O Papel do Design em uma Crise de Saúde Global

Khevin Mituti
Khevin‘s Blog
Published in
9 min readMay 4, 2020

Ao redor do mundo, a área da saúde tem enfrentado uma crise e seu maior desafio do último século.

À medida que o coronavirus, ou COVID-19, se espalha, hospitais e agentes de saúde correm para responder às suas consequências.

Resista. Mantenha-se seguro e evite tocar em seu rosto.

Notícias sobre dezenas de milhões de possíveis infectados, milhões necessitando de leitos de UTI e centenas de milhares de pessoas competindo por um número limitado de respiradores. As previsões são sombrias.

Em épocas de cultura de abundância — onde estamos acostumados com a sobra — somos surpreendidos pela informação de que talvez não tenhamos o suficiente do que precisamos. Respiradores, máscaras, luvas e até álcool gel são alguns dos exemplos mais óbvios.

É compreensível que o medo tenha tomado o mundo.

O que nos traz ao ponto principal deste artigo:

“Uma estratégia de saúde pública vive ou morre pela efetividade de sua comunicação.”

O papel de designers e comunicadores nunca foi tão essencial para a saúde da população como está sendo agora.

A distribuição de informação, manutenção da saúde mental e minimização do número de infectados são alguns dos objetivos principais que o mundo inteiro precisa cumprir.

Veremos como comunicadores têm impactado o mundo para tentar torná-lo mais são e seguro diante do coronavírus.

Informação e Alívio de Stress

O comportamento humano é afetado pelo estado psicológico de uma pessoa.

Sentir dor, estar cansada ou estressada estão ligados a sentimentos negativos como ansiedade, angústia e frustração, e podem afetar seu comportamento e capacidade de funcionar direito.

Crises como a pandemia do COVID-19 podem afetar diretamente o psicológico de quantidades enormes de pessoas, pois contagiam sem preconceito.

Com isso em jogo, comunicadores de todos os cantos das redes sociais têm feito conteúdo de combate à pandemia, técnicas de prevenção, informativos sobre sintomas e até mensagens motivacionais.

Instagram: @designativista e @militantecansado

Nunca um assunto tomou tão forte os mecanismos de comunicação.

É lógico pensar que isso é consequência de estarmos no pico de uma crise de saúde e no ápice da tecnologia da informação. Mas também mostra a união generalizada por uma mesma mensagem e objetivo.

Seja para disseminar informações sobre sintomas, prevenção ou contágio, o design gráfico segue com um importante papel na linha de frente da resposta contra uma doença infecciosa, trazendo mensagens que podem salvar vidas para todos.

No entanto, não foi com as redes sociais que esse movimento surgiu.

Como design já ajudou em crises de saúde do passado

Em meio à atual crise é difícil pensar que já sobrevivemos a outros problemas de saúde preocupantes.

SARS, Ebola, Malária e HIV são os exemplos mais clássicos que lutamos como civilização, para evitar que o contágio se espalhe de forma descontrolada.

E nos ápices dessas crises, a comunicação também teve um papel essencial.

Seja de designers, órgãos do governo ou artistas de Pop Art.

“Ignorance = Fear” — Keith Haring, 1989

A Malária, por sua vez, ficou amplamente conhecida no século 4 a.C na Grécia. O termo μίασμα (Grego para miasma): “mancha, poluição”, foi cunhado por Hippocrates para descrever fumaças que saíam do chão, eram transportadas pelo vento e podiam causar doenças sérias.

Foi apenas no séc. XIX, quase 2500 anos depois, que os primeiros medicamentos efetivos contra a Malária foram desenvolvidos. Com o crescimento da pesquisa, tratamentos melhores surgiram. Tínhamos uma chance maior de combater e evitar a doença transmitida pelo mosquito.

E ainda assim foi um adversário inesperado na Primeira Guerra Mundial.

Em 1914, a comunidade científica teve acesso a novos conhecimentos sobre a transmissão e o controle de parasitas da malária, mas os militares não estavam preparados e subestimaram a natureza, magnitude e dispersão desse inimigo.

Durante e após a guerra, o número de casos cresceu substancialmente, chegando ao ápice entre 1922 e 1924. Isso fez com que a Comissão de Higiene da Liga das Nações estabelecesse, em 1923, a Comissão da Malária, para definir procedimentos mais eficazes contra a doença

Aceleramos alguns anos e vemos o exemplo da Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidos desenvolveram uma campanha de comunicação específica para seus soldados, falando sobre os riscos e sintomas da doença, suas formas de contágio e técnicas de prevenção.

Ainda assim, infectou mais de 500.000 soldados e matou cerca de 60.000 deles. Até hoje em dia a doença continua afetando cerca de 200 milhões de pacientes a cada ano, matando mais de 600.000.

O apelo global das Nações Unidas para designers

Algumas semanas atrás, as Nações Unidas anunciaram o primeiro chamado para criativos de todos os arredores para aumentar a consciência e o entendimento do Coronavírus e como diminuir seu espalhamento.

“Precisamos falar com as pessoas como elas estão, com uma corrente de conteúdo fresco e inovador que passe a ideia de comportamento pessoal e suporte social que é necessário hoje”, anunciaram.

O documento com os objetivos e guias vem com mensagens e dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e pedia para que os respondentes ajudassem a “traduzir mensagens críticas de saúde pública em diferentes idiomas, culturas, comunidades e plataformas, alcançando a todos, em todos os lugares.”

The United Nations (UN) needs your help in translating critical public health messages, into work that will engage and inform people across different cultures, languages, communities and platforms. The shortlisted work will reach everyone, everywhere.

