Cordas de sonhos

Koda Gabriel
kodagabriel
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3 min readMay 18, 2021

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uma foto tirada de dentro do oceano, mirando para fora. pega luz e água escuros
Foto de Emiliano Arano no Pexels

Em algum ponto entre aquele lugar no peito onde residem todos os medos e aquele lar na mente onde nascem e vivem todos os sonhos alguma coisa se rompeu.

Costumava ter uma corda: firme, sólida, alta. Era um lugar onde eu podia me agarrar e subir quando a maré estava alta e os monstros atacavam com suas garras e me queriam no fundo, com eles, preso, afogado.

Não há corda.

Eu mal sei nadar.

Os monstros sentem meu cheiro, eles soltam seu veneno, a água está infestada dele. Não sei mais a qual estou reagindo, só tento continuar boiando. Respirando. Nadando. O peito está apertado, cada segundo é eterno.

Ainda existe uma corda.

Uma ponta que se balança apenas alto o suficiente para que esteja inalcançável. Para que pareça intransponível.

O outro lado.

No escuro do oceano, eu sonho com o outro lado. Ou talvez eu esteja delirando, mas eu penso em histórias que eu nunca consegui verbalizar. Penso em muros, muitos deles, mas também em portas, janelas, passagens, becos, túneis, luzes.

Penso em pontes.

Em caminhos, no vento no rosto, em andar de bicicleta e desejar alguma coisa, qualquer coisa que acenda essa chama apagada que faça nós nessa corda que me traga de volta pra cima e que me deixe sonhar no lugar onde sonhos devem estar, e não na chuva, no meio dos monstros.

Eu penso no amor pelo mar. Nas ondas, em águas claras, em mergulhar profundo.

Penso no medo, em como ele consegue vir, com seu dentes, e destroçar as coisas boas. Lembro da sua boca, dos caninos, da baba escorrendo.

Eu choro.

Em algum lugar dentro dessa guerra imaginária um tiro foi dado.

E houve sangue, e houve grito, e o desespero, a ansiedade, o nervosismo, a confusão e caos, tanto caos, mas nunca a morte, não, nunca a morte. Porque a morte é o fim, e esse mar é um eterno não-lugar, uma suspensão, uma falha no tempo.

Meu corpo tremula, minhas entranhas se retorcem, eu sou só uma sombra de tudo que eu poderia ter sido.

A corda é uma mensagem. Uma lembrança. Talvez um presságio?

Eu às vezes tenho medo de olhar e descobrir que ela não está mais lá. Que o sonho se foi. Que é… o fim.

Mas não pode ser o fim.

Né? NÉ?

Não pode.

Então continuo tremendo de frio, fugindo dos monstros, me debatendo, sonhando, sonhando, sonhando.

Penso em folhas de papel brancas. Em canetas coloridas, em telas de computadores, penso no escuro e na sua opressão apertada, seu infinito solitário. No seu abraço gentil.

Não sei há quanto tempo estou aqui.

Não sei quanto tempo mais eu vou ficar.

O passado é uma porção de filmes que se repetem na minha mente.

O futuro é uma porção de curvas que eu penso em tomar e não tomar e tomar e não tomar e tomar e não tomar.

É só uma viagem (ela disse). Eu posso desistir a qualquer momento (ela disse).

Eu acho que sei disso.

Mas continuo.

Sentindo o gosto salgado das lágrimas e me alimentando das minhas próprias fraquezas.

Nunca faltou o que comer.

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Koda Gabriel
kodagabriel

25 anos, bissexual e não binário. escrevo romances, ficção especulativa e putarias em geral https://kodagabriel.com.br