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Clareira

Koda Gabriel
kodagabriel
Published in
2 min readJun 4, 2022

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Não corro há um tempo. Na real, não sei se consigo voltar a correr. Eles dizem que é tipo andar de bicicleta, se você fez uma vez e aprendeu, você nunca esquece, mas eu não tenho certeza.

Estou acampando em uma clareira. Bom, ao menos se parece com uma clareira uma parte do tempo. Um local de descanso. Um espaço de trocas. De receber e dar carinho. De afagar e ser afagado.

Outras vezes… é assustador. Silencioso. Escuro. Opressor. Eu fecho meus olhos esperando que a escuridão passe e rezo e choro e é frio e eu tenho muito medo muito medo.

Algumas pessoas ainda passam correndo.

Durante os momentos de escuridão, elas me dão ainda mais a certeza de que nunca mais vou voltar a correr. Porque parei há tempo demais. Porque fiquei calado demais. Me doei de menos. Contribui de menos.

A máquina de moer gente que chamamos de algoritmo não gosta de clareiras. Eu me esqueci em uma delas.

Não sei onde coloquei meus tênis. As minhas coisas agora estão todas bagunçadas. A grama está alta. A floresta ameaça fechar o lugar onde eu tentei descansar e me sinto em uma armadilha.

Eu mesmo cavei meu próprio buraco.

Eu não corro há muito tempo.

Olho ao redor e não sei mais onde estou. Já não recebo gente nessa clareira.

O silêncio continua ensurdecedor.

Me sinto… sozinho.

Mea culpa. Mea máxima culpa.

Arte é sacrifício pessoal, né?

Não tem mais clareira.

É tudo tão confuso.

Quando foi que o mato tomou conta de tudo? Quando foi que as pessoas pararam de vir?

Por que eu não percebi antes?

Há quanto tempo eu não corro?

Tem dias que eu não sei dizer se algum dia eu de fato corri.

Não tem raiva em mim. Só medo.

Resignação.

Sensação de derrota.

Eu não sei de onde vim.

Não sei pra onde ir.

Não sei mais onde ficam as trilhas.

Onde estão as pessoas.

Eu vejo a pá, entretanto. E minhas mãos estão sujas. E meu rosto inchado.

Há quanto tempo estou cavando?

Por que não percebi antes?

Mastigo o que restou com a certeza do fim.

Me pergunto se dessa pilha vai nascer algo novo.

O azedo na boca talvez indique que não.

A pele descamando talvez reforce que sim.

Eu não corro há muito tempo.

Meus músculos estão fracos.

Eu perdi a coragem.

Então faço uma fogueira de tudo.

Pulo dentro.

O cheiro de queimado é poesia.

Talvez aqui volte a ser uma clareira.

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Koda Gabriel
kodagabriel

25 anos, bissexual e não binário. escrevo romances, ficção especulativa e putarias em geral https://kodagabriel.com.br