este artigo é dedicado ao esclarecimento desse problema.

Por mais significativa que seja a divergência de diferentes pensamentos e sistemas em geral nas principais questões da filosofia, na questão da relação entre o conhecimento e seu objeto, que determina o verdadeiro conhecimento, uma visão dominante se destaca clara e definitivamente. Já a primeira distinção de reflexão entre representação subjetiva, aparência, ilusão e o que é reconhecido como um ente objetivo, coisa, ser, aplica e revela claramente esse critério, que então funciona como um princípio definidor através dos conceitos epistemológicos de vários sistemas filosóficos. A consciência ingênua reconhece o mundo das coisas que nos rodeiam como um mundo objetivo, porque, sendo dado na percepção sensorial, aparece-nos quando, vivendo e agindo, o encontramos, pronto sem nós e independentemente de nós: ele nos é dado, nós não o criamos; nós o vivenciamos como uma experiência, ele é percebido por nós, ou seja, como se fosse aceito passivamente, e não construído[1] — em uma palavra, é independente de nós. A objetividade do ser baseia-se na sua independência do conhecimento. Todo o desenvolvimento posterior dos sistemas realistas consistiu no fato de que a linha de demarcação traçada de acordo com este critério foi movida cada vez mais longe: uma esfera cada vez maior de conteúdos revelou sua dependência do sujeito da consciência e, consequentemente, a esfera do ser objetivo moveu-se para cada vez mais longe. Primeiro, a linha é demarcada na esfera das qualidades sensoriais: quando o condicionamento subjetivo de algumas delas é revelado, elas, como qualidades “secundárias”, são separadas das “primárias”, as únicas que se relacionam com o ser objetivo (Locke). Quando se descobre então que as qualidades primárias são igualmente pouco independentes do sujeito (Berkeley), o ser, cuja objetividade é determinada pela sua independência, recua ainda mais. É assim que os conceitos de matéria, substância e absoluto transcendental são criados sistematicamente. Assim, o conteúdo atribuído ao ser varia, mas o critério, o princípio que o determina, permanece inalterado. Mas se o ser, na sua relação com o conhecimento, é determinado pela sua independência dele, então o conhecimento, na sua relação com o ser, o objeto do conhecimento, deve ser determinado pela sua receptividade. O positivismo formula esta tese com particular clareza. Ele identifica fundamentalmente o ser com o dado, e o conhecimento com a recepção deste dado. O princípio básico do empirismo, segundo o qual o verdadeiro conhecimento se encontra apenas na experiência, na percepção do que é dado na contemplação sensorial, é apenas um caso especial de um princípio mais geral. Se o empirismo limita o ser à experiência sensorial, o faz apenas porque assume que só a sensibilidade é pura receptividade, e apenas o conteúdo que a confronta é um dado imediato. Mas o princípio subjacente em nome do qual o empirismo faz esta limitação é ele próprio mais amplo; permanece inalterado se o conhecimento é definido como contemplação sensorial, intelectual ou mística, uma vez que a contemplação em geral significa: o dado imediato do ser. A objetividade do conhecimento baseia-se na independência do seu objeto em relação ao conhecimento. A tarefa geral do conhecimento, que quer sempre saber o que é, como é, resume-se ao princípio: aceitar o que é dado, como é dado. Aceitar o ser em sua forma dada, tomar o objeto de conhecimento no conteúdo que é dado, ou seja, não contribuir com nada de si mesmo — parece que isso significa aceitá-lo inviolavelmente, reconhecendo-o no seu ser verdadeiro e imediato. E, portanto, parece evidente que conhecer o ser como ele é significa precisamente reconhecer o que é dado, a forma como é dado. Neste caso, o verdadeiro conhecimento, por sua própria definição, é pura receptividade.

No entanto, se os sistemas objetivistas definem o ser objetivo como independente da consciência, então os sistemas do idealismo subjetivo procedem e pressupõem-no, e é nele que baseiam a sua crítica subjetivista do ser, que, destruindo-o, transforma o ser no conteúdo da consciência, o mundo na representação do sujeito.

