A Magrela e o Fusca

Edu Alves
kayua
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3 min readJun 26, 2018
Foto: Flickr

Verde escura, aro 29, roda daquelas que não enferrujam. Pneus fortes, de mountain bike. Banco confortável. Podia andar na cidade, mas também no campo, na praia. Eu já sonhava em poder levá-la comigo até Itanhaém, onde meus avós tinham uma casa a poucos metros da faixa de areia.

A magrela novinha veio num fusca, não tão novo quanto ela. Marronzinho claro, com volante branco, assim como as faixas que correm na lateral dos pneus e no câmbio de 4 marchas. Lembro-me do dia em que vi a bicicleta amarrada do lado de fora do carro e a sensação do coração pular até a garganta ao saber que aquele era o meu presente. Não era meu aniversário ou natal, dia das crianças ou qualquer outro motivo, lembro bem. Era apenas o carinho do meu padrinho, o Claudio, em trazer algo que, de certa forma, sentiu que eu gostaria de ter.

Desde pequeno, bicicleta era algo que sempre chamou minha atenção. Pedalar é como flutuar no ar. Me desconecta e me deixa ir longe em pensamento. Era assim quando criança e é até hoje. Há alguns meses, resolvi parar de brigar comigo mesmo para ir à academia e troquei esse investimento por uma magrela, agora vermelha, que, de tempos em tempos me deixa pairar pela cidade.

Devia ter por volta de 11–12 anos, quando ganhei esse presente. Minha irmã me ajudou a apertar os parafusos, minha mãe tinha medo que tivesse algo solto. Ela também tinha medo que eu andasse na rua, mas, pelo modelo, pelo meu tamanho, ela já não tinha mais argumentos para me manter por ali, só no quintal.

Recordo do meu padrinho, que sempre foi um homem baixinho, ficar um gigante de tanta felicidade naquele dia. Ele não era de me trazer agrados a todo momento, mas saber se eu estava bem sempre foi uma constante. Tivemos uma relação diferente da que comumente ouço nas histórias dos meus amigos. Este dia me marcou muito, não só pelo presente, que ficou na minha história e foi um dos mais queridos da minha infância, mas porque percebi que a distância não diminuía o amor que me era dedicado. Não vi isso no objeto, mas, sim, no olhar dele, que carregava duas jabuticabas que ficaram marejadas ao ver um ser pequenino se encontrar com algo que lhe fazia tanto sentido.

Perdi meu padrinho há pouco tempo. E, inevitavelmente, esses momentos nos fazem refletir sobre a passagem de algumas pessoas na nossa vida. E como acredito que ninguém se conecta conosco por acaso, acho que essa história resume um pouco do papel dele por aqui, do legado que me deixou. A bicicleta que ele me trouxe um dia, seguiu para fazer outra criança feliz, também da família. Tenho certeza que ele iria gostar de saber disso… pena que não pude contar em vida.

Para sempre, ele me deixa essa história, que serve para nos lembrar de pequenos feitos do dia a dia que formam pessoas melhores. O Claudio fez esse por mim e não tenho dúvida de que inúmeras outras ele fez por aí. Foi um prazer tê-lo por perto. Seu filho, o Claudinho, no dia de seu enterro prestou uma linda homenagem e disse que seu pai era um gigante, apesar da baixa estatura. Eu também pude ver esse grande homem.

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Edu Alves
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