Parece que entendeu uma palavra japonesa? Provavelmente é inglês!

Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd
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4 min readAug 15, 2018

Todas as línguas incorporam influências externas e se adaptam, de acordo com as mudanças políticas, econômicas e sociais, bem como com o contato com culturas estrangeiras. Esses empréstimos, também chamados de estrangeirismo, tem papel importante no idioma japonês, desde a sua formação até os dias de hoje. No Japão, esses empréstimos são chamados de Gairaigo(外来語).

Uma das correntes mais aceitas indica que o japonês tem sua origem nas línguas altaicas, provenientes da Ásia Central, e começou a sofrer grande influência do chinês a partir do século V. Posteriormente e até meados do século XIX, o japonês recebeu contribuições dos idiomas português, holandês, francês e alemão. Do português, por exemplo, as palavras ボタン(botan/botão), コップ(koppu/copo), パン(pan/pão), etc. foram incorporadas no século XVI (BOSSONG, 2003).

A chegada dos portugueses no Japão no século XVI.

A partir do século XX, o idioma mais incorporado ao japonês foi o inglês. Isso reflete aspectos históricos óbvios no contexto da derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial, com seu subsequente governo de ocupação norte-americano que durou de 1945 a 1952. Este período de dominação deixou marcas ocidentais, não apenas em termos políticos e econômicos, mas também na esfera da cultura e do idioma. Como indica BOSSONG (2003), no início do século XX, havia 80 anglicismos, enquanto, na década de 1960, já eram mais de 2.400 registros.

No entanto, um aspecto interessante na incorporação dos termos estrangeiros no caso do japonês é que há um esforço de se manter a identidade da língua original. Segundo Siqueira (2014), essa identidade se dá tanto no nível gráfico, com o uso do katakana, como fonológico, seguindo um padrão de adaptação vocálica ao idioma. Ou seja, o inglês não foi simplesmente incorporado, mas sim adaptado ao idioma japonês. Por exemplo, a palavra shirt, foi incorporada como shatsu (シャツ)e taxi ficou takushii(タクシー).

Além disso, uma peculiaridade do caso japonês é que, muitas vezes, ao serem incorporadas, as palavras sofrem uma alteração em seu significado. Existe o chamado Wasei-eigo (和製英語), que literalmente significa um “inglês fabricado no Japão”. São palavras genuinamente japonesas derivadas do inglês. Por exemplo:

Salary Man (サラリーマン・sararii man): no Japão, remete à uma pessoa que trabalha em um escritório e que vive do seu salário. Mas, no inglês, essa palavra não existe, sendo que a palavra utilizada é office worker.

Key Holder (キーホルダー・kii horudaa): no Japão, significa chaveiro, mas, no inglês, a palavra utilizada é key chain ou key ring.

Potato Fry (ポテトフライ・poteto furai): para um japonês, é batata frita em inglês, mas, em inglês, na verdade, é french fries.

Jet Coaster (ジェットコースター・jetto koosuta): montanha russa, que, em inglês, é roller coaster!

Alguns japoneses criticam o uso excessivo de estrangeirismos, pois há momentos em que a mensagem transmitida não fica tão clara, principalmente para os idosos. No entanto, pelo lado positivo, palavras com conotações muito pesadas no japonês puderam ser substituídas por outras mais leves. Por exemplo: “beijo” e “abraço” no Japão se diz em inglês: キス(kisu/kiss) e ハグ(hagu/hug). Ambas as palavras existem em japonês: せっぷん(seppun: beijo) e ほうよう(houyou: abraço), mas são palavras com uma conotação pesada e muito séria e foram substituídas por opções mais leves e fáceis de serem usadas.

As opiniões pessoais divergem no debate sobre os empréstimos serem positivos ou negativos. Particularmente, acredito que o idioma japonês está longe, bem longe, de se tornar uma variante do inglês ou de se empobrecer e perder suas características tradicionais pela adição de novos vocábulos. Apesar dos avanços tecnológicos, o Japão exalta a sua cultura tradicional, mantendo vivas diversas cerimônias, o uso de quimonos, os dialetos locais, bem como os costumes e princípios que podem até parecer antiquados para alguns ocidentais.

Na realidade, esses empréstimos têm efeito oposto ao empobrecimento e ajudam o idioma a evoluir. A língua é viva: está em constante mudança e sempre incorpora novos vocábulos e deixa outros de lado. São novas formas de expressar ideias, conceitos, sentimentos e teorias que ajudam na compreensão e na conexão entre o falante e o ouvinte. Ainda mais para um idioma tão peculiar como o japonês, cuja escrita já é uma barreira para o aprendizado, o uso de termos no inglês como um recurso linguístico só vem a contribuir.

Referências

Para mais referências de Wasei-eigo: https://japantoday.com/category/features/lifestyle/20-words-of-english-origin-that-japanese-people-often-mistake-for-real-thing

BOSSONG, G. O elemento português no japonês. In: MENDES, M. (org.). A língua portuguesa em viagem. Actas do Colóquio Comemorativo do Cinquentenário do Leitorado de Português na Universidade de Zurique, 20 a 22 de junho de 1996. Frankfurt: Vertag, 2003.

SIQUEIRA, J. C O empréstimo e suas influências linguístico-culturais: o caso do japonês. In: TradTerm, São Paulo, v. 24, /2014, pp. 325–338.

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Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd

Intérprete e Tradutora de Japonês ❤ E também ecomista e mestre em história econômica!