O esquema geral de tal construção aparece de forma especialmente clara no idealismo transcendental de Kant. A tese principal do idealismo transcendental afirma que toda existência acessível ao conhecimento é apenas “fenômenos”, ou seja, apenas ideias que, fora do nosso pensamento, “não têm existência substanciada em si mesmas”[2]. Esta posição, que faz do ser, objeto de conhecimento, uma função derivada do pensamento que o fundamenta, é a conclusão a que chega a análise de Kant. A questão é: de que objeto foi derivada? A partir de que conceito de ser procede a análise que, em última análise, conduz ao idealismo transcendental? Kant limita o ser aos limites da experiência sensorial. “Os objetos são dados pela sensibilidade”[3], diz Kant, “e somente dessa maneira”, observa ele, “eles podem ser dados a nós”. Se a capacidade de dar objetos e de ter o próprio objeto como seu conteúdo é uma propriedade exclusiva da sensorialidade, então essa prerrogativa deve estar na própria natureza da sensorialidade e encontrar sua justificativa em suas características distintivas. Kant define sensorialidade como receptividade[4], ou seja, como a capacidade de percepção passiva[5]. O objeto é dado apenas na percepção dos sentidos. A característica exclusiva da sensorialidade é sua receptividade. Consequentemente, um objeto existe somente onde há receptividade por parte da cognição e, portanto, por parte de seu conteúdo, sua independência do conhecimento. Dessa forma, o ser é identificado com o dado. A questão da existência de uma coisa está ligada exclusivamente à questão de “se tal coisa nos é dada”[6]. Assim, o ser, a partir do qual a análise de Kant procede, é o dado da experiência sensorial, cujo conteúdo é “dado antes da síntese da razão e independente dela”[7] e a noção de objetividade, que define para ele o sujeito do conhecimento, é a ideia negativa do ser independente da cognição. Ao começar a analisar criticamente o ser, Kant precisa descobrir e definir seu conteúdo. Ocorre que o conteúdo da experiência sensorial é definido como uma variedade de dados sensoriais. Mas essa variedade de dados revela em sua configuração a existência de várias relações e conexões entre seus conteúdos, que os unem em complexos e os combinam para formar a unidade do objeto. Entretanto, essas conexões entre os conteúdos do dado não são, elas próprias, os conteúdos dados. “Conexão”, diz Kant, “é a única representação que não pode ser dada por um objeto[8] e não pode ser percebida nele”. Qualquer relação unificadora contém necessariamente um elemento de construtividade e, portanto, não pode ser atribuída ao dado. Assim, tudo o que é dado na experiência é um complexo de conteúdos, cujas relações e a conexão entre eles não são, em si, os conteúdos do mesmo complexo. A variedade da contemplação sensorial é dada, e as relações entre esses conteúdos dados estão fora do dado. O dado não pode, portanto, em seu próprio conteúdo, ser fechado em um todo completo e, portanto, independente. Ele pressupõe mais do que contém em si mesmo e, portanto, se coloca fora de seu próprio conteúdo, torna-se dependente de algo externo a ele e, assim, revela sua não autossuficiência. Portanto, ele deve ser justamente reconhecido como um fenômeno que “não tem existência fundamentada em si mesmo”[9]. Ele é reconhecido como carente de uma existência fundamentada em si mesmo porque não é autossuficiente, e acaba sendo não autossuficiente em seu conteúdo precisamente porque foi assumido como independente, ou seja, não inclui o conteúdo construtivo do conhecimento. O subjetivismo ao qual a filosofia crítica chega é, portanto, o resultado daquela noção negativa de objetividade com a qual o objetivismo dogmático opera e que, como se vê, pressupõe uma crítica subjetivista que postula a objetividade da qualidade independente do dado. A independência, no sentido de dado, é para o objeto uma relação puramente externa e negativa com outra coisa, com o sujeito do conhecimento, que não determina a relação positiva de seus conteúdos entre si; portanto, o dado, não criado, percebido, construído, nesse sentido, independente da cognição, pode ser não autossuficiente em seu conteúdo, naquilo que é. A independência, na qual se busca o critério da objetividade, é apenas uma expressão negativa da autossuficiência. O que é autossuficiente é uma totalidade de conteúdos, todas as relações entre seus elementos são elas mesmas elementos da mesma totalidade, de modo que se fecha em um todo completo, cada elemento do qual é absolutamente determinado dentro dos limites do mesmo todo. Esse todo, então, não tem premissas fora de si mesmo; todas as suas premissas estão incluídas no próprio sistema, e esse sistema tem “em si mesmo uma existência justificada”. A objetividade deve, portanto, ser buscada não na independência de outra coisa, não nessa relação objetiva negativa e puramente externa ao conteúdo, mas na completude de seu próprio conteúdo, e a objetividade de qualquer complexo de conteúdos deve ser determinada pelas relações entre os elementos do mesmo complexo. O que é objetivo não é o que é dado, mas o que é completado.

