Ojigi: a arte da vênia na tradição japonesa

Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd
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5 min readOct 3, 2018

A vênia (ato de inclinar levemente a cabeça/torso para frente) , chamada de ojigi (お辞儀) no Japão, esteve presente em diversas culturas ao longo da história da humanidade. Apesar de seu uso, no Ocidente, ser muitas vezes restrito ao palco ou à adoração ao seu Deus, no Japão, este ato está enraizado na cultura do país e muitas vezes é feito de forma inconsciente. Não é raro ver japoneses fazendo ojigi enquanto falam ao telefone com seu chefe.

Ojigi diante dos clientes é uma regra de etiqueta!

Se você está planejando uma viagem ao Japão ou trabalha com japoneses no Brasil, você já deve ter se perguntado o que de fato é preciso fazer e em quais circunstâncias este ato é requerido. De fato, na cultura japonesa, abaixar a cabeça diante do seu interlocutor é algo crucial, mas bastante complexo, e entender as nuances vai deixar você mais bem preparado para quando esse momento chegar. O aperto de mãos é ainda pouco usual no Japão e é sempre bom evitar tocar nas pessoas. Abraçar então, nem pensar!

A origem do ato de abaixar a cabeça diante do seu interlocutor está relacionada ao fato de mostrar que você não é uma ameaça. Então você se curva para mostrar que é mais fraco e que não fará nada para atacar o seu interlocutor. Além disso, há uma relação hierárquica: a vênia é muito utilizada em cerimônias religiosas, diante de Deus, assim como os europeus faziam diante de seus monarcas.

No Japão a vênia vai estar sempre relacionada à demonstração de respeito, seja para agradecer, adorar ou pedir perdão. A forma como você inclina o seu corpo vai evidenciar a sua posição hierárquica em relação ao seu interlocutor. No Japão, você provavelmente irá fazer a vênia nas seguintes situações:

1. Ao encontrar ou se despedir de alguém

2. No início de uma reunião ou cerimônia

3. Ao demonstrar agradecimento a alguém

4. Ao pedir desculpas a alguém

5. Ao parabenizar alguém

6. Ao pedir um favor a alguém

7. Ao rezar ou em momento de adoração

8. Para cumprimentar o seu oponente em uma partida esportiva

Há três regrinhas básicas que é bom lembrar, no que tange à postura, ao grau de inclinação e ao tempo de duração do ato. Em primeiro lugar, a inclinação deve ser feita de tal forma que a sua cabeça, o seu pescoço e as suas costas ficam alinhadas, sem formar uma curva. Os braços devem também deslizar um pouco para baixo. Tendo isso em mente, os graus de inclinação indicarão diferentes níveis de respeito ou posição hierárquica.

As mulheres podem colocar as mãos na frente ou no lado.

O primeiro nível é o eshaku(会釈) no qual é feita uma inclinação de aproximadamente 15 graus. É um cumprimento casual, quase automático, que é feito ao encontrar um colega de trabalho em posição similar à sua, ou ao ser apresentado ao amigo de um amigo. É só abaixar e voltar à posição inicial.

O segundo nível é o keirei(敬礼) e se faz uma inclinação de 30 graus. É utilizado perante alguém que é hierarquicamente superior a você, como seu chefe ou seu professor e indica que você respeita o seu interlocutor. Faz-se um movimento que dura uma respiração.

O último nível é o saikeirei(最敬礼)e é feita uma inclinação de 45 a 70 graus. A tradução ao pé da letra significa cumprimento de máximo respeito e o seu uso é limitado aos casos de demonstração de profundo respeito (por exemplo, diante do imperador) ou em pedidos de desculpas nos quais se expressa um profundo arrependimento. Costuma-se manter a posição de vênia por 3 segundos.

Há ainda o chamado dogeza (土下座)que é quando o ato é feito ajoelhado, com as mãos apoiadas e olhando para o chão. É bastante raro e indica um pedido de desculpas por algo extremamente grave, como a morte de alguém por sua culpa.

Dogeza é utilizado em casos extremamente graves!

É importante ter em mente também o que não deve ser feito! Não una a palma das mãos no centro do seu tórax e abaixe a cabeça. Essa é uma tradição muito antiga e não é mais utilizada no Japão. Não faça o ojigi enquanto está andando ou falando; para mostrar respeito é preciso estar 100% comprometido com o ato. Não se incline e aperte a mão do seu interlocutor ao mesmo tempo. O correto é não haver contato físico. Também não é certo fazer a vênia quando você está visivelmente irritado, pois a sua atitude seria considerada vazia. Além disso, em situações formais, não é indicado fazer a vênia sentado.

Na realidade há diversas outras regrinhas e detalhes, mas para não ter erro: sempre faça a vênia para alguém que está fazendo a vênia para você (a não ser que seja um atendente de loja ou restaurante!). Provavelmente, você não estará cometendo uma gafe ao abaixar-se 30 graus. E, por fim, mantenha-se abaixado um pouquinho mais que o seu interlocutor.

Mas, se você é estrangeiro a passeio, não é preciso se preocupar muito. É importante notar que os japoneses são bem menos rigorosos com quem não mora no país. Além disso, há uma certa flexibilidade, pois, provavelmente, um estrangeiro que não tem muito tempo de contato com a cultura vai deixar passar uma reverência onde seria imprescindível para um japonês. Se você está indo trabalhar no Japão, é preciso checar se há alguma regra interna da empresa, mas, de qualquer forma, é fundamental entender esses três níveis básicos. Além disso, fora do seu país, os japoneses costumam seguir os protocolos locais e jamais exigiriam a reverência onde não existe esta cultura.

Trump x Obama com o Imperador Akihito

Um fato curioso que vale mencionar é que, nos Estados Unidos, o protocolo para visitas oficiais baseia-se em se ajustar ao máximo à cultura local. No entanto, não é recomendado que chefes de Estado façam a vênia para representantes políticos ou monarcas de outros países, pois isso demonstraria fraqueza e submissão. Em 2009, o ex-presidente Obama fez um saikeirei diante do Imperador Akihito. Ele foi amplamente criticado por uma parcela da mídia norte-americana, mas também muito elogiado, pois a sua atitude foi considerada bem intencionada, com demonstração de humildade e respeito antes de entrar na casa do Imperador para o almoço. Já em 2017, a atitude do presidente Trump foi bem diferente, mas sem grandes críticas ao atual presidente por parte da mídia, pois curvar-se não é uma atitude esperada do presidente.

O Imperador Akihito não tem nenhum poder político e, na maior parte do seu império, buscou curar as feridas da Segunda Guerra Mundial na Ásia, contexto no qual o seu pai, Hirohito, era o Chefe de Estado. A regra para os japoneses é fazer um saikeirei e jamais tocar no imperador. Certamente trata-se de uma situação delicada e polêmica. E vocês, o que pensam sobre isso?

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Anna Ligia Pozzetti
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Intérprete e Tradutora de Japonês ❤ E também ecomista e mestre em história econômica!