Ritualismo e Cordialidade: a chave para a parceria Brasil-Japão

Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd
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4 min readApr 25, 2018

Este pequeno texto tem o objetivo de indicar apenas alguns aspectos culturais e linguísticos que evidenciam diferenças significativas entre o brasileiro e o japonês em diversas esferas, tentando eliminar visões deterministas e até mesmo preconceituosas sobre o tema.

O Brasil e o Japão têm mais de um século de boas relações e apesar dessas diferenças culturais, parcerias importantes foram firmadas ao longo do tempo. E respeitar essas especificidades tem sido uma das chaves para o sucesso nos negócios em ambos os países!

Muitos brasileiros têm uma visão de que os japoneses são “fechados”, frios, e também muito rigorosos. Mas a formalidade e a cordialidade japonesa (muito conhecida como omotenashi) não é algo artificial e é importante ter essa noção para que essas atitudes permeiem também as relações profissionais.

Logo das Comemorações de 120 Anos de Amizade Japão-Brasil

Em primeiro lugar, é preciso fazer uma distinção entre a cordialidade brasileira e a cordialidade japonesa. A primeira foi tratada por Sérgio Buarque de Holanda em seu clássico “Raízes do Brasil”, no capítulo 5, intitulado “O Homem Cordial”. Segundo o autor, a cordialidade, que é traço característico do brasileiro, definido como o “homem cordial”, está ligada ao horror às distâncias e à aversão ao ritualismo social. É o nosso famoso “sinta-se em casa, não faça cerimônia”, que funciona muito bem, obrigada!

Segundo o mesmo autor, no campo da linguística, essa busca por uma proximidade se dá pelo uso do diminutivo e da eliminação do nome de família no tratamento social. Isso traz uma sensação de familiaridade com o seu interlocutor, mesmo que se conheçam há pouco tempo. Tem-se um desejo de estabelecer intimidade, tornar-se amigo, para só então fechar negócios ou iniciar uma parceria. No “homem cordial”, os traços de fundo emotivo prevalecem sobre o racional, afastando-o da polidez. E são essas características que nos fazem brasileiros, tão elogiado pelos estrangeiros com nossa cordialidade e hospitalidade!

Para esse mesmo autor, o brasileiro se comporta de forma exatamente oposta ao japonês, para quem “o ritualismo invade o terreno da conduta social para dar-lhe mais rigor” (HOLANDA, 1936 p.110) e a demonstração de respeito e noção de polidez chegam a parecer uma reverência religiosa.

Pode ser difícil para um brasileiro compreender essa postura dos japoneses no ambiente de negócios. Mas, como indica a antropóloga Ruth Benedict, “todo japonês primeiro adquire o hábito da hierarquia no seio da família e posteriormente o aplica nos campos mais vastos da vida econômica e do governo” (BENEDICT, p. 53).

Segundo a autora, uma das primeiras lições de um bebê consiste em mostrar respeito ao pai e ao irmão mais velho. Para ensinar isso, a mãe abaixa a cabeça do filho para cumprimentar até mesmo membros da mesma família. De uma forma geral, a hierarquia, que abrange as distinções de sexo, geração, status, relação entre chefe e subordinado, etc., tem como base o que foi aprendido dentro de casa.

No domínio da linguagem, há numerosas regras e convenções detalhadas em que cada cumprimento ou cada fala deve indicar a distância social que existe entre as pessoas. Para começo de conversa, utiliza-se sempre o sobrenome do interlocutor e nunca o seu nome. E os japoneses têm o que pode ser traduzido como uma “linguagem de respeito”. Essa linguagem, extremamente polida, mostra como a pessoa que a utiliza considera o seu interlocutor.

Quando o objetivo é mostrar respeito, elevando o seu interlocutor que está hierarquicamente superior a você, utilizam-se as expressões de respeito (sonkeigo). Por outro lado, no momento em que se fala de si mesmo, perante alguém que se considera superior, tem-se as expressões de modéstia (kenjogo). Assim, numa conversa, essas expressões são utilizadas de forma conjunta, mostrando-se modéstia e respeito, ao mesmo tempo.

Essas noções da cultura e do idioma ajudam a compreender a força do ritualismo japonês presente nas relações profissionais. Não é algo artificial e está profundamente enraizado na cultura do país, assim como a famosa cordialidade brasileira! E para uma boa relação, seja nos negócios, seja na vida cotidiana, o que consideramos pequenos detalhes pode acabar causando algum constrangimento, minando uma parceria.

Referências Bibliográficas

HOLANDA, Sérgio Buarque. (1936), Raízes do Brasil. 1ª edição. São Paulo, José Olympio.

BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada: padrões da cultura japonesa. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.

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Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd

Intérprete e Tradutora de Japonês ❤ E também ecomista e mestre em história econômica!