Essa ideia abstrata de um sistema, em que cada elemento é bem definido dentro do mesmo sistema, pode ser explicada comparando-a com a perfeição da forma de uma obra artística. Quando, ao nos familiarizarmos com uma obra de arte, por exemplo, ao ler um romance, encontramos nela características das personagens que o autor dá de si mesmo, sempre sentimos isso como uma imperfeição da forma artística. Gostaríamos que o caráter de cada personagem fosse revelado a partir de suas relações com outros personagens na mesma obra, e que ele fosse, portanto, determinado por suas relações dentro do mesmo conjunto artístico. Então os personagens vivem sua própria vida, então — e não quando são uma cópia de algo dado, reproduzido como foi percebido — eles são uma realidade independente. A obra artística torna-se, então, um todo completo; na completude de seu conteúdo, é criado um “mundo” autossuficiente da obra artística. Quanto mais perfeito for o trabalho artístico, mais completo será o todo, mais autossuficiente será o “mundo” que ele representa. Portanto, quanto mais significativa for a atividade criativa do artista que a criou, mais autossuficiente será o todo de sua criação […]. A objetividade de qualquer conjunto de conteúdos não depende do fato de incluir algo que venha de mim e com o qual eu contribua ou não, portanto, não depende do fato de ser dado ou criado, percebido ou construído, mas do fato de se fechar em um todo independente e completo. Assim, o conflito entre objetividade e auto-atividade criativa é superado. Não só não há antagonismo entre elas, como a objetividade não só não exclui, como também inclui necessariamente um elemento de auto-atividade criativa. Não é sem razão que, quando eles procuraram o ser objetivo com base no critério de independência, não conseguiram encontrá-lo em lugar algum. Por mais que o realismo e o objetivismo em geral tentassem definir o ser, por mais que o empurrassem para uma esfera cada vez mais remota, o idealismo em todos os lugares o alcançou e triunfou sobre ele, provando que seu ser é verdadeiramente apenas o conteúdo da consciência, e seu mundo apenas minha representação dele.

O realismo e o objetivismo em geral, construídos sobre essa base, sempre se transformaram em dogmatismo, e o criticismo levou ao idealismo subjetivo. Ambos operavam com o mesmo conceito de ser e, com base nisso, criou-se um conflito irresolúvel entre eles. Não há e não pode haver percepção como uma forma de cognição que seria pura receptividade e à qual seria dado um ser objetivo, um todo autossuficiente. A receptividade, que só aceita o dado — algum conglomerado, isolado por um recorte aleatório através da esfera do ser — deve sempre contar com a possibilidade de não ter diante de si um todo autossuficiente, não um ser objetivo determinado pelas relações de seu conteúdo, porque a receptividade por parte do sujeito, correlativa à independência por parte do objeto, significa que o objeto é um dado externo para o conhecimento. Mas ele se torna externo ao conhecimento porque os elementos de seu conteúdo são externos uns aos outros e não estão incluídos uns nos outros. E isso significa que as relações que determinam o conteúdo de um determinado objeto estão fora desse objeto.

A receptividade, portanto, tem diante de si apenas “fenômenos” que não têm existência fundamentada em si mesmos; seu mundo é apenas minha representação. Em um todo independente, cada elemento deve ser determinado por suas relações dentro do mesmo todo. Esse todo é, por sua definição, construtivo […].

Assim, o conflito entre a objetividade e a construtividade do conhecimento é superado. O conhecimento objetivo não precisa ser a percepção ou a contemplação do dado imediato. E como a objetividade não consiste na recepção do dado, o reconhecimento da construtividade do conhecimento não leva a filosofia crítica, como fez Kant, ao subjetivismo, ao “idealismo transcendental”. Ainda assim, em uma concepção filosófica do conhecimento é reconhecido o elemento que é a expressão da cientificidade da ciência, incorporando seu espírito crítico: a pesquisa, que nunca é a recepção do dado, mas, ao contrário, a superação do dado, estabelecido antes da pesquisa em nome de novos resultados de pesquisa. O objetivismo não está condenado a ser dogmatismo, nem a filosofia crítica a ser subjetivismo […]. O objetivismo, que sabe o que é tal como é, não é passivismo, que aceita o que é dado como é dado.

