silêncio

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não consigo finalizar nada, nem se minha vida dependesse disso

a ironia talvez seja que, no fundo, meio que depende

faço transfusão de arte e não de sangue, pulsando vida nas minhas veias, me trazendo de volta enquanto me leva embora

estou cansado de me sentir seco e distante e cansado de enxergar a parede invisível na minha frente e, a essa altura, cansado de não ter nem mais coragem de me aproximar — olho de longe, muito cético, garrinhas de medo afundadas nos meus braços

sentir coisas não deveria me deixar em pânico

onde foi parar o chorão que morava em mim?

às vezes eu sinto avisos na minha cabeça de que tem algo errado, muito errado, e todas as situações parecem esquematizadas para me deixar desconfiado

(eu fico, como sempre, muito. especialidade da casa)

tem uma frase de um poema que eu gosto muito que fica tocando em loop em uma das caixinhas na minha cabeça, sutil, como se não fosse um alarme, como se não fosse um lembrete, como se não fosse um presságio e uma maldição e tudo mais

tem um sino dentro de mim. eu não sei como tocá-lo, mas eu sei que ele já tocou (e muito).

fico angustiado esperando quando é que vai tocar de novo, quando é que vai ter música, quando é que a transfusão vai bater forte e a brisa vai ser intensa quando é que as coisas vão deixar de parecerem insossas e começarem a ter, sei lá, GOSTO DE MERDA, QUE SEJA — a essa altura, qualquer gosto é um gosto, qualquer sensação é sensação

olho para as pessoas como se elas estivessem se movendo em outro plano, um que flui e desagua e alcança e se transforma e vira do avesso, e eu estivesse 2d, rígido, paralisado e estático

tem algo dentro de mim que está morto. ou morrendo. ou definhando. eu não sei mais a essa altura, chame do que quiser, mas tem algo dentro de mim que desligou, pifou, queimou e o cheiro de fumaça já é tão normal que eu não mais sinto, já não me dou o trabalho de limpar as cinzas

é impossível vencer, então eu não luto

dentro de mim também tem algo em agonia

faz um ano que não para de gritar

me pergunto se preciso matar ela também

afio a minha faca