Nem toda heroína usa capa.

Fica mais do que evidente o impacto que a comunicação efetiva traz para as pessoas e independe do meio ou da tecnologia.

É sobre o diálogo.

Veja alguns dos trabalhos que foram submetidos.

Design pode salvar a sua vida?

Partimos para uma extrapolação da ideia da comunicação salva-vidas.

O livro Can Graphic Design Save Your Life? foi feito exatamente para mostrar como o design tem um papel vital em comunicar mensagens de saúde pública.

Passamos por exemplos de selos de embalagens de cigarro, aplicativos sobre o corpo humano e embalagens de remédios até sistemas informativos de hospitais, avisos urgentes de saúde pública e a revolução das campanhas de saúde no mundo.

Seus escritores, designers contribuintes e profissionais da saúde tentam responder a pergunta posta pelo título, colocando em primeiro plano como o design gráfico impacta o que notamos, o que entendemos e as ações que tomamos — e que papel essencial isso tem em assuntos de vida e morte.

Durante o surto de Ebola na África Ocidental, o design gráfico desempenhou um papel essencial na comunicação com uma população cultural e linguisticamente diversa com alfabetização formal mínima.

Embora o rádio tenha sido um dos meios de comunicação mais eficazes para alcançar a população nacional, foram os cartazes, folhetos e cartões de aconselhamento que mostraram os sinais e sintomas da doença.

Os materiais informativos, de educação e de linguagem simples foram pré-testados quanto à percepção do público, compreensão e aceitabilidade sociocultural, e foram utilizados por profissionais de saúde e mobilizadores sociais para promover e educar a população.

Uma leitura estimulante que mostra exatamente o que o design gráfico pode fazer.

Quando informar é tudo que falta

Nos anos 50, Marie Neurath, designer e cientista social alemã, trabalhou com agentes da saúde da Nigéria para criar um sistema informativo e combater a disseminação da hanseníase — ou popularmente, lepra.

Na época, a hanseníase era curável. Mas, se não fosse tratada, poderia ser fatal.

Como diretora do Instituto Isotype, Neurath visitou hospitais, clínicas, unidades de campo médico e um centro de hanseníase da região.

Reconhecendo a necessidade de informações básicas entre a população, ela se baseou na experiência dos profissionais de saúde locais e no apoio do ministro da Saúde a criar folhetos com pôsteres explicando os problemas de saúde, incluindo a hanseníase.

Conforme planejado, o folheto informativo da hanseníase desdobrou — figurativa e literalmente — a doença e seu tratamento.

Usando linguagem e arranjos gráficos simples, o objetivo era informar e viabilizar ações. O folheto do pôster poderia ser retirado e guardado ou passado para outras pessoas.

Portanto, para a pergunta “O design gráfico pode salvar sua vida?”, o trabalho de Marie Neurath pode ser de alguma maneira uma resposta afirmativa.

Fica evidente o impacto que comunicadores podem causar com mensagens importantes passadas de forma clara.

Informação salva vidas.

Como o Ministério da Saúde Brasileiro tem usado Design no combate ao COVID-19

Não precisamos vagar muito pelo mundo da internet para encontrar exemplos práticos e bem-feitos.

O próprio painel do Ministério da Saúde é cheio de recursos e dados informativos sobre o estado do coronavírus no país.

Traz de maneira clara os dados mais importantes e com complemento visual. Também conta com informações sobre sintomas, prevenção, fake news, perguntas frequentes, diagnóstico, entre outros.

É essencial que órgãos importantes da saúde tragam informações de forma acessível.

O Ministério também disponibiliza em seu site um App Android e um App iOS para realizar uma auto-avaliação de saúde.

Comunicação e tecnologia andam de mãos dadas.

(Talvez depois da quarentena)

Detalhes de comunicação impactantes em marcas

Em contracena, temos também bons exemplos de empresas privadas que fizeram bom uso de sua comunicação para ajudar na prevenção em meio à crise.

Com o objetivo de conscientizar as pessoas a respeito da prevenção à COVID-19, o Mercado Livre mudou temporariamente sua identidade visual.

Complementado pela frase “Juntos. De mãos dadas, ou não. Para dias melhores chegarem o quanto antes.”, fica claro o conceito de isolamento social que a empresa tentou transmitir, consequente da mudança nos cumprimentos do começo da pandemia.

Além da mudança na identidade, também soltaram um comunicado oficial falando sobre as mudanças na operação e uma série de recomendações para entregadores e consumidores finais se prevenirem durante as entregas.

Com centenas de milhares de entregas diárias, é imprescindível que o Mercado Livre tenha que passar a ideia de segurança nas entregas para manter sua operação rodando.

Conclusão

Designers trabalham na interseção de tendências culturais. Seus problemas estão entre os principais problemas da sociedade superdesenvolvida.

Não criam apenas produtos e imagens úteis, mas também produzem e reproduzem significados culturais através desses produtos e imagens.

Podem se prender no ideal capitalista, empurrando produtos, ideias e empresas aos outros. Ou se firmar no combate ao preconceito, na disseminação de informação ou na formação de uma opinião baseada no progresso.

Essenciais para uma sociedade saudável sobreviver.

E em tempos que a população confia em bens e mensagens produzidos em massa para ter uma perspectiva do mundo, designers podem contribuir para o processo de definição e controle de seu comportamento cultural.

Eles se tornaram moldadores do significado na vida cotidiana.

Basta usarem seus poderes para o bem.

Fiquem em casa.

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