Colecionando experiências: um novo olhar sobre coleções

Ricardo Amaral Filho
KOLLECTER

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No olhar moderno sobre coleções, é importante entendermos que o ato pode envolver objetos imateriais. Isso não altera a essência do colecionismo.

Um dos grandes hits do mercado literário nos últimos anos foi a série "1001 antes de morrer". Criados pela Quintessence Books, editora inglesa especializada em livros ilustrados, eles inauguraram uma linha aparentemente inesgotável de listas de coisas a se fazer, ler, escutar, visitar, comer… E por que estou falando nisso? Porque essa série representa um fenômeno do colecionismo moderno, que é a coleção de experiências.

Fonte: http://www.dividendcake.com/our-travel/

Num mundo onde o tempo se tornou o único material realmente raro, já que ninguém pode comprar ou acumular tempo, a humanidade haveria de encontrar um modo de compilar e coletar experiências temporais e transformá-las em coleção. No passado, essas experiências eram compiladas em formas de journals, de caderno de anotações, experiências essas muito individuais. Verdade que muitos desses se tornariam livros famosos, mas não havia nisso o desejo de transformar as anotações em compilados organizados por temas, ou em algum tipo de ordem de comparação.

Dois fatores contribuíram para o surgimento da coleção de experiências. Além do fator tempo ter se tornado de fato o bem mais precioso para uma geração que nunca teve tanto acesso fácil a conteúdo e produtos na história, a evolução do meio digital permitiu que pessoas comuns pudessem compartilhar facilmente para muitas pessoas suas experiências. Não à toa, as mídias sociais foram os primeiros lugares onde as pessoas passaram a apresentar para estranhos suas fotos de restaurantes, viagens, visitas inusitadas, muitas vezes de forma organizada e avaliada. Aplicativos como Untappd, Vivino e Foursquare são exemplos de produtos digitais que nada mais são do que grandes organizadores de experiências.

Há alguns tipos principais de experiências que vêm sendo colecionadas. Há as experiências de consumo. Por exemplo, as listas de cervejas consumidas, onde o Untappd aparece como substituto virtual da antiga coleção de tampinhas ou latas de cerveja. Mas também temos o consumo de moedas virtuais, como em jogos tipo Pokémon Go, em que você coleciona brindes eletrônicos. Por falar nisso, há inclusive sites como Neonmob que tentam recriar o modelo de trading cards para o mercado de arte digital, inclusive com numeração e limitação de quantidades (apesar da aparente contradição de se ter um card eletrônico digital limitado).

As experiências de viagem também são bem comuns atualmente. Livros da série 1001 Lugares são, como dissemos antes, um parâmetro e também um roteiro para muitas pessoas. Alguns dos app mais conhecidos acabam sendo os locais de "armazenamento" e "organização" dessas viagens, como Instagram, Facebook e Pinterest. Há também os livros de viagem, que alguns ainda possuem. Há os álbuns que os celulares montam, em que você pode reviver dia-a-dia suas viagem. E ainda há os colecionáveis ligados às viagens como os imãs de geladeira ou os Pratos da Boa Lembrança, que são “conquistados” quando se visitam os restaurantes associados e consome-se o prato especial da casa.

Finalmente, temos as experiências vivenciais, aquelas que só acontecem naquele lugar, naquela hora. Por exemplo, pessoas que viajam o mundo atrás dos shows de uma banda. Ou aquelas que participam de festivais, guardando os souvenirs dos mesmos, os copos do festival. E depois gravam no setlist.fm, para lembrar de todos os show que foi. Os aplicativos de streaming também acabam sendo repositórios dessas experiências, ao criarem listas das músicas que você mais escutou, as suas favoritas, a possibilidade de montar playlists específicas… nada mais é do que uma forma de coletar informações, organizá-las e torná-las um reflexo da personalidade da pessoa.

Photo by Yvette de Wit on Unsplash

Uma diferença que costumo dizer é que nas coleções de experiência, o fator exclusividade pesa muito mais do que a raridade. E por quê? Na exclusividade, estamos falando em acesso geralmente, definido pelo produtor. É conseguir chegar naquela praia de difícil acesso, estar no festival naquela data, conseguir visto para aquele país, ter reserva para aquele restaurante. Já nas raridades, falamos em situações em que o ambiente define. Você pode ter um produto "exclusivo" mas que não é raro (as pessoas não se interessam). E pode ter produto nada exclusivo mas que se torna raro pela demanda. No caso das coleções de experiência, é muito raro que isso aconteça.

Por exemplo, conheço uma pessoa cujo grande hobby é viajar por países "proibidões" e trazer lembranças desses lugares. Notem que não há nada que diga que esses países sejam "raros". Mas sendo muito difícil entrar, são exclusivos para os que se aventuram. E notem que não há "posse" de nada, mas há sim as histórias, as imagens e provas da vivência.

A compreensão de que as coleções de experiências existem e são tão importantes quanto as coleções tradicionais abre um caminho importante tanto de pesquisa, como de compreensão de como histórias são partes tão importante do objetos de uma coleção, que chegamos ao ponto das histórias sozinhas serem suficientes para serem consideradas coleções. Ou seja, coleção existe quando há uma organização de informações, vinculadas ou não a objetos, de forma a contar histórias, em especial, de forma particular, envolvendo a vivência da pessoa. Toda coleção representa uma parte da alma do colecionador. É por isso que não existe coleção sem uma curadoria, sem as ideias de quem a organizou. Falaremos disso novamente no futuro.

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Ricardo Amaral Filho
KOLLECTER

Consultor de Marketing, Comunicação e Estratégia na Pollex. Criador do Kollecter, futura plataforma sobre o mundo do colecionismo, além de outras iniciativas.