Assim, a auto-atividade criadora ganha seu lugar no mundo. E a possibilidade de construir uma pedagogia em sua base não está excluída. Entretanto, o reconhecimento do significado pedagógico da auto-atividade criadora ainda contém pré-requisitos que exigem uma transformação radical da ideia generalizada da relação entre o sujeito e seus atos. De acordo com essa visão, que Kant consolidou dando-lhe expressão metafísica em sua doutrina do caráter inteligível, o sujeito é considerado o autor ou a fonte de seus atos, nos quais ele é revelado e manifestado. Dirigidos ao objeto que determinam e criam, os atos emanam do sujeito. Mas se o sujeito apenas se manifesta nas suas ações, e não é ele próprio criado por elas, então supõe-se que o sujeito é algo pronto, dado antes e fora das suas ações e, portanto, independentemente delas. Assim, o sujeito, como autor de suas ações, determina suas ações sem ser determinado por elas. Como ele apenas se manifesta nelas, e não é criado por elas, as ações não são determinantes na sua construção, não estão incluídas nela. A personalidade em toda a diversidade de suas manifestações não pode, portanto, ser unida em um todo internamente coerente. Ele se decompõe em dois componentes heterogêneos. O sujeito — aquilo que é “ele mesmo” na personalidade — permanece por trás das ações como suas manifestações: é transcendental a elas. Sua unidade se desintegra. Uma ação, não entrando na estrutura do próprio sujeito, perde sua ligação interna com ele. Ao perderem a conexão com o sujeito, as ações perdem a conexão entre si. A personalidade, no final das contas, é realmente apenas um “amontoado” (Bündel) de representações. O conceito transcendental de Kant, com suas consequências, retorna ao conceito empírico de Hume. Desastroso nas suas consequências, destruindo a unidade do indivíduo, este conceito é logicamente insustentável nos seus fundamentos. A unidade não é simplesmente excluída; pelo contrário, é assumida, mas não realizada. As ações são pensadas como relacionadas a um sujeito específico: são suas ações. Mas, não inserindo seu conteúdo na construção, na sua composição, não definem esse sujeito. Esta relação dos atos com ele não é levada para dentro dele, ou seja, em seu conteúdo. É assumido e afirmado, mas esta afirmação não se justifica, uma vez que esta relação pela sua própria natureza não pode ser estabelecida de forma objetiva, ou seja, a relação entre os atos e o sujeito, tomada em seu próprio conteúdo. Esta é a inconsistência lógica da transcendência — inteligibilidade do caráter — bem como de qualquer transcendência em geral, e não no fato de não ser um dado empírico sensorial. E esta é também a inconsistência do conceito popular de sujeito dado na contemplação sensorial, pronto antes e fora das ações, só se manifestando em suas ações, cuja estrutura a doutrina do caráter inteligível de Kant reproduz, dando-lhe apenas uma transcrição metafísica.

Assim, ver nas ações apenas manifestações do sujeito, negar seu impacto reverso sobre ele, significa destruir a unidade da personalidade. É claro que existem atos que não determinam o caráter de uma pessoa e não estão incluídos no todo em que a personalidade se encontra. Mas deve haver quem o construa; caso contrário, ela mesma não existiria. Assim, o sujeito em suas ações, em atos de sua auto-atividade criadora, não apenas se revela e se manifesta; ele é criado e determinado neles. Portanto, o que ele faz pode determinar o que ele é; a direção de sua atividade pode determiná-lo e moldá-lo. A possibilidade da pedagogia, pelo menos da pedagogia em amplo sentido, reside apenas nisso. As grandes religiões históricas compreenderam e souberam apreciar esta força determinante de ação. E a religião nada mais era do que uma tentativa, através da organização de certas ações, de gerar um estado de espírito correspondente. Mas o conceito de absoluto, no qual as religiões históricas se basearam até agora, era pouco conciliado com a participação real do ser humano na atividade criativa do absoluto. Portanto, as ações que deveriam servir como veículos da influência divina sobre o ser humano só poderiam ser atos simbólicos: como atos eram puramente fictícios. A imagem do ser humano é definida pela organização não de simbolizações e da emulação de atividades, mas por atividades criativas reais — aqui reside o caminho e a tarefa da pedagogia. Uma atividade que determina o objeto sobre o qual é realizada também determina o sujeito que a produz; em seu trabalho sobre o objeto, ele define não só o objeto, mas também a si mesmo. A individualidade de um grande artista não só se manifesta, mas também se cria no processo criativo. Esta é geralmente a característica distintiva de tudo que é orgânico: enquanto funciona, o próprio organismo se forma. Ao criar a sua obra, o artista cria assim a sua própria individualidade estética. No ato criador, o próprio criador é criado. Somente na criação […] de um todo ético e social é criada uma personalidade moral. Somente na organização do mundo dos pensamentos se forma um pensador; na criatividade espiritual, se cria uma personalidade espiritual. Só existe uma maneira — se é que existe uma maneira — de criar uma grande personalidade: um grande trabalho numa grande obra. Uma personalidade é tanto mais significativa quanto maior for a sua esfera de ação, o mundo em que vive, e quanto mais completo for este último, mais completo ele próprio é. Por um mesmo ato de auto-atividade criadora, criando a si mesmo e so mundo, uma personalidade é criada e definida apenas ao ser incluída em seu todo abrangente. Individualidade completa não significa singularidade isolada[10].

