cento e vinte quilômetros por hora
entalados na minha garganta existem mil poemas de amor que eu nunca vou te escrever porque foda-se
você segura a minha mão enquanto dirige e parecia implorar pra gente bater o carro e ser um amor morto numa tragédia
acho que a depressão comeu a gente em algum ponto desse relacionamento e a gente se tornou dois monstros vegetais se encarando
eu poderia contar nos nossos vinte dedos as vezes em que a gente não tinha considerado se jogar de um penhasco pra morrer emaranhado e virar notícia na televisão
duplo suicídio de amantes
morreram de amor
que balela, você diria se pudesse
a gente morreu bem antes de morrer por amor, morreu há tanto tempo
o amor foi só um paliativo mas é tipo tentar parar um câncer em último estágio
acho que no fundo a gente já tava morto por dentro mas se amava como se amar pudesse manter a gente vivo
de certa forma, manteve
ao menos enquanto você acelerava na br com as mãos passeando pela minha coxa e eu pensava no conceito de paraíso
se ele se pareceria em alguma coisa com o resquício de paz que a gente encontrada no olhar um do outro sem falar nada
eu queria ser capaz de manter minha alma vagando por um tempo pra ver as nossas notícias e rir do luto de todo mundo porque a liberdade talvez se pareça com isso
eu deixei um testamento escrito e a gente assinou porque os dias passam rápidos demais e nunca se sabe… amanhã nunca se sabe
está bem em cima da minha mesa, pra quem quiser ver:
meu bem,
morri mas nunca estive vivo.
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