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[…]EstLux — SAPIENS NA BALBÚRDIA #03 — Um dia na vida de Adão e Eva*

Cynthia Hansen
KOMONO | POR UMA VIDA MAIS CONSCIENTE
4 min readMar 19, 2020

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Da leitura do ‘Capítulo 3 — Um dia na vida de Adão e Eva’, do livro ‘Sapiens: uma breve história da humanidade’, de Yuval Noah Harari, surgiu uma inquietação::

1) Será que famílias nucleares são mesmo uma constante na história dos sapiens ou é, na verdade, uma consequência do sistema capitalista, que estimula a posse e o acúmulo?

Este questionamento se refere, especialmente, ao seguinte trecho:

[…] alguns psicólogos evolutivos afirmam que bandos antigos de caçadores-coletores não eram compostos de famílias nucleares centradas em casais monogâmicos. Em vez disso, eles viviam em comunidades onde não havia propriedade privada, relações monogâmicas ou mesmo paternidade. Em um bando como esse, uma mulher poderia ter relações sexuais e formar laços íntimos com vários homens (e mulheres) ao mesmo tempo, e todos os adultos do bando cooperavam para cuidar das crianças. Os homens mostravam igual preocupação por todas as crianças, uma vez que nenhum sabia ao certo quais eram definitivamente filhos seus.

Os defensores dessa teoria da ‘comunidade antiga’ afirmam que as infidelidades frequentes que caracterizam os casamentos modernos e o índice elevado de divórcios, sem falar da profusão de complexos psicológicos que acometem crianças e adultos, todos resultam de forçar os humanos a viver em famílias nucleares e relações monogâmicas, que são incompatíveis com nosso programa biológico.

Muitos acadêmicos rejeitam veementemente essa teoria, insistindo que a monogamia e a formação de famílias são comportamentos essencialmente humanos. Esses pesquisadores afirmam que, embora as antigas sociedades caçadoras-coletoras tendessem a ser mais comunais e igualitárias do que as sociedades modernas, eram, no entanto, constituídas de células separadas, cada uma delas contendo um casal ciumento e os filhos que eles tinham em comum. É por isso que hoje as relações monogâmicas e famílias nucleares são a norma na grande maioria das culturas, que homens e mulheres tendem a ser muito possessivos com relação a seus parceiros e filhos e que até mesmo em Estados modernos como a Coréia do Norte e a Síria a autoridade política passa de pai para filho (HARARI, 2017, p. 50–51).

O que se apresenta a seguir são algumas das questões que emergiram do grupo a partir desta problemática.

O questionamento sobre a relação entre famílias nucleares e sistema capitalista surge da leitura do livro ‘O ponto zero da revolução’, de Silvia Federici, resultado de mais de trinta anos de reflexão e pesquisa da autora sobre a natureza do trabalho doméstico, a reprodução social e a luta das mulheres neste terreno, unindo política, história e teoria feminista. Nele, Federici apresenta a constatação, reiterada em diferentes momentos da história, do quanto o capitalismo necessita do trabalho não remunerado das mulheres para acumular valor e continuar existindo — à custa da natureza e das comunidades.

O fato é que não só o sistema econômico, mas também a ciência reforça o paradigma das famílias nucleares ao relegar a mulher a um lugar de seletividade e passividade no que diz respeito às atividades reprodutivas. Tudo isso por conta de uma mentalidade sexista de bases ditas ‘biológicas’, que entende a mulher como um ser inferior ao homem.

Uma boa compreensão sobre o efeito da mentalidade sexista no âmbito da ciência é apresentada no capítulo 6 — Seletivas, não castas, do livro ‘Inferior é o car*alho’, de Angela Saini. Com diligência e uma linguagem objetiva, a jornalista apresenta em cada capítulo um recorte na história da ciência que difundiu o mito de que mulheres são inferiores, viajando o planeta para entrevistar cientistas, pesquisadores e especialistas e obter sempre os dois lados da história. Já uma amostra de como crenças sexistas afetam a vida das mulheres pode ser vista no filme ‘Mary Shelley’, disponível na Netflix. O filme conta a história da luta feminista da autora do clássico da literatura Frankenstein.

No que diz respeito especificamente à prole e relações familiares, se pudéssemos esquecer como a biologia funciona em relação à fecundação, o processo de criação dos humanos poderia ser muito mais rico em termos de leveza e diversidade se a atitude masculina diante da prole fosse mais parecida com o que supõem alguns psicólogos evolutivos em relação às antigas comunidades de caçadores-coletores.

* A proposta das sessões de leitura reflexiva […]EstLux é imergir em temáticas importantes da contemporaneidade conhecendo pontos de vista diversos, entrando em contato com diferentes referências e repertórios e exercitando a escuta ativa e a fala consciente, de modo a promover um diálogo capaz de ampliar visões de mundo sem, necessariamente, levar a um consenso ou resposta final às questões que são levantadas nas sessões.

Alguns papéis são primordiais para o bom andamento das sessões: o do anfitrião, do condutor e do facilitador. Em relação ao anfitrião, todas as sessões desta edição do […]EstLux acontecem na sede do coletivo de arte Balbúrdia, na Rua Comandante Joãozinho Haeger, 112 — Centro, em Blumenau (SC).

Este texto se baseia nas discussões geradas por uma sessão de leitura reflexiva do ‘Capítulo 3 — Um dia na vida de Adão e Eva’, do livro ‘Sapiens: uma breve história da humanidade’, de Yuval Noah Harari, realizada em 04 de março de 2020. A sessão foi conduzida por Bárbara Machado, que trouxe as inquietações apresentadas para a discussão do grupo. Participaram da sessão: Bárbara Machado, Cynthia Hansen, Guilherme Hostins, Josiane Demo, Luciana da Rosa e Sávio Abi-Zaid.

Idealização e facilitação: Komono Caminhos de Aprendizagem. A proposta da Komono é oferecer caminhos voltados à aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades cognitivas, emocionais e sociais. A ideia é ajudar as pessoas a escolherem caminhos que as façam viver de uma forma mais leve e feliz.

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Cynthia Hansen
KOMONO | POR UMA VIDA MAIS CONSCIENTE

Publicitária, professora, apaixonada por aprendizagem, eterna aprendiz, co-idealizadora do Heimo Learning Lab e ligada em 220V! about.me/cynthia.hansen