Comentário do Editor[11]

O artigo publicado por S. L. Rubinstein é um fragmento de seu grande manuscrito ainda inédito sobre problemas de ontologia, epistemologia e psicologia, datado do final da década de 1910 e início da década de 1920. Este trabalho é uma das primeiras etapas de transição no caminho para o seu famoso artigo Problemas de psicologia nas obras de Karl Marx (1934), reimpresso em nossa revista em 1983 (nº 2) e contendo uma formulação detalhada do princípio da unidade de consciência e atividade. Este princípio afirma: a personalidade e seu psiquismo se formam e se manifestam em atividades inicialmente práticas; portanto, o psiquismo é estudado por meio de suas manifestações em tais atividades.

Este problema filosófico e psicológico da atividade foi desenvolvido por S. L. Rubinstein durante um estudo aprofundado das obras de K. Marx, F. Engels e V. I. Lenin e uma análise crítica da filosofia clássica alemã, que lançou as bases para um estudo sistemático dos problemas da atividade a partir de uma posição idealista. Como se sabe, V. I. Lenin enfatizou: “É impossível compreender completamente O Capital de Marx, e especialmente seu primeiro capítulo, sem estudar e compreender toda a Lógica de Hegel” (Lenin V.I. Poln. sobr. soch. T. 29. p. 162). S. L. Rubinstein realizou uma análise crítica da filosofia hegeliana em sua tese de doutorado defendida em Marburg em 1914, e em um artigo publicado em 1922 ele continuou sua análise da filosofia clássica alemã com base na Crítica da Razão Pura de Kant. Sendo um especialista tão qualificado no campo da filosofia, e não apenas da psicologia, ele imediatamente recorreu aos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, de K. Marx, publicado pela primeira vez em 1927–1932, e contendo uma crítica detalhada da dialética hegeliana e da filosofia em geral. Esses primeiros manuscritos de K. Marx são de particular interesse para um psicólogo, uma vez que contêm todo um sistema de afirmações diretamente relacionadas à psicologia. Sua análise profunda em comparação com O Capital de K. Marx foi desenvolvida por S. L. Rubinstein no seu artigo de 1934 acima mencionado. Assim, o seu artigo de 1922 agora publicado representa apenas uma fase intermédia e preparatória no caminho para um desenvolvimento cada vez mais profundo dos problemas filosóficos e psicológicos da atividade.

Este artigo, muito pequeno em volume, mas muito rico e complexo em conteúdo, requer leitura atenta e crítica para seu correto entendimento

S. L. Rubinstein se esforça para superar o conflito entre a objetividade do conhecimento e a auto-atividade criadora do sujeito, que ele critica com razão. Para ele, não há antagonismo entre eles: a objetividade não só não exclui, mas, ao contrário, pressupõe auto-atividade criadora, pois o conhecimento objetivo não deve ser uma contemplação passiva do dado imediato; é construtivo, ou seja, é construído, criado, formado no decorrer da auto-atividade criadora. Desenha-se, assim, uma espécie de “proporcionalidade direta (e não inversa)” entre o objetivo e o subjetivo: quanto mais ativo o sujeito é em sua atividade, mais objetivo se torna o conhecimento que ele constrói sobre o objeto. S. L. Rubinstein defende o “objetivismo, que sabe o que tal como é”, mas não o identifica com o “passivismo”, que “aceita o que é dado tal como é dado”.

