Crônicas da Academia (1): métodos em clima de férias

Já começo a entrar em um clima de férias (só na minha cabeça, porque até elas começarem ainda tenho bastante trabalho!), nas quais vou visitar minha família, e fico pensando no que falar para minha mãe quando ela me perguntar se eu vou ter que “estudar” nas férias. Às vezes fico com aquela sensação de que fui chamada de aluna de ensino médio quando ela resume meu trabalho ao verbo “estudar”. Será que o implícito é “trabalhar mesmo é só quando você dá aula”? Isso é bem normal, e é reflexo do insulamento da academia perante o restante da sociedade. Por conseguinte, para aqueles que não entendem muito bem o que faz um professor de pós-graduação, aqui vai um breve relato:

No final de novembro será a segunda vez que eu e a Prof. Mariana Carpes damos, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares, a disciplina de Métodos Qualitativos Avançados… um nome genérico para uma disciplina que versa sobre process tracing. Já são aproximadamente 1 ano e meio com reuniões semanais para discutir, linha por linha, as produções mais relevantes sobre o método, tanto para atualizar o curso, quanto para a utilizarmos e escrevermos sobre a metodologia.

Pensem em leituras bem difíceis, que quando você termina, se medidos os níveis de fosfato cerebral, estariam próximos de zero…. São as leituras de metodologia! Ao: unir narrativas históricas, mecanismos causais — os diferenciando de variáveis intervenientes; investigar as raízes quantitativas do método e sua tentativa de aproximação quali-quanti — e o debate acerca do eterno ‘rebaixamento’ das inferências históricas às análises estatísticas; analisar as diferenças entre process tracing de explicação de resultados, criação ou teste de teorias; contabilizar as inúmeras discordâncias entre autores; fazer junções com teoria bayesiana probabilística, lógica, teoria dos conjuntos, necessidades e suficiências; e, por fim, reler incontáveis vezes os mesmos exemplos — o do detetive ou o da teoria da paz democrática (os íntimos do método vão se reconhecer nesse cansaço, tenho certeza), não se pode dizer que o que fazemos é qualquer coisa.

Boa parte do trabalho de um acadêmico é, sim, estudar. Mas um estudar diferente, que guarda a potencialidade de executar e, mais ainda, a de ensinar. Foram e são horas e horas de debates e de estudo, de dúvidas e crescentes listas de textos que, depois de lidas 30 páginas, podem conter em apenas uma linha o que se precisava saber. E ainda restam muitas dúvidas e leituras! Esse processo de estudar requer uma sedimentação, requer que o conhecimento mature no carvalho, ou, como numa receita de cachaça temperada, que demora um tempo para ‘curar’ (como mineira que sou, não poderia deixar de fazer referência à nossa mais cara bebida). Mas quando o processo termina… voilá! Do conhecimento, não há retorno!

Aos alunos, digo que a disciplina ficará muito boa, estamos empolgadas e prontas para exigir muito de vocês! Saibam que as 30 horas que ficaremos juntos são resultado de anos de trabalho metódico e consistente.

À minha mãe, concedo o perdão pela possível confusão entre estudo e trabalho… até porque, quando ela me perguntou o que eu iria fazer nessas férias, além de cozinhar eu respondi: “Poxa, vou enfim conseguir terminar de ler aquela biografia do Getúlio”. “Uai, minha filha, vai estudar nas férias?”. E replico com um sorriso de canto de boca: “É… parece que sim. Mas metodologia, só quando as férias acabarem!”.

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