Vermes (e tarrasques e dragões)

Koda Gabriel
kodagabriel
Published in
2 min readAug 31, 2021

--

uma foto de uma terra seca e craquelada
Foto de James Frid no Pexels

Tem vermes gigantes dentro de mim. Eles sacodem a terra, cavam buracos, se afundam, emergem, navegam, navegam, não param quietos. Eu sou uma porção de terra aerada demais, que ameaça colapsar.

Estou naquela fase de novo. Acho que sequei. Terra aerada boa é terra aerada fértil. Não tem nada bom crescendo em mim (de novo. Algum dia já cresceu?).

Mas as minhocas (vermes) elas não param nunca. Elas se movem de lugar e carregam paranóias consigo para outros cenários. Destroem certezas, colidem mundos, rastejam dentro e fora de ideias, misturam meleca e fazem bagunça. Não conhecem nada além da própria terra, terra infinita para sacudir e explorar.

Eu continho caminhando, um zumbi ancestral cansado, ideias desesperadas apertadas em uma sacola de plástico rasgada. Elas caem pelo caminho. O que se perdeu, se perdeu.

Penso em muito, mas, na maioria do tempo, também não penso em nada. Vivo sonho atrás de sonho, conectando sinapses, rezando silencioso em um universo imenso, vasto, complexo, cheio de linhas temporais que só existem na minha cabeça. A minha, mesmo, vai se arrastando.

A terra dentro de mim é amaldiçoada. Vivo um inferno em forma de sinapses, piscada atrás de piscada, os olhos inquietos, as mãos tremendo, os dedos que não conseguem parar um segundo e apertam, espremem, sugam, sugam, e não resta nada (ou muito pouco).

É uma caminhada solitária.

Passar tanto tempo dentro da própria cabeça tem um preço, e eu o pago todos os dias. Tudo bem, eu já entendi. Os vermes continuam pulsando, enchendo de ar, afundando, remexendo, nunca param.

Às vezes tenho a impressão de que essa vida é de mentira. Toco a ponta dos meus dedos, olho ao meu redor e nada consegue me passar a sensação de ser sólido. Um sonho pastoso, melequento, que escorre pelos dedos e se desfaz em miséria.

Não há escapatória. Não tem como fugir dos próprios demônios.

Então eu fecho os olhos, respiro fundo e continuo atuando nessa peça mesmo depois das luzes terem se apagado, mesmo quando ninguém está vendo, mesmo quando só sobra o pó e os vermes e a terra mexida e as sinapses.

Não sei dizer quanto tempo mais essa peça vai durar. Mas eu sei dizer que ela vai ter fim. A esperança desse fim me mantém em cena. É isso, nada mais.

O amor é incondicional até conhecer o que o outro esconde no porão da sua alma que é pra ninguém ver. Mas acredite quando eu digo: seja feliz. Você nasceu pra ser espinho e eu cicatriz. (Penny — Visconde)

--

--

Koda Gabriel
kodagabriel

25 anos, bissexual e não binário. escrevo romances, ficção especulativa e putarias em geral https://kodagabriel.com.br