a carne preta é a mais barata do mercado
eu sinto que ainda vou guardar muito de mim escondido em uma gaveta ao sair de casa porque quem eu sou não é bem vindo em tantos lugares
eu sinto que o que eu não posso guardar em uma gaveta como a cor da minha pele as vezes consome tudo que eu sou — e olha que eu não vivo no pior lugar possível de se estar
elza já dizia que a carne preta é a mais barata do mercado e a gente tá sendo morto como se fossemos insetos incômodos e ninguém está fazendo nada enquanto muitas mães choram
cara isso é injusto pra caralho mas o que mais me machuca é muitas vezes ter que calar a boca e olhar pra baixo
o que mais me machuca é ter medo da polícia
tirar a mão dos bolsos
segurar a mão do meu namorado branco mais forte e pedir pra deus por favor fazer com que isso seja suficiente
que estar ao lado de alguém branco seja suficiente
eu cresci muito pedante sem medo de morrer sem saber o que me assolava de tanto ter sido embranquecido e esquecido mas eu não aguentava mais ser a mulata gostosa
o que mais me machuca é saber que um dia pode ser eu
que eu moro em uma cidade 70% preta e que convive diariamente com uma minoria (quantitativa) branca que é sistematicamente racista
a gente tem museus que não são antigos o suficiente que são em casas de sinhás e tem o buraco da senzala.
tem os chicotes as amarras as parafernalhas todas que usavam pra foder os pretos
tem a merda dum banheiro em cima da senzala onde os brancos literalmente cagavam na nossa cabeça
eu choro porque o chicote hoje é invisível mas o meu lombo ainda tá doendo
tem gente que nem sente mais dor porque já morreu e estão nos matando
porra
as vezes acho que a carne negra é pior que a de barata
só estarão satisfeitos quando matarem todos nós
