Você sabe ler o ar? Os japoneses te ensinam!

Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd
Published in
4 min readOct 18, 2018

O idioma japonês é realmente fascinante e, através das palavras, é possível apreender diversos aspectos culturais muito fortes no país. E uma expressão que tem recebido bastante destaque no país, na última década, é o KY (pronuncia-se como em inglês) e refere-se às duas primeiras letras da expressão Kuuki Yomenai, que significa, literalmente, “não conseguir ler o ar”. Mas o que isso quer dizer?

Uma pessoa considerada KY não é capaz de perceber o que é apropriado em determinadas situações, ou que não consegue pegar as informações que estão nas entrelinhas. Há casos em que a falta de bom senso é tanta que a expressão usada é SKY e quer dizer Super Kuuki Yomenai, ou seja, alguém que realmente não consegue perceber até mesmo algumas mensagens mais explícitas. Os japoneses valorizam muito essa habilidade, mas para eles terem criado essa expressão, significa que, às vezes, nem eles conseguem pegar as informações no ar!

Para resumir bem essa habilidade tão apreciada, os japoneses têm um provérbio que diz 一を聞いて十を知る(ichi wo kiite juu wo shiru), que significa literalmente “ouvir 1, entender 10”. As pessoas têm que buscar uma sintonia tal que explicações verbais se tornam desnecessárias. Mas, para chegar nesse nível, é preciso ter um background de informações… ou muitos anos no Japão! Os japoneses prezam tanto por isso que há expressões como 以心伝心 (ishindenshin: entender-se sem palavras) e 阿吽の呼吸 (aun no kokyu: pensar exatamente da mesma maneira, estarem sintonizados). Mas isso está longe de ser trivial para algumas culturas.

Apesar de parecer um estereótipo dos japoneses, esse tipo de comunicação não é específico ao Japão. Erin Meyer, no seu incrível livro "The Culture Map: Breaking Through the Invisible Boundaries of Global Business", explica que existem dois estilos contrastantes de comunicação, que variam de acordo com a cultura ser low-context (contexto baixo / 低文脈) ou high-context (contexto alto / 高文脈), indicando o quão explícita é a carga informacional envolvida na comunicação. Esses estilos foram teorizados pelo antropólogo Edward T. Hall, em seu livro Beyond Culture, lançado em 1976.

Em uma cultura high-context, a ênfase está mais na forma do que no conteúdo, sendo que muita coisa é tacitamente compreendida por eles. A comunicação não verbal (contato visual, linguagem corporal, expressão facial, etc.) é bastante utilizada e, muitas vezes, o silêncio é mais adequado do que qualquer palavra. Como indicado na imagem abaixo, os países Asiáticos e Árabes entram nesta categoria. Meyer explica que, mesmo com fome, um hóspede Iraniano provavelmente negará a comida na primeira vez que você oferecer, pois uma pessoa educada jamais aceitará algo de primeira Por isso, é preciso oferecer mais uma ou duas vezes.

Em uma cultura low-context, a ênfase está mais no conteúdo do que na forma e, independentemente do contexto, as pessoas precisam de informações diretas, simples, sem meias-palavras e subentendidos. A comunicação depende muito mais das palavras do que nas culturas high-context. O destaque fica para Suíça, Alemanha e Países Escandinavos. Um país conhecido por ser bastante low-context é os Estados Unidos. Meyer explica que, para um Americano, a regra tradicional de uma boa comunicação é: “Diga o que você está prestes a falar, então fale o que você gostaria de falar e, então diga o que você acabou de falar”. Mais verbalmente claro, impossível!

Fonte: Point Park University

Mas, então, como é que conseguimos ser bons em “ler o ar” e não sermos KY? Apesar de ser difícil chegar no nível nipônico, sendo preciso muito estudo, vivência e conhecimento da cultura, o segredo, segundo os japoneses, está no poder de observação, chamado de 観察力(kansatsuryoku). É preciso observar como é a pessoa com quem você está falando, quais são os seus valores, qual o objetivo da conversa e para onde a conversa está avançando. Prestar atenção no tom de voz, nas expressões faciais e idiomáticas e na linguagem corporal é fundamental. Levar em consideração a sua relação com a pessoa, como questões hierárquicas e idade, pode ajudar a não gerar situações constrangedoras.

Especialistas explicam que pessoas que são KY tendem a se colocar no centro das atenções. É preciso deixar de focar no que os outros pensam sobre você para conseguir prestar atenção no que os outros estão pensando. Por isso, é importante ouvir com atenção, sem impor a sua visão ou opinião e, assim, construir uma comunicação com menos conflitos. No ambiente de trabalho japonês, preservar a harmonia (wa) do grupo, tomando cuidado para não desafiar a autoridade do seu superior é fundamental e, por isso, saber pegar informações nas entrelinhas é uma qualidade valorizada. O mesmo é válido nas relações pessoais. Mas, independentemente do país, o importante é sempre ter bom senso e não ser KY!

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Referências:

Meyer, E (2014). “The Culture Map: Breaking Through the Invisible Boundaries of Global Business" .

https://online.pointpark.edu/business/cultural-differences-in-nonverbal-communication//

https://www.lifehacker.jp/2017/02/170209_book_to_read.html//

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Anna Ligia Pozzetti
Komorebi.trd

Intérprete e Tradutora de Japonês ❤ E também ecomista e mestre em história econômica!