O autor revela a dialética mais complexa entre o objetivo e o subjetivo, ou seja, uma das principais características da atividade (principalmente cognitiva). Em sua opinião, é necessário, mas não suficiente, limitar-se à afirmação geral de que a objetividade do conhecimento consiste na independência do seu sujeito em relação ao conhecimento. Ele mostra que no sistema filosófico “realista” (isto é, essencialmente no materialismo metafísico), por exemplo, em J. Locke, esta afirmação geral é erroneamente especificada através da relação entre qualidades secundárias (subjetivas) e primárias, uma vez que apenas as primárias pertencem ao ser objetivo. S. L. Rubinstein critica com razão tais pontos de vista incorretos pelo fato de estabelecerem, por assim dizer, uma “proporcionalidade inversa” entre o subjetivo e o objetivo na atividade cognitiva do sujeito: quanto mais a esfera do conteúdo cognitivo (por exemplo, qualidades secundárias) revela sua dependência do sujeito do conhecimento, tanto mais a esfera da existência objetiva é deixada de lado.

A este respeito, segundo, S. L. Rubinstein, o positivismo merece críticas especialmente duras, que leva ao limite a dependência “inversamente proporcional” acima mencionada. Do ponto de vista de um positivista (e, em particular, de um empirista), apenas aquilo que é dado diretamente pode ser objetivo, isto é, além da atividade cognitiva do sujeito, que tende a zero (se o conhecimento é obtido como resultado dessa atividade, ele é reconhecido apenas como subjetivo e, portanto, inadequado). Esta interpretação positivista da objetividade aparece muito claramente no exemplo da cognição sensorial. Este último é erroneamente caracterizado como pura receptividade, ou seja, passividade completa e o antípoda (negação) da atividade. S. L. Rubinstein define essa interpretação incorreta do conhecimento como passivismo. Com isso, a atividade é totalmente expulsa do conhecimento pelo positivista, pois, sendo sempre subjetiva (ou seja, realizada apenas pelo sujeito), supostamente apenas distorce a objetividade do conhecimento. Mas então é inevitável um conflito entre a objetividade do conhecimento e a auto-atividade criadora do sujeito. Resolver este conflito é o objetivo principal do artigo publicado.

Assim, criticando e superando a teoria lockeana, positivista, e depois também a kantiana, S. L. Rubinstein mostra que todos eles, de uma forma ou de outra, tentam implementar o critério geral da objetividade do conhecimento, que consiste na independência do sujeito do conhecimento, mas o fazem de forma incorreta, porque não levam em conta a verdadeira dialética do objetivo e do subjetivo, que caracteriza qualquer atividade do sujeito. Em outras palavras, S. L. Rubinstein não se opõe aqui em geral ao critério (indiscutível) de objetividade do conhecimento acima mencionado, mas apenas a interpretações errôneas desse critério. Por exemplo, ele critica Kant com razão pelo fato de que para ele esse critério atua apenas como algo negativo e puramente externo, sem levar em conta as mais complexas relações significativas entre sujeito e objeto, reveladas no curso da atividade mesmo no nível da sensibilidade, não sendo, portanto, receptividade passiva.

S. L. Rubinstein desenvolveu todo esse problema complexo de forma profunda, detalhada e clara em seus manuscritos, artigos e livros subsequentes, e sobretudo em ambas as suas monografias filosóficas Ser e Consciência (1957) e Homem e o Mundo (1973), onde foram mais estritamente e precisamente relacionados entre si outros aspectos ontológicos (ser) e epistemológicos (objeto) do problema. “O ser existe independentemente do sujeito, mas como objeto está correlacionado com o sujeito. Coisas que existem independentemente do sujeito tornam-se objetos à medida que o sujeito entra em contato com a coisa e ela aparece no processo de cognição e ação como uma coisa para nós” (Rubinstein, S. L. Ser e Consciência. M., 1957, p. 57. Veja também o artigo “Objeto” no Dicionário Enciclopédico Filosófico, Moscou, 1983). É a partir dessas posições que S. L. Rubinstein desenvolveu seu conceito de subjetivo e objetivo, sujeito e objeto, atividade do sujeito, etc. Na sua opinião, o idealismo objetivo e subjetivo e, em última análise, também o antipsicologismo e o psicologismo estão associados à falsa alternativa que domina essas direções filosóficas, segundo a qual o conteúdo do conhecimento é objetivo, e então existe além da atividade cognitiva do sujeito, ou é um produto desta atividade, e então é apenas subjetivo. Entretanto, na realidade, nenhuma ideia, conceito ou conhecimento surge fora da atividade cognitiva do sujeito, o que, no entanto, não exclui a sua objetividade. A objetividade do conhecimento não implica que este surja independentemente da atividade cognitiva humana; todo conteúdo ideal de conhecimento é ao mesmo tempo um reflexo da existência e o resultado da atividade cognitiva do sujeito. É necessário distinguir entre: 1) subjetividade do psíquico como pertencente ao sujeito e 2) subjetividade como adequação incompleta ao objeto de conhecimento. No primeiro sentido da palavra, toda a psique humana e seu conhecimento são sempre subjetivos. Todo conceito científico é ao mesmo tempo uma construção do pensamento e um reflexo do ser (para mais detalhes, ver Ser e Consciência, pp. 41–70).

Está agora claro que o embrião de todo este conceito filosófico e psicológico (embora em muitos aspectos ainda não perfeito) é o artigo publicado em 1922. No final do artigo, S. L. Rubinstein revela uma compreensão geral da atividade (não apenas cognitiva) em relação à personalidade e dá a primeira formulação de seu futuro princípio da unidade de consciência e atividade: “Assim, o sujeito em suas ações, em atos de sua auto-atividade criadora, não apenas se revela e se manifesta; ele é criado e determinado neles” (aqui ação é sinônimo de ato, feito). É importante levar em conta que o autor se refere à atividade real, concreta, vital do sujeito, e não à atividade pura, abstrata ou formal: “A imagem do ser humano é definida pela organização não de simbolizações e da emulação de atividades, mas por atividades criativas reais — aqui reside o caminho e a tarefa da pedagogia”.

O princípio da auto-atividade criadora aqui delineado por S. L. Rubinstein também se desenvolve no interesse da pedagogia, concebida, na sua opinião, para desenvolver a independência, a criatividade e a iniciativa dos alunos (em particular, através do que hoje se denomina aprendizagem orientada por problemas). Sendo, na sua opinião, a atividade independente e criativa, é nesta qualidade que ela se torna necessariamente a condição mais importante para o desenvolvimento humano.

Em A História da Filosofia na URSS (M., 1985. Vol. 5. Livro 1. p. 739) nota-se que todos estes (acima citados) “pensamentos anteciparam o conceito de unidade de consciência e atividade desenvolvida por S. L. Rubinstein na década de 1930”. Uma avaliação mais detalhada e completa deste artigo de S. L. Rubinstein em 1922 só se tornará possível após um estudo aprofundado de seus manuscritos ainda não publicados sobre problemas de ontologia, psicologia, etc., localizados em seu arquivo, que está armazenado no Departamento de Manuscritos da Biblioteca Estadual V. I. Lenin de toda a União.

NOTAS

[1] Para mais detalhes sobre design neste sentido, consulte Rubinstein S.L. Ser e consciência. M., 1957. p. 45 e 94. — N. E. R. (Nota da Edição Russa)

[2] Kant, I. Kritik der reinen Vernunft. 2ª Ed., p. 518–519.

[3] Ibid., p. 33.

[4]Die bestandige Form dieser Receptivitat, welche wir Sinnlichkeit nennen“, Ibid., p. 43.

[5]Die Fahigkeit (Receptivitat) Vorstellungen durch die Art wie wir von Gegendstanden afficirt zu bekommen, heisst Sinnlichkeit“, Ibid., p. 33.

[6] Ibid., p. 273.

[7] Ibid., p. 145.

[8] Ibid., p. 130.

[9]Keine in sich gegründete Existenz, Ibid., p. 519

[10] As reflexões sobre objetividade apresentadas neste pequeno artigo foram emprestadas do Capítulo II, “A Ideia de Conhecimento” do meu trabalho. Esses empréstimos são breves, mas são excertos do texto. Considero, portanto, necessário esclarecer isto, embora não saiba quando terei a oportunidade de publicar este trabalho.

[11] O artigo de S. L. Rubinstein, O Princípio da Auto-atividade Criadora (publicado aqui com algumas abreviaturas) foi organizado e comentado por seu aluno A. V. Brushlinski.

--

--

Bruno Bianchi
Kátharsis

Pai. Psicólogo e especialista em gestão pública. Tradutor e militante do PCB