Hansei (反省) para sermos cada vez melhores… Em tudo!

Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd
Published in
4 min readMay 9, 2018
Mais um ensinamento japonês, com uma pitada brasileira!

Quando se trata do Japão, um dos aspectos que mais chama a atenção dos brasileiros é a disciplina dos japoneses. Os seus métodos de organização da produção, otimização de processos e de melhoria contínua, tão difundidos no mundo corporativo, são bastante conhecidos e amplamente adotados no Brasil. E existe uma palavra “muito japonesa” que evidencia alguns dos aspectos culturais relacionados à esta famosa disciplina e que é um dos primeiros passos para a introdução dos métodos japoneses de produção: o Hansei (反省).

A tradução direta do termo Hansei é introspecção e autorreflexão. Mas esta palavra tem um significado extremamente profundo na sociedade japonesa. “Fazer hansei” significa ser honesto com suas próprias fraquezas, falhas e tropeços, seja na vida profissional ou pessoal, pois este é o ponto inicial para conseguir melhorar sempre.

E este processo ocorre em três etapas:

1. Reconhecer os problemas.

Ex: “Não fiz uma boa intepretação neste evento” ou “Fui grossa com aquela senhorinha tão simpática”

2. Aceitar a responsabilidade do que aconteceu sem ficar buscando culpados.

Ex: “De fato, minha preparação poderia ter sido melhor” ou “De fato, quando estou com pressa eu fico meio rude”

3. Estruturar um plano de ação para melhorar e não cometer o mesmo erro.

Ex: “Vou fazer aquele curso para manter o vocabulário em dia e treinar por 1 hora todos os dias” ou “Na próxima vez, preciso fazer um esforço de manter a calma, pedir desculpas e explicar, educadamente, que estou com pressa”.

Autorreflexão para sempre melhorar! #BetterHumans!

Ou seja, fazer o Hansei mostra que a responsabilidade individual não está ligada à culpa ou à punição, mas ao aprendizado e ao crescimento pessoal ou de um grupo como um todo. E este conceito está amplamente relacionado com ter humildade para aceitar que, de fato, poderia ter feito algo melhor, mas que, da próxima vez, não cometerá o mesmo erro. Assim, seguimos evoluindo e melhorando. Sempre!

Na cultura ocidental, o Hansei, muitas vezes, é difícil de ser compreendido. Frequentemente, as falhas geram uma impiedosa busca pelos causadores do problema, ou acabamos levando a crítica para o lado pessoal. Se já nos cobramos o suficiente, um erro pode desencadear sentimentos horríveis de culpa e baixa autoestima, junto com um turbilhão de sentimentos negativos. Por outro lado, quando temos sucesso, celebramos e ficamos contentes com nós mesmos e postamos nas redes sociais (!). Mas, o que aprendemos com isso? Nada ou muito pouco. Por isso a importância de refletir e planejar os próximos passos.

O momento de reflexão é chamado de Hanseikai (反省会), que seria a “Reunião de Hansei” e é sempre realizado após um evento ou algum projeto, seja na escola ou no trabalho. Outra categoria de Hanseikai é aquele que você faz sozinho, depois de um dia cheio de coisas boas e alguns percalços! E independente de ter tido sucesso ou não, é feito um balanço do que ocorreu, sempre buscando oportunidades no gap que existiu entre o que se considerava ideal e o que de fato aconteceu.

Jeffery K. Liker, professor de Engenharia Operacional e Industrial da Universidade de Michigan, em seu livro “O Modelo Toyota: 14 Princípios de Gestão do Maior Fabricante do Mundo”, explica que os gestores da Toyota tiveram dificuldades em introduzir a cultura do Hansei em suas filiais nos Estados Unidos no início da década de 1990. Ao identificar que algo poderia ter sido feito melhor, na cultura do Hansei, você aceita essa crítica e busca a melhoria. Mas os americanos queriam, ao menos, o reconhecimento pelo trabalho feito. Matthew E. May, autor norte americano especialista em estratégia empresarial, em seu livro “Toyota: a fórmula da inovação”, ressalta que um ocidental ficaria chocado com o tom grave e severo de uma reunião de Hansei da Toyota após um estrondoso sucesso. Sempre há o que melhorar. Até mesmo quando se superam as expectativas, isso também significa que erraram o alvo e, por isso, é preciso refletir para atingir a imagem ideal! Fica até difícil concordar com esses aspectos rigorosíssimos, mas diversidade cultural é isso! E sempre temos o que aprender com isso.

Obviamente, tirar um tempo para pensar no que pode ser melhorado na sua vida ou no seu trabalho não é algo específico da cultura japonesa. Talvez o rigor e o nível de introspecção, de fato, sejam únicos. Mas eu conheço intérpretes incríveis, absolutamente excelentes e com um delivery maravilhoso que continuam treinando e melhorando através de feedbacks construtivos dos colegas, que vão ao fonoaudiólogo, gravam sua própria voz para perceber hesitações e fazem diversos cursos. Melhorar ritmo, voz, entonação e ampliar o vocabulário para matar aquele termo na mosca faz parte do dia a dia de muitos intérpretes que só querem melhorar ainda mais. E isso é incrível!

Mas como tudo nessa vida é uma questão de equilíbrio (e como bons brasileiros que somos), podemos fazer o Hansei diariamente, para uma melhoria contínua no trabalho e na vida pessoal, e acrescentarmos uma boa comemoração ao final, pelos bons resultados atingidos. Acho que é esse o equilíbrio que faz essa mistura linda entre o Brasil e o Japão ser um sucesso!

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Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd

Intérprete e Tradutora de Japonês ❤ E também ecomista e mestre em história econômica!