Gambare com empatia!

Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd
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4 min readJul 3, 2018

Em tempos de copa e de contato com culturas diversas através do futebol, é sempre bacana aprender alguma palavrinha nova! Apesar da eliminação do Japão, todos reconheceram o esforço do time e a torcida gritou muito Gambare ou Gambatte Japan! “Gambare”, que é a forma imperativa do verbo “Gambaru” (頑張る), é muito utilizada no país, em diversos contextos, e evidencia o famoso espírito de resiliência dos japoneses.

Este verbo pode ser traduzido como “fazer o seu melhor”, “esforçar-se até o fim”, “não desistir que você consegue”, “keep it up”, etc. Mas a palavra tem sido discutida há algum tempo, nos meios acadêmicos e pela mídia, pois apesar de ser uma palavra bastante positiva, é preciso cautela no momento de utilizá-la. Essa é uma palavra que precisa ser utilizada com muita empatia!

Minha admiração por esta palavra está no fato de que, enquanto no ocidente costumamos desejar “boa sorte”, no Japão, a tendência é não contar com qualquer força do universo, mas dar o melhor de si! Para os colegas que vão prestar vestibular ou que estão indo para uma entrevista de emprego, a expressão de encorajamento é o “Gambatte”, pois é com sua própria capacidade, esforço e determinação que se chega lá. Assim, em situações relacionadas ao esporte, entrevista, prova, reuniões importantes no trabalho, etc., essa expressão serve para desejar forças ao seu interlocutor. De fato, em uma sociedade que enaltece tanto a disciplina e que já sofre com o acaso dos desastres naturais, contar com a sorte não parece ser uma boa opção!

Então, não se deseja sorte no Japão? Sim, mas a tradução da palavra “boa sorte”, seria “ご幸運をお祈りします” (Gokouun o oinorishimasu) , que é uma expressão usada quando algo depende puramente de sorte, como ganhar na loteria. Utiliza-se também o ラッキー (rákkii), que é a forma como os japoneses pronunciam o “lucky” do inglês. Essa palavra é utilizada quando a pessoa realmente teve sorte, como conseguir um ingresso concorridíssimo para um show.

No entanto, a percepção de que é preciso “esforçar-se até o fim”, tem sido debatida no meio acadêmico japonês e também pela mídia, como um dos elementos por trás de problemas sociais, como o 過労死 (karoshi, a morte por excesso de trabalho). Colin Jones, professor de direito na Doshisha University, no Japão, e colunista do Japan Times, indica que é preciso cuidado com essa palavra, pois é preciso entender o contexto no qual o interlocutor está inserido. Quando já se está no seu limite, falar “Gambare”, pode ter a conotação: “se você se esforçasse mais, você conseguiria” ou “você ainda não está fazendo o melhor para as coisas darem certo”.

Segundo Justin Charlebois, professor de Comunicação na Aichi Shukutoku University, no Japão, que pesquisa questões de gênero na sociedade japonesa, o Gambaru vai muito além do “faça o SEU melhor”. Apesar de ter uma nuance de fazer o SEU melhor, respeitando os SEUS limites, para oautor, o Gambaru não enfatiza a individualidade das pessoas, mas reflete uma norma social de que é preciso se esforçar incansavelmente, para muito além do seu limite pessoal para alcançar seus objetivos e ter sucesso. Enquanto para quem fala a palavra pode parecer algo perfeitamente gentil a se dizer, para quem recebe, às vezes, pode soar como uma palavra vazia, sem empatia, parecendo que você não está fazendo o seu melhor por falta de dedicação ou disciplina.

Diante disso, para mim, a palavra “Gambaru” nos trás duas lições importantes. Em primeiro lugar, de fato, ser resiliente, evoluir após superar adversidades e dar o máximo de si são características essenciais para o sucesso profissional e pessoal. Assim como fazer o Hansei é importante (dá uma olhadinha no texto anterior!), para atingir o seu objetivo de melhorar sempre, o Gambaru (頑張る) tem papel fundamental. Contamos com a sorte? Sim, por que não? Mas, no fim do dia, é preciso muito “Gambaru” para chegar lá.

A segunda lição é que precisamos sempre ter sensibilidade e empatia para escolhermos as palavras certas na hora de darmos força a alguém que está passando por dificuldades. Ouvir que é preciso se esforçar ainda mais quando já estamos no limite não é algo que vai ajudar ninguém. É preciso buscarmos ter saúde mental e também ajudarmos as pessoas ao nosso redor a se manterem com uma vida equilibrada. E, nesse processo, ter empatia é fundamental. Ao invés de julgarmos, podemos apenas estar presentes e apoiarmos aqueles que precisam de nós ❤

Então, vamos “Gambaru” em todos os nossos projetos. Mas, às vezes, podemos deixar para um outro dia :)

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Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd

Intérprete e Tradutora de Japonês ❤ E também ecomista e mestre